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Acontecendo de forma muito particular na Alemanha, hoje, sabemos que as primeiras concepções românticas difundiram-se primeiramente nesse país e na Inglaterra, sendo criado em território alemão sua primeira acepção artística. Segundo Wolf (1999) e Dettelbach (1999)72, as primeiras teorias sobre a arte romântica foram desenvolvidas nos países de língua alemã por volta de 1800, o que possivelmente levou muitos historiadores a suporem que os alemães inventaram o estilo, estando o movimento vinculado às atitudes intelectuais e estéticas particulares ao “caráter germânico”.

Esse fato pode estar relacionado à compreensão que Octavio Paz (1984, p. 107) faz do movimento romântico alemão como um “espírito romântico”, resultado da redescoberta das tradições poéticas nacionais, não encontrado nos demais países; na França, a Literatura romântica não possuía um “espírito romântico”, e, na Espanha, o Romantismo teria sido “epidérmico e declamatório, patriótico e sentimental, uma imitação dos modelos franceses”. Já Carpeaux (1994,

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‘Confused and incomplete’, narrow and restrictive such definitions may well be, but to brand them ipso facto as ‘false’ is unwarranted. (FURST, 1971, p. 5) [Tradução nossa]

p. 106) escreve “[...] Romantismo alemão como verdadeiro e os Romantismo s de outras nações como derivados mais ou menos desfigurados”.

Definir e delimitar o movimento romântico alemão de modo preciso e único não é uma tarefa fácil nem é o propósito deste estudo. Sabemos que a própria demarcação da diversidade de produções e autores dentro de um movimento único denominado “Romantismo” já é, por si só, simplificador, uma vez que o próprio movimento, na Alemanha, apresentou três fases distintas: Frühromantik (1795-1802), Hochromantik (a partir de 1805) e Spätromantik (a partir de 1810).

De acordo com Rötzer (2006), é problemático falar em um Romantismo alemão, um movimento de características diversificadas e até contraditórias, que reuniu tendências das mais revolucionarias até as mais conservadoras e englobou posturas que vão desde a pungente ingenuidade até o forte espírito crítico.

Consequentemente, precisar o início do Romantismo alemão, estabelecendo uma separação precisa entre os Stürmer e os românticos não é uma questão de solução fácil e inequívoca, visto que não se trata de um fenômeno abrupto e que suas características se confundem, como veremos a seguir. Contudo, a referência cronológica faz-se necessária para indicar o momento histórico do qual este estudo irá tratar: o período entre 1795 e 1805.

Segundo Zmegac et al. (1981), Walzel (1968) e Rötzer (2006), o Romantismo alemão foi resultado direto do Sturm und Drang, considerado como um dos fermentos da revolução romântica. Na Alemanha, o Sturm und Drang proporcionaria aos românticos uma visão de mundo essencialmente fundada em instâncias subjetivas e uma concepção estética que não reconhece normas universais, pois submete o Belo à criatividade e à originalidade do indivíduo, cujo inspirador maior foi Shakespeare. Para Furst (1971, p. 36), na Alemanha, “O movimento romântico é uma continuação do pré-romantismo, mas com uma diferencia crucial: evolução do subjetivismo73”.

Em outra análise, a rebeldia social característica do Sturm und Drang contribuiu significativamente para a valorização dos laços pessoais (de amizade e de amor) entre os românticos. Esse alto peso conferido à amizade pessoal influenciaria decisivamente na formação das associações românticas e, por extensão, no desenvolvimento de suas atuações criativas: tanto teóricas quanto ficcionais.

De acordo com Schuster (1992, p. 21), em vez das relações com base em interesses econômicos ou de classe, típicos da burguesia e nobreza, os laços de amizade marcariam a esfera biográfica desses pensadores. Exemplo foram as reuniões dos amigos Novalis, August Schlegel, Friedrich Schlegal, Schelling e Fichte para discutirem temas de interesse, que, de acordo com Hein (1991, p. 63), teriam sido fornecidos pelo Sturm und Drang.

Nesse contexto, podemos incluir Alexander von Humboldt, que era amigo de Novalis, Goethe, e Schiller, e, por vezes, acompanhou o irmão Wilhelm von Humboldt nessas reuniões. Vivenciando essa efervência cultural, teve seus ideais de vida e ciência influenciados por tais reuniões, que eram típicas do Romantismo alemão.

Além dos laços pessoais, o esquema formulado por Bickenbach (2011) retrata outros elementos que deram autenticidade ao surgimento e desenvolvimento do movimento na Alemanha. Concepções advindas do primeiro Romantismo inglês, dos poemas Ossian, de Rousseau, do Sturm und Drang, da Filosofia Idealista e do pensamento pietista, que, convergindo, deram identidade ao Frühromantik alemão e às gerações subsequentes.

