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As experiências de pessoas trans nas escolas brasileiras nos dossiês mapeados

4 UMA CARTOGRAFIA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA

4.2 Dossiês Nacionais

4.2.2 As experiências de pessoas trans nas escolas brasileiras nos dossiês mapeados

O conjunto de textos, elencados no Apêndice V, me colocaram em contato com

cenas das vivências de pessoas trans em diferentes espaços educativos. Nos textos encontro-me com situações que narram às pessoas trans vivendo em situações em que elas são ditas como desviantes, indizíveis, marginais e sob vigilâncias constantes nos espaços educativos. No entanto, nestas condições colocadas às pessoas não são aceitas sem resistências. Os escapes, enfrentamentos e resistências acontecem. Nas frestas das normas essas pessoas estão habitando e resistindo e proporcionando arranjos outros de sexualidades e gêneros, produzindo tensões cotidianas nas escolas. (POCAHY;

DORNELLES, 201074; PERES, 201075; RIBEIRO; SILVA, 201076; CAETANO; GARCIA, 201077; BENTO, 2011).

Desse modo os espaços educativos foram tomados como uma contínua engenharia social/tecnológica atravessada por dispositivos de controle e assujeitamento, numa relação de saber-poder, verdades e governo dos corpos. O sexo como ‗ideal regulatório‘, o dispositivo da sexualidade e o regime discursivo da biopolítica se ocupam dos jogos de poder que hierarquizam e determinam epistemologias normativas em relação ao gênero e à sexualidade, num permanente fazer corpos-sexuados e gêneros que tenham na heterossexualidade a única possibilidade humana inteligível de viver a sexualidade. (CÉSAR, 200978; FERRARI, 200979; RIBEIRO; SILVA, 2010; CAETANO; GARCIA, 2010; POCAHY; DORNELLES, 2010; PERES, 2010; BENTO, 2011; BORBA; LIMA, 201480; PINHEIRO, 201781; SILVA; MAIO, 201782).

Nessa perspectiva, o trabalho de Peres (2010) mostra um reforço da ambivalência sexo-gênero e da restrição do sexo, da sexualidade e gênero a uma leitura anatômica e biológica. (PERES, 2010). As experiências de pessoas trans que escapam ou se fazem fora da amarração desse processo de produção de inteligibilidade são construídas como identidades abjetas e anormais. (BENTO, 2011; RIBEIRO; SILVA,

74 ―Um corpo entre o gênero e a sexualidade: notas sobre educação e abjeção”. In: Instrumento – Revista de Estudo e Pesquisa em Educação, Juiz de Fora, v.12, n.2, jul./dez, 2010, p. 125-135.

75 ―Travestis, escolas e processos de subjetivação”. In: Instrumento – Revista de Estudo e Pesquisa em Educação, Juiz de Fora, v.12, n.2, jul./dez, 2010, p. 57-65.

76 ―Saberes, poderes, verdades: imbricando rizomaticamente gêneros, sexualidades e E(e)ducação”. In: Instrumento – Revista de Estudo e Pesquisa em Educação, Juiz de Fora, v.12, n.2, jul./dez, 2010, p. 147- 154.

77Corpo polissêmico: a trajetória e os atos de currículos de uma professora que transita na inteligibilidade social de gênero‖. In: Instrumento – Revista de Estudo e Pesquisa em Educação, Juiz de Fora, v.12, n.2, jul./dez, 2010, p. 113-123. Esse texto é oriundo da tese de Doutorado do autor e orientado pela co-autora. Ver. CAETANO, Márcio Rodrigo. Gênero e sexualidade: um encontro político com as epistemologias de vida e os movimentos curriculares. 2011. 232f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011.

78 Gênero, sexualidade e educação: notas para uma „Epistemologia‘. In: Educar, Curitiba: Editora UFRP, n. 35, 2009, p. 37-51.

79Ma vie en Rose‘: gênero e sexualidades por enquadramentos e resistências. In: Revista Educação em Foco, v.14, n. 1, 2009, p. 117-141.

80 ―Por uma educação rizomática: sobre as potências queer, a política menor e as multiplicidades”. In: Periódicus – Revista de Estudos Indisciplinares em gêneros e sexualidades. Salvador: UFBA, 2ª edição, nov./2014. abr./2015, p. 1-14.

81 ―O conjunto das exclusões: intersecções entre vivência(s) trans* e ambiente escolar na cidade de Natal/RN . In: Revista Café com Sociologia, v.6, n.1, jan./abr. 2017, p. 124-137. (Trans*). O autor destaca que utilizou termo ‗trans‘, referindo-se às categorias de gênero, para identificar prioritariamente travestis e transexuais, que constituiu o foco analítico de suas discussões. Embora ele reconhece que ‗[...] as experiências trans compreendam uma gama de outras identidades de gênero – crosdressers, drag queens, drag King, transgêneros‘. (p. 125).

82Sobre vulnerabilidade escolar de estudantes trans‖. In: Revista Diversidade e Educação, Rio Grande/RS, v.5, n.1, jan./jun. 2017, p. 24-31.

2010; POCAHY; DORNELLES, 2010). Produções destacam que essas experiências passam a ser excludentes da categoria de ―humano‖ sendo confinadas, diagnosticadas aos compêndios médicos como um transtorno e uma patologia social, e, pensadas pedagogicamente a partir de uma abordagem estritamente biológica. (BENTO, 2011; PINHEIRO, 2017; SANTOS, 201583).

Me deparei com os trabalhos de Santana; Polizel; Maio (2016)84 e Silva; Costa (2017)85 que colocavam em discussão a transexualidade e o ensino de Biologia. O primeiro dialogou com as representações de professores/as de Ciências e Biologia sobre a temática transexualidade. Foi evidenciada uma compreensão das pessoas trans como uma negação do processo natural da linearidade entre sexo-gênero-sexualidade, um desvio da conduta biológica. A transexualidade foi amarrada numa essência da Biologia dos corpos, entre morfologias e fisiologias, reduzindo o comportamento aos órgãos genitais. O segundo trabalho, também de dois biólogos, parte das problematizações do deslocamento da sexualidade e do gênero para além dos corpos orgânicos. A partir das produções de professores/as de Ciências Biológicas e umx alunx do ensino médio, os autores destacam que ―[...] os saberes nas Ciências Biológicas foram seguindo um pensamento arborescente através de um eixo central e suas respectivas dicotomias. Uma árvore recheada de frutos chamados classificações e definições‖. (SILVA; COSTA, 2017, p. 46).

No entanto, há trabalhos que apontam que a relação de poder-saber no campo educacional traz no seu próprio âmbito resistências e linhas de fuga como os de César, 2209; Ferrari, 2009; Ribeiro e Silva, 2010; Caetano; Garcia, 2010; Pocahy; Dornelles, 2010; Peres, 2010; Bento, 2011; Borba; Lima, 2014; Pinheiro, 2017; Silva; Maio, 2017; Silva; Costa, 2017. Eles inidicam os vazamentos, as linhas de fuga, outras formas de produção na área de educação ―[...] presentes nos planos de consistência e nos territórios existenciais‖. (BORBA; LIMA, 2014, p. 9). Essas produções realizam uma crítica aos saberes, poderes e verdades que encenam um extremo controle dos corpos, destacando que esses escapam, resistem e transgridem as fronteiras.

83Sexualidade e Transexualidade: desafios na formação em pedagogia‖. In: Revista Retratos da Escola, Brasília, v.9, n.16, jan./jun. 2015, p. 111-121.

84 Ver: SANTANA, Naomi Neri.; POLIZEL, Alexandre Luiz; MAIO, Eliane Rose. Os/as trans são vistos/as na escola? Revista Àrtemis, v. XXII, n.1. jul./dez. 2016, p. 6-16. ISSN: 1807-8214. Esse projeto desdobrou no Trabalho de Conclusão de Curso de Naomi em 2016, intitulado ‗Transexualidades e formação de professoras/es: como são vistas/os as/os trans na escola?‘, sob orientação da professora Eliane Rose Maio. Naomi e Alexandre são biólogxs.

As apostas têm sido nas potências queer (CÉSAR, 2009; POCAHY; DORNELLES, 2010; BORBA; LIMA, 2014) e numa educação rizomática (RIBEIRO; SILVA, 2010; BORBA; LIMA, 2014), em que as articulações entre gênero, sexualidade e educação possam liberar devires cujas linhas, múltiplas e errantes, inventam fugas e escapes, em constante combate com o sistema pontual normativo. A aposta seria:

[...] fazer ver que as estéticas da normalidade são produtos históricos de projetos biopolíticos de regulação do corpo coletivo e individual e, com isso, provocar uma dobra nisso que conhecemos por educação, a enviesando micropoliticamente e rasgando fissuras em suas bem comportadas práticas. O rizoma potencializaria uma abertura do olhar e das sensibilidades a outras estéticas que desafiam e desnaturalizam hierarquias classificatórias e relações de poder, o que permitiria imaginar outras possibilidades de existir. (BORBA; LIMA, 2014, p. 12).

Nesse contexto, encontrei investimentos em encenações de novas educações, sexualidades e des-gêneros (SILVA; SANTOS, 2017) com experiências de pessoas trans a partir de artefatos culturais (FERRARI, 2009), narrativas biográficas de professores/as (CAETANO; GARCIA, 2010), práticas de produção corporal como recurso didático-pedagógico (BORT-JÚNIOR, 201786) e do cinema (SILVA; SANTOS, 2017).

Nesse mergulho87 e atento aos encontros fui sinalizando algumas pistas: a primeira delas foi ao trabalho ‗Os/as trans são vistos/as na escola?‘ (SANTANA; POLIZEL; MAIO, 2016). A primeira autora dele é uma mulher trans que no ano de 2016 estava cursando Ciências Biológicas na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Entrei em contato com Naomi para convidá-la a participar da pesquisa. O convite foi aceito.

Para as outras linhas de força que fui encontrando nessa produção ensaiei movimentos teóricos e metodológicos que foram constituindo relevos e consistências no território da pesquisa que propus, a saber: a) há um arranjo de linguagens dominantes que regula e normatiza as sexualidades, gêneros e corpos no espaço escolar; b) os ‗dados da Biologia‘ perspectivados no fundacionalismo, no reducionismo e determinismo biológico e nas ‗constantes da natureza‘ instalam um a priori para o

86Corpo e agência: temas para experiências didáticas‖. In: Revista Café com Sociologia, v.6, n.1, jan./abr. 2017, p. 188-200.

87 Nesse percurso produzimos um texto. Ver: SANTOS, Sandro Prado.; SILVA, Elenita Pinheiro de Queiroz. O Entrelaçamento entre Educação Escolar e Transexualidade em Dossiês de Periódicos Nacionais Brasileiros (1995-2017). Intermeio – Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação, Campo Grande/MS, v.23, n.46, jul./dez. 2017, p. 39-61.

corpo, o gênero e a sexualidade com existência desapartada da cultura; c) a consolidação dos Estudos de Gênero, dos Estudos Gays e Lésbicos e da Teoria Queer em alianças com o pós-estruturalismo e a teorização foucaultiana no campo acadêmico construiu sinalizações e possiblidades de pensar em (re)arranjos nas linguagens dominantes sobre sexualidades, gêneros e corpos, bem como das possibilidades de produzir conhecimento e formas de estar no mundo, problematizando dicotomias e ensaiando conexões; d) articulações conceituais do pensamento da diferença, às temáticas corpo, gênero e sexualidade, elaborado pelo filósofo Gilles Deleuze e pelo psicanalista Félix Guattari; e) as implicações políticas e religiosas dos campos do gênero, da sexualidade e do corpo.

4.3 Banco CAPES e BDTD88

Na caminhada, de feitura do campo cartográfico, busquei pelas publicações disponibilizadas online no banco de teses e dissertações da CAPES e da biblioteca Digital BDTD89. Nela encontrei 299 trabalhos, entre teses, dissertações e artigos científicos. Após a exclusão dos duplicados, cheguei a 66 trabalhos, que foram analisados de acordo com critérios de inclusão e exclusão, resultando em 32 trabalhos.

Ao acessar os bancos de teses e dissertações da CAPES e da BDTD fiz uso dos mesmos termos de busca que indico a seguir com o número, entre parêntesis, do total de trabalhos encontrados respectivamente em cada banco: ―transexual AND educação‖ (10 e 05); ―transexuais AND educação‖ (38 e 26); ―travesti AND educação‖ (22 e 33); ―travestis AND educação‖ (53 e zero); ―transgênero AND educação‖ (02 e zero); ―transgêneros AND educação‖ (19 e zero); ―transexualidades AND educação‖ (02 e 05); ―transexual AND ensino de Biologia‖ (08 e zero); ―transexuais AND ensino de Biologia‖ (16 e zero); ―travesti AND ensino de Biologia‖ (03 e zero); ―travestis AND ensino de Biologia‖ (16 e zero); ―transgênero AND ensino de Biologia‖ (01 e zero); ―transgêneros AND ensino de Biologia‖ (12 e zero); No total, nos dois bancos foram localizadas 279 dissertações e teses. Considerando o interesse temático da pesquisa – intercessão entre travestilidades, transexualidades e educação nos espaços escolares, do total excluí 29 trabalhos e em duplicatas 223, restando 27 teses e dissertações em que trabalhei no texto.

88 O levantamento foi realizado até fevereiro de 2017.

89 O modo de operar no caminhar nesses bancos de dados foi realizado tal como no estudo feito por Gustavo Antonio Raimondi, Danilo Borges Paulino e Flávia do Bonsucesso Teixeira, retratado no texto ―O que importa? As pesquisas Brasileiras no Campo da Saúde e as (In)visibilidades das Travestis e Transexuais‖. In: Saúde e Transformação Social, Florianópolis, v.7, n.3, 2016, p. 133-146.

No conjunto de 27 trabalhos, 16 se ocuparam com a discussão da transexualidade/travestilidade e educação escolar (APÊNDICE VI), o código dos

trabalhos será apresentado como ‗C‘ e 11 tangenciam tal discussão não a tomando como o foco central da investigação (APÊNDICE VII), apresentados pelo código ‗CT‘.

Nosso segundo movimento com o rico material encontrado nos dois bancos de dados, por sugestão da Profa. Dra. Flávia Teixeira, após o exame de qualificação, foi o de localizar a posição dos/das colaboradores/as indicada pelas investigações. Nelas as pessoas trans foram posicionadas como: estudantes, memórias, professoras, ou a partir da percepção de outros agentes escolares. Contudo, as pesquisas e a nossa experiência mostravam que não era possível indicar um lugar fixo de aprendizagens e conhecimentos, portanto, de constituição das experiências. Esse movimento e diálogos acabaram por nos sinalizar para uma pista/decisão no desenho de constituição de quem seriam os/as colaboradores/as da nossa tese. A pista/decisão consistiu em levarmos em consideração o imbricamento entre as posições ocupadas pelas pessoas trans em seus processos de experimentações. Elas circulam em vários espaços educativos, para além da escola. Essa pista me levou a pesquisas que se debruçam sobre outros espaços que não os escolares, como o espaço da Educação Social90, e, nelas localizo pessoas trans na posição de educadoras sociais.

Outro aspecto que destaco da leitura dos trabalhos são os enfoques por elas trabalhados. Há pesquisas que visibilizam os contornos rígidos/duros dos currículos e das instituições escolares carregado de saberes e poderes, metanarrativas constituídas como discursos únicos e verdadeiros, tal como o essencialismo e a heteronormatividade em torno do gênero e da sexualidade, como as de Bohn, 2009; Santos, 2010; Andrade, 2012; Sales, 2012; Reidel, 2013; Silva, 2014; Santos, 2014; Franco, 2014; Silva, 2015; Morais, 2016; Acosta, 2016, e outras que evidenciam os contornos da operação e funcionamento do dispositivo da sexualidade e o dispositivo da transexualidade, como as de Santos, 2010; Santos, 2014 e Silva, 2015.

Localizei pesquisas que discutem como as experiências de pessoas trans são tomadas como uma questão encerrada e classificada no discurso médico-psico- biológico, bem como uma vivência traumática, articulada com dor, sofrimento e reivindicação do reconhecimento do gênero, constituindo um complicador da permanência na escola, num mapa estático. São investigações que assumem os estudos

queer como potencialidades de rupturas e deslocamentos em relação aos mecanismos de controle e normatizações nos/dos espaços escolares (BOHN, 2009; SANTOS, 2010; SALES, 2012; REIDEL, 2013; SANTOS, 2014; SILVA, 2014; FRANCO, 2014; SILVA, 2015; MORAES, 2016; ACOSTA, 2016), bem como potências de desestabilização da hierarquia dos saberes hegemônicos e abertura de perspectivas que possibilitam outros olhares para as experiências de pessoas trans. (SILVA, 2014). Tais pesquisas vêm se debruçando no mapeamento, algumas assumidamente na perspectiva cartográfica (SANTOS, 2010; SILVA, 2014), das possibilidades, resistências, negociações e linhas de fuga em relação à ordem imposta pelo controle. Elas apostam que nas aproximações entre escola e a multiplicidade das experiências de pessoas trans há uma produção de deslocamentos nas formas de pensar as sexualidades, os corpos e os gêneros.

No contexto de possibilidades, resistências, negociações e linhas de fuga que mobilizem outros modos de uma educação para/com/pelas diferenças, encontrei, pesquisas que: se debruçam sobre as narrativas curriculares escolares de pessoas trans (BOHN, 2009; SANTOS, 2010; MONTREOZOL, 2011; ANDRADE, 2012; SALES, 2012; SILVA, 2014; OLIVEIRA, 2014; ACOSTA, 2016); discutem as fissuras no discurso único de uma escola-excludente de pessoas trans91, furando a lógica que

aponta repetidamente que é a própria escola quem exclui as pessoas trans de seu espaço (BOHN, 2009; SANTOS, 2010; MONTREOZOL, 2011; ANDRADE, 2011; SANTOS, 2014; REIDEL, 2013; FRANCO, 2014; OLIVEIRA, 2014; SILVA, 2015; MORAES, 2016; ACOSTA, 2016); problematizam as (des)organizações das certezas, da fixidez e da estabilidade do corpo construído pelo viés biomédico (SILVA, 2014; FRANCO, 2014); narrativas de outros agentes sobre as experiências de pessoas trans (ANDRADE, 2012; SANTOS, 2014; SILVA, 2015; MORAES, 2016;); a emergência de professoras trans no campo de atuação profissional da educação escolar92 (BOHN, 200993;

91 A pesquisa ‗Educação e travestilidades, no foco: trajetórias escolares das travestis em situação de „pista‟ na cidade de Macapá‘ de Elioneide Cardoso Cruz (2016) apresenta e corrobora a hipótese: ―O cotidiano das escolas é hostil à permanência das travestis, o que vem causando suas expulsões desses ambientes e não são percebidas por elas, ações sistemáticas de combate a todas as expressões de violência‖.

92 Um fenômeno que consolidou sua visibilidade a partir da primeira década do século XXI a partir de 2011, em Belo Horizonte, com a realização do I Encontro Nacional da Rede Trans Educ (rede nacional de professores/as trans do Brasil). (FRANCO, 2014). Marina Reidel (2013), em sua investigação de mestrado, descreveu as suas primeiras ideias, articulações e tessituras dessa rede com apoio da UFMG através do NUH (Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT), organizado pelo professor Marco Aurélio Maximus Prado e da UFRGS/GEERGE (Grupo de Estudos sobre Educação e Relações de Gênero) na pessoa do professor Fernando Seffner em maio de 2012.

SANTOS, 2014; REIDEL, 2013; FRANCO, 2014); a emergência de educadoras sociais trans94 (MARTINS, 2016; BRAVIN, 2016); a trajetória escolar e social de um sujeito

que se instutula travesti-práticas, estratégias e espectativas (OLIVEIRA, 2014); produzidas por pessoas trans (ANDRADE, 201295; SALES, 201296; REIDEL, 201397).

Do ponto de vista da abordagem teórico-epistemológica a grande maioria das pesquisas fez uso da perpesctiva pós-estruturalista, tendo como grandes referentes o filósofo francês Michel Foucault e a filosófa estadunidense, Judith Butler. Contudo, no conjunto do mapeamento, encontrei duas pesquisas que se afastaram dessa abordagem e autor/a: A primeira foi a de Jefferson Renato Montreozol (2011), intitulada: ‗Sobre a educação aquendada: uma análise da relação entre a identidade sexual travesti e o processo de educação formal‟ que faz uso dos pressupostos da Psicologia Sócio- histórica de orientação Materialista histórico-dialética. O entendimento da sexualidade é tomado a partir da base biológica como representante da materialidade com o momento histórico como elemento contingencial. A segunda é a de Carina Dantas de Oliveira (2014) intitulada ‗Travestilidades e Juventudes: conteúdos submersos no contexto escolar‘ que se apropia da Teoria Sociológica do sociólogo francês Pierre Bourdieu, identificando habitus primário, o capital cultural, social e econômico que asseguram a travesti ter longevidade escolar.

93 Nessa investigação (BOHM, 2009) a autora apontou pista para posteriores pesquisas sobre as questões que envolvem a docência travesti e transexual. A partir desse momento encontro o surgimento das pesquisas, sobretudo na área de Educação, que se ocupam com essa temática: FRANCO (2009; 2014); CAETANO (2011); TORRES (2012 – área de Psicologia); REIDEL (2013); TORRES; PRADO (2014); MARTINS (2016); BRAVIN (2016). Além disso, encontramos as pesquisas de Luma Nogueira de Andrade (2012); Adriana Barbosa Sales (2012) e Marina Reidel (2013) que apresentam uma identidade política trans e investigaram articulações das experiências aluna-professora travesti.

94 Essa perspectiva questiona a afirmação de que ―[...] a população trans aceita viver a exclusão passivamente e que somente a escola formal é capaz de produzir educação‖. (BRAVIN, 2016, p. 22). O estudo aposta na visibilidade das ―[...] múltiplas propostas de educação social que são produzidas longe dos espaços formais de educação e que contribuem para mobilização, politização e busca da cidadania de uma população que, em muitas situações, é invisibilizada pelo estado‖. (BRAVIN, 2016, p. 37).

95 Segundo a autora ela vivenciou e vivencia em sua história de vida o estar travesti como aluna e professora da Educação Básica e Ensino Superior. Possui Graduação em Licenciatura em Ciências pela Universidade Estadual do Ceará, uma de suas atuações na Educação Básica foi como professora de Biologia. Desde 2013 é professora Adjunta DE da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB, atuando no Mestrado e na graduação.

96 Militante e professora travesti, licenciada em Letras pela Universidade Federal do Mato Grosso. No sistema de banco de teses e dissertações da CAPES este trabalho encontra-se nominado com o nome civil da autora. No entanto, ao abrirmos o arquivo da dissertação encontramos indicação do nome social seguido do nome civil entre parênteses na capa e contra capa. Na ficha de catalogação do trabalho aparece indicação: ‗Sales, Adriana (Nome social)‘.

97 Militante e professora transexual do estado do Rio Grande do Sul, licenciada em Educação Artística- Artes Visuais. Destaco que durante a busca no Banco de Teses e Dissertações da Capes, essa dissertação foi encontrada com o registro do nome civil da pesquisadora. Ao abrir a dissertação, o nome que consta nas capas é o nome social – Marina Reidel.

As dissertações e teses que tangenciam a discussão das experiências trans nas

escolas brasileiras, não a tomando como o foco central da investigação (APÊNDICE VII) também se ocuparam com as formulações foucaultianas (TORRES, 2009;

PAMPLONA, 2012; COELHO, 2014) e elaborações dos estudos Queer (JOCA, 2008;

ALMEIDA, 2009; BRAGA, 2012; LONGARAY, 2014; ELIAN, 2014; DUARTE, 2015; SILVA, 2015). Esse conjunto de pesquisas tece considerações de que nas práticas e nas produções culturais há negociações e disputas de controle e de resistências com as pessoas LGBT‘s, ou seja, ―[...] implantar normas não impede a produção do novo, de algo que escapa aos ordenamentos, que modifica os cenários inserindo neles elementos desestabilizadores e produzindo diferença [...]‖. (BRAGA, 2012, p. 88).

Essas pesquisas assinalam para elementos heterogêneos presentes em movimentos que ora fabricam corpos docilizados e assujeitados e ora fazem funcionar uma espécie de fuga ao suposto aprisionamento ou assujeitamento das diferenças das pessoas LGBT‘s. Esses movimentos descritos nas trajetórias escolares das pessoas trans (BRAGA, 2012; LONGARAY, 2014; ELIAN, 2014; DUARTE, 2015; SILVA, 2016); na emergência de professoras trans (ALMEIDA, 2009); na produção científica de pessoas trans (SILVA, 201598); em materiais educacionais audiovisuais (PAMPLONA, 2012) e nas narrativas de outros agentes sobre as experiências de pessoas trans (JOCA, 2008; TORRES, 2009; PAMPLONA, 2012; COELHO, 2014; SILVA, 2015; SILVA, 2016).

O que foi possível enunciar e dizer a partir do encontro com as pesquisas? Quais pistas foram sendo sinalizadas para pensar o movimento da tese? Quais pistas teóricas, perspectivas metodológicas e de análises foram possíveis delinaear? As pesquisas apontam que o espaço escolar é atravessado e constituído por normas e regulações das práticas sexuais e de gênero. O enredamento incessante de elementos heterogêneos (tecnologias de controle e disciplinamento dos corpos) constitui uma rede de poder- saber que é acionado na construção desse plano que inventa e captura as experiências. Em meio aos processos de enredamento e de disputas, de elementos heterogêneos, encontrei a produção discursiva biológica que prolifera na tentativa de capturar e