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2.2 A relação Executivo-Legislativo: uma harmonização necessária

2.2.2 Competências legislativas do Poder Executivo

2.2.2.2 Poderes reativos: vetos parciais e totais

Além das prerrogativas legislativas de proposição de projetos de lei e de edição de atos normativos unilaterais, a Constituição Federal ainda conferiu ao Poder Executivo uma necessária participação nos processos legislativos de lei ordinária ou complementar, manifestando a sua concordância ou discordância com as matérias deliberadas e aprovadas pelas casas legislativas.

De acordo com o artigo 66 do texto constitucional, o presidente terá quinze dias úteis, desde o recebimento do projeto, para sancioná-lo ou vetá-lo, total ou parcialmente. O silêncio do chefe do Executivo, após o prazo previsto, será interpretado como sanção tácita. O veto, porém, é cabível quando o presidente considerar a proposta inconstitucional ou contrária aos seus interesses políticos, situação em que apresentará suas razões para apreciação do Congresso. Este, por sua vez, poderá acatar o veto ou derrubá-lo por voto da maioria absoluta dos deputados e senadores.

Parece não haver dúvidas de que o instituto do veto é um dos mecanismos de freio e contrapesos trazidos pela Constituição para evitar abusos do parlamento na sua atividade de produção legislativa. Submeter um projeto de lei ao crivo de outro poder abre espaço para o contraponto de vontades sem, contudo, retirar do Legislativo a última palavra sobre a versão da proposta a ser promulgada.

No âmbito do presidencialismo brasileiro, para além da harmonização dos poderes enquanto instituições, a compreensão do instituto do veto também tem muito a dizer sobre os arranjos políticos firmados pelo Executivo com os partidos do Congresso. O que o veto presidencial pode significar em termos de convergência política entre Executivo e

Legislativo? Pode o veto ser considerado indicador de conflito ou de predomínio de um poder sobre o outro?

Em uma compreensão apriorística da questão, pode-se inferir que quanto maior a harmonia entre Executivo e Legislativo, menor será a quantidade de projetos vetados pelo Presidente e menor ainda será a quantidade de vetos derrubados pelo Congresso. Embora a lógica, em tese, seja essa, a dinâmica do veto, no processo legislativo, requer uma análise mais complexa, que, neste trabalho, contemplará os estudos feitos por Gustavo Grohmann sobre os jogos políticos que envolvem o veto presidencial.78

Na visão do autor, o veto “encerra uma dinâmica que combina a institucionalidade das regras de decisão com os diferentes pontos de vista dos atores políticos habilitados a participar da cena legislativa”. As razões que levam um poder a admitir a manutenção das preferências políticas do outro ou não é o cerne da questão.

No levantamento estatístico feito, comparando as quantidades de projetos vetados e de vetos derrubados em quatro mandatos diferentes, constatou-se que o maior número de projetos vetados ocorreu nos primeiros anos de cada mandato e que, em média, 80% dos vetos presidenciais (totais e parciais) foram mantidos pelo Congresso.79

Se, por um lado, um alto índice de vetos derrubados pelo Congresso demonstra clara rejeição à vontade do Executivo, afirmando a preferência do Legislativo, o contrário não é sempre verdadeiro. Um baixo índice de vetos presidenciais derrubados não significa, necessariamente, uma predominância das preferências do Executivo sobre o Legislativo, bloqueando parcelas da sua agenda política, porque vários são os fatores que concorrem para a não rejeição.

Inicialmente, quanto ao aumento da incidência dos vetos presidenciais no primeiro ano de mandato, Gustavo Grohmann considera que ambos os poderes estão conhecendo as preferências um do outro, para, então, alcançar a convergência ao longo da legislatura. Nesse primeiro momento, o Legislativo aprova projetos de acordo com sua preferência política majoritária, em seguida, o Executivo apresenta a posição da sua agenda de governo e, por fim, há a acomodação de vontades conduzida pelo Congresso.

O autor destaca que essa acomodação de interesses ocorre não apenas com a aprovação dos vetos recebidos, permitindo a afirmação das preferências do Executivo, mas também quando o Legislativo deixa de apresentar projetos possivelmente recusáveis pelo

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GROHMANN, Luis Gustavo Mello. O veto presidencial no Brasil: 1946-1964 e 1990-2000. 269 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.

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presidente, reduzindo, potencialmente, a quantidade de vetos. Consequentemente, quanto mais tempo de relacionamento entre Executivo e Legislativo, menos projetos são vetados, em regra.80

Ocorre que nem sempre os parlamentares aprovam projetos de lei esperando a sanção presidencial. Gustavo Grohmann comenta que qualquer progresso dos deputados e senadores em relação às suas propostas ou de seus pares já configura vantagem política, na perspectiva da arena eleitoral, ainda que não haja aprovação definitiva pelo plenário ou pelo presidente.81 Para o representante, demonstrar seu empenho na defesa dos interesses de seu eleitorado, a depender do caso, é o mais importante, já que a efetiva transformação do projeto em lei está fora do seu alcance individual.

Essas motivações, segundo o autor, fomentam o apoio mútuo de preferências políticas contrárias para a aprovação de propostas no Congresso, mesmo sabendo que estas podem sofrer veto presidencial. Os parlamentares interessados contentam-se com a vantagem inicial, ainda que o projeto seja vetado, e os parlamentares discordantes não se opõem a realizar concessões, já antevendo a probabilidade do veto.

Quando se percebe a predominância desse jogo político no Congresso, Gustavo Grohmann observa que nem o Executivo se abstém de vetar, nem o Legislativo se abstém de enviar projetos potencialmente vetáveis. Por essa razão, as rejeições do Presidente aos projetos não necessariamente representam notável discrepância entre preferências políticas do Legislativo e do Executivo

Em relação à manutenção dos vetos pelo Congresso, além das hipóteses em que as razões destes, em seu mérito, são consideradas pelos parlamentares, numa voluntária concordância de preferências, há também o custo político da sua rejeição, que é calculado pelas lideranças congressistas antes da sua apreciação.

Nos dados analisados, não só foram verificados baixos índices de rejeição de vetos, como também grandes lapsos temporais entre os vetos e as suas respectivas apreciações. Embora a própria Constituição determine o prazo de trinta dias para o exame pelo Congresso, sob pena de sobrestamento das demais proposições até a sua votação final, os vetos tramitaram por períodos que variavam de 90 até 400 dias. Para o autor, a justificativa

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GROHMANN, Luis Gustavo Mello. O veto presidencial no Brasil: 1946-1964 e 1990-2000. 269 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003, p. 106.

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GROHMANN, Luis Gustavo Mello. O veto presidencial no Brasil: 1946-1964 e 1990-2000. 269 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003, p. 24.

para o recorrente descumprimento do prazo constitucional é de ordem eminentemente política.82

As pautas da Ordem do Dia das sessões do Congresso, embora devam obedecer certas disposições estabelecidas pelo próprio Regimento Interno, podem ser invertidas, mediante requerimento da liderança, ou alteradas em razão da ausência de quórum para as deliberações. Com isso, é possível ocasionar a postergação da apreciação do veto quando esta se mostra mais interessante do que o enfretamento do mérito.83

O autor do estudo comenta que o objetivo da dilação do prazo é o de aguardar que o arco de sustentação da proposta se enfraqueça, em especial os compromissos e empenhos políticos voltados à sua aprovação, e deixar que próprio tempo “corroa o projeto”.84

Com isso, a Mesa Diretora e a liderança impedem que o plenário possa derrubar o veto e aprovar propostas distantes das preferências da liderança e do próprio Presidente.

Na verdade, a postergação do veto é um modo de consentir com a preferência do Executivo de modo tácito, sem enfrentar a discussão, na tentativa de remanejá-la, se possível, para um momento que os atores, tanto do Executivo como do Legislativo já não sejam os mesmos.85 Isso porque um Congresso recém-formado, possivelmente, não assumiria o ônus de derrubar um veto presidencial para aprovar, a contragosto do presidente, um projeto de lei de cuja elaboração os parlamentares sequer participaram.

Com isso, percebe-se que, para além do zelo pela técnica jurídica do processo legislativo e pela fiel utilização do veto como mecanismo de freio e contrapeso entre os poderes, é o capital político envolvido em cada uma das propostas que determinará, muitas vezes, se o Congresso aprovará ou não projeto potencialmente vetável, se o Presidente sancionará o projeto ou apresentará veto potencialmente rejeitável e se o Congresso aprovará o veto amigavelmente, se o rejeitará, “honrosamente”, ou apenas se absterá de discuti-lo oportunamente, à revelia do prazo constitucional.

Dessa forma, o veto presidencial funciona, institucionalmente, como mecanismo de controle jurídico e político garantido ao chefe do Executivo, e também funciona,

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GROHMANN, Luis Gustavo Mello. O veto presidencial no Brasil: 1946-1964 e 1990-2000. 269 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003, p. 100.

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A dinâmica do processo legislativo e o papel da Mesa Diretora e das lideranças partidárias na condução dos trabalhos será objeto de análise pormenorizada no capítulo seguinte.

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GROHMANN, Luis Gustavo Mello. O veto presidencial no Brasil: 1946-1964 e 1990-2000. 269 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003, p. 102.

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GROHMANN, Luis Gustavo Mello. O veto presidencial no Brasil: 1946-1964 e 1990-2000. 269 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003, p. 108.

estrategicamente, como sinalizador de possíveis divergências nas agendas políticas dos dois poderes, cuja forma de composição dependerá da articulação do Presidente com a sua coalizão de governo, tanto para impedir, na medida do possível, a ocorrência de projetos passíveis de veto, como para atingir o quórum de maioria absoluta para a aprovação do veto.