Figura 1 – Unterepochen der Romantik nach dtv-Atlas Deutsche Literaturgeschichte Fonte: Bickenbach (2011).

Essas gerações ou fases foram denominadas pela Historiografia Literária de círculos74, que se criavam à medida que certo grupo de pensadores e/ou poetas se estabelecia em determinada cidade e dissolviam-se quando da partida deles. Além de considerar fatores cronológicos75, esses círculos, essencialmente germânicos, possuíam especificidades próprias, caracterizando-se pela partilha de certos ideais e interesses, na mútua leitura e comentário de seus escritos e nos laços de amizade, o que identificava tais círculos como projetos grupais; embora suas criações fossem, em si, um produto individual, seu surgimento se deu em um contexto de esforço conjunto.

Essas cidades, especialmente Jena, Heidelberg e Berlin consolidaram-se como polos atrativos para jovens talentos, uma vez que suas universidades, além de instituições de ensino, tornaram-se efetivos centros culturais. A esse respeito, Carpeaux (1994) escreve que em Weimar e Jena se criaram obras de valor permanente que constituem até hoje a maior glória da Literatura alemã.

Conhecido como Frühromantik (primeiro Romantismo) ou Jenaromantik em alusão a cidade onde se desenvolveu, perdurou entre 1795 e 1802, sendo objeto de estudo desta pesquisa76. Dentre os representantes77 desse círculo, neste trabalho, selecionamos alguns textos de Novalis, e dos irmãos August e Friedrich Schlegel, além de, é claro, compreender o viés da Filosofia de Fichte e Schelling que inspiravam esses românticos.

Apesar de algumas variações, é consenso, na historiografia literária alemã, estabelecer alguns marcos significativos para o início da primeira fase do movimento entre os anos de 1796 e 1797: mudança no pensamento de Friedrich Schlegel, que abandonou o ideal grego e passou a defender o que chamou de poesia moderna, desvinculado de preceitos da antiguidade; reuniões, em Jena, de jovens interessados em discutir a Doutrina da Ciência (Wissenschaftslehre), de Fichte e a publicação dos Contos de Fadas Populares (Volksmärchen), de Ludwig Tieck.

74 Nesta pesquisa, nosso objetivo é compreender alguns pensadores do Frühromantik. Assim, os demais círculos

serão citados e caracterizados de forma sucinta.

75 O grupo de Jena era constituído por poetas nascidos em geral nas décadas de 1760 e 1770, enquanto nos outros

agrupamentos, o nascimento ocorreu entre 1770 e 1790.

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As demais gerações serão mencionadas, mas não detalhadas.

77 Segundo Wolf (1999), são representantes do Círculo de Jena: August Wilhelm Schlegel (1767-1845) e Friedich

Além da Doutrina da Ciência, discutiam também outros temas que lhes pareciam pertinentes: a Revolução Francesa, especialmente, questões sobre Literatura e Estética; a Filosofia Idealista, de Fichte; e o movimento Sturm und Drang. Além disso, Walzel (1968) pondera sobre o que considera como fermentos da revolução romântica: a reforma de Lutero78, que, segundo ele, “[...] arou a terra para o pietismo, corrente religiosa que advoga uma postura intimista e a intensificação da fé”.

Embora assimilando algumas características do movimento anterior, entre elas, a valorização da subjetividade, rejeitavam ostensivamente o tumulto de emoções, a liberação irrestrita dos impulsos e os irracionalismos característicos do Surm und Drang. Seu sentimentalismo, segundo Ribbat (1979), não era descomedido (diferentemente da Literatura de Entretenimento); era, de certa forma, racionalizado, cuja presença de aspectos subjetivos não implicava excesso sentimental. Não eram exclusivamente subjetivos nem sentimentalistas, sendo a subjetividade compreendida como parte integrante do intelecto, da razão.

Assim, o sentimentalismo exacerbado e pessimismo melancólico (nos moldes do mal do século ou Weltschmerz) não eram marcas do Romantismo alemão, mas, sim, de figuras anteriores e ou posteriores. Huch (1951)79 escreve que, ao contrário dos indivíduos do Sturm und Drang, que respiravam com predileção o ar abafado das tempestades da paixão e somente reconheciam vigor em suas próprias manifestações convulsivas, os românticos celebraram o espírito flexível que subjugou e passou a governar a brutalidade dos instintos.

Desenvolveram uma postura mais consciente e ponderada, que destoava da impulsividade passional dos Stürmer. Representando um momento mais amadurecido, em que o ímpeto desenfreado alcançaria o equilíbrio entre paixão e reflexão, eles combinavam razão e emoção, objetividade e subjetividade. Essa premissa fundamentava-se na Filosofia Idealista alemã, que, segundo Safranski (2007), foi também uma tentativa de superar o dualismo entre o espírito apenas subjetivo e o materialismo objetivo. Schlegel (1997, p. 119) escreve que: “A matemática é por assim dizer, uma lógica sensível, está para a filosofia, assim como as artes materiais, música e artes plásticas estão para a poesia”.

78 Sua doutrina, além de questionar as verdades iluministas, postulando a crença na Bíblia, ajudou os alemães na

criação de uma cultura nacional ao traduzir as escrituras sagradas para a língua alemã. Segundo Borheim (1990), a Alemanha pode ser divida em antes e depois de Lutero.

Explicando essa concepção romântica, Torres Filho (1975, p. 66)80 cita August Schlegel: “ambos são um: a mente considerada objetiva e sensitivamente, não é nada mais que o próprio mundo e o mundo [...] nada mais do que a própria mente”. Benjamin (1999) escreve que, para Schlegel, “Um verdadeiro sistema de fragmentos deveria ser ao mesmo tempo subjetivo e objetivo”.

Nesse contexto, Nivelle (1970) infere que, para os primeiros românticos, a subjetividade do artista correspondia à objetividade do universo, sendo o espírito formado pelos mesmos princípios do universo. Sob nossa análise, a percepção dessa relação entre objetividade e subjetividade é basilar para o entendimento da obra de Humboldt:

Consiste em ousada empresa submeter a magia do mundo dos sentidos à uma segmentação de seus elementos. Pois o caráter magnífico de uma região é definido principalmente pelo fato de os fenômenos naturais mais impressionantes se disporem diante da alma ao mesmo tempo em que a abundância de ideias e sentimentos é estimulada. Esse domínio conquistado sobre a mente tem a sua força associada rigorosamente à unidade do que é sentido, do não explicado. Quer-se, porém, entender a intensidade do sentimento completo a partir da diversidade objetiva dos fenômenos, então, se deve descer pela análise ao reino de determinadas formas naturais e de forças atuantes (HUMBOLDT, 2008, p. 17)81.

Criadores da Zeitschrift Athenäum, apesar da publicação de somente três edições, a revista é ainda hoje de fundamental importância para compreendermos o pensamento daquela época, sendo reconhecida como um dos principais veículos de divulgação dos ideais românticos. Segundo Fadel (2009):

Na Alemanha, o primeiro círculo de poetas românticos reuniu-se na cidade de Jena em fins do século XVIII. Desse círculo, participaram grandes nomes da Literatura alemã, entre eles os irmãos Wilhelm e Friedrich Schlegel, e mais tarde, com a fundação da revista Athenäum, o poeta Novalis. Em Athenäum não constavam apenas artigos de crítica literária. Os artigos deveriam ser dos assuntos mais variados, de maneira a formar um todo, no qual cada parte teria sua importância devida. De forma alguma deveriam restringir-se à apenas um direcionamento político na revista. Ao contrário, ela deveria ser o espaço do debate, da troca de idéias entre ideologias. O nome da revista foi

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Citado originalmente em WL 1801; SW, II 125.

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Es ist ein gewagtes Unternehmen, den Zauber der Sinnenwelt einer Zergliederung seiner Elemente zu unterwerfen. Denn der großartige Charakter einer Gegend ist vorzüglich dadurch bestimmt, daß die eindrucksreichsten Naturerscheinungen gleichzeitig vor die Seele treten, daß eine Fülle von Ideen und Gefühlen gleichzeitig erregt werde. Die Kraft einer solchen über das Gemüth errungenen Herrschaft ist recht eigentlich an die Einheit des Empfundenen, des Nicht-Entfalteten geknüpft. Will man aber aus der objektiven Verschiedenheit der Erscheinungen die Stärke des Totalgefühls erklären, so muß man sondernd in das Reich bestimmter Naturgestalten und wirkender

escolhido pelos irmãos Schlegel porque Atenas significava para Friedrich símbolo de democracia e liberdade política, de modo que tais ideais permearam a revista como um todo (FADEL, 2009, p. 31).

Além disso, sua publicação representou uma reação à obra Teutscher Merkeur, de Wieland, e à revista Hören, editada por Schiller. Segundo Wolf (1999), a revista Athenäum (1798-1800) foi considerada o primeiro e mais claro manifesto do Romantismo. Segundo Wolf:

[...] o objetivo da Zeitschrift Athenäum era suplantar a visão científica de mundo por uma outra ‘poética’. Estes autores acreditavam que a sociedade contemporânea carecia de uma mitologia compulsiva cujo conteúdo e símbolos seriam capazes de expressar aquilo que iludia o pensamento racional e que apenas poderia existir através do idealismo. Se isso fosse alcançado, a História moderna conduziria a um reino verdadeiramente divino sobre a Terra. Isto acarretaria uma deslocação das formas confessionais e externas de Religião para a consciência do indivíduo (WOLF, 1999, p. 17).

Com caráter ensaístico, o objetivo principal era expor e defender as novas ideias do grupo, como escreve Martini (1991), ao reafirmar a importância da revista, principalmente, na propagação da ideia romântica de infinito, concepção também presente nos trabalhos de Humboldt, que escreve:

O sentimento do sublime, à medida que parece surgir da simples intuição natural da expansão, tem afinidade com a solene disposição da alma, que pertence à expressão do que é infinito e aberto, na esfera da subjetividade ideal, no campo do espírito (HUMBOLDT, 2008, p. 29)82.

Segundo Nivelle (1970), na primeira geração romântica, dispensavam-se os enredos fictícios e as histórias de amor, sendo estas, muitas vezes, somente pano de fundo para exposição e debate de outras questões. Para Barrento (1989), alguns jovens alemães, como Schegel e Novalis, com novos ideais artísticos, afirmavam que a Literatura, enquanto Arte literária, precisava expressar não só o sentimento como também o pensamento, fundidos na ironia e na autorreflexão: era o Romantismo de Jena, autêntico em nível internacional.

Acreditando ser essa autorreflexão imprescindível ao artista, o distanciamento de si mesmo e de sua obra era requisito indispensável para a verdadeira liberdade criativa, somente

possível quando o poeta exercia a avaliação crítica de si mesmo e do texto que criou (dando origem à ironia romântica). Essa característica é percebida nas obras de Humboldt, que, estabelecendo certo distanciamento de sua obra, reflete sobre ela, o que resultaria, no final de sua vida, a criação de Kosmos, considerada por ele, a grande obra de sua vida.

Essa reflexão e avaliação crítica advinham da liberdade criativa e individual: da libertação dos sentimentos, das aspirações pessoais, das tendências específicas de cada subjetividade contra a imposição de desígnios supraindividuais, que, olhando o passado, buscavam repostas para o futuro. Segundo Nunes (1985), sua contribuição alcançou todo o pensamento humano, pois significou a rebeldia contra o passado, o convencionalismo fossilizado contra a manutenção incontestada das tradições. Assim, seu modelo era um modelo de irregularidade, de desobediência e de libertação, em face do que vinha sendo preceituado e valorizado até então. Noack (1859) escreve:

Todo aquele que se esforce por reanimar, com recursos da cultura moderna, formas gastas e mortas, na literatura, na arte, na Religião ou na ciência, todo aquele que procura restaurar o passado no seio duma época nova e em condições de vida inteiramente diferentes, será por nós designado ‘romântico’ (NOACK, 1859, p. 501).

Segundo Hein (1991), altamente intelectualizado, o movimento englobaria investigações filológicas (Linguística, Antropologia Cultural e Literatura), científicas e o pensamento filosófico. Assim, de acordo com Pikulik (2000), a reflexão era o tema central do Frühromantik, concepção compartilhada por Valverde e Riquer (1957) ao escrever que o Romantismo alemão se distinguia dos demais por sua profundidade filosófica.

Essa reflexão era fruto dos estudos sobre a Doutrina da Ciência, de Fichte. Para Reale e Antiseri (1991), a grande novidade de Fichte, que o levou à criação da nova Filosofia, consistiu na transformação do “Eu penso” kantiano em “Eu puro” – entendido como intuição pura, que se autopõe (se autocria), e, autopondo-se, cria toda a realidade –, e na relativa identificação da essência desse Eu com a liberdade. Assim:

[...] o impulso que suscitaria e alimentaria o Romantismo, é a afirmação do eu: não mais o eu teórico ou o princípio da consciência (em sentido criticista-kantiano), mas sim o eu puro, a intuição intelectual, o Eu que se capta por si mesmo e que se afirma a si próprio: o Eu que, fornecendo o substrato numênico para o mundo fenomênico, garante a unidade do sensível e o inteligível (do modo como veremos adiante), apresentando-se assim como princípio único e supremo, capaz de resistir a qualquer ceticismo e de fundar a

teórico [...]; o Eu que, na infinidade do seu tender, representa [...] o ardente anseio de liberdade e que, na atividade do homem, une as características opostas da infinidade e da limitação, preparando assim a concepção romântica do espírito como aspiração infinita ao infinito (REALE; ANTISERI, 1991, p. 59).

Segundo Suzuki (1998), a Doutrina da Ciência foi a primeira Filosofia inteiramente fundada na liberdade da reflexão e, para Safranski (2007), o mundo do Não Eu pode ser tudo que desmente a liberdade individual. Para Abbagnano (1994), Fichte:

[...] identificou a razão com o Eu infinito ou autoconsciência absoluta e que constitui a força que deu origem ao mundo. A infinitude neste sentido é uma infinitude de consciência e de potência, mais que de extensão e de educação (ABBAGNANO, 1994, p. 162).

Assim, o idealismo romântico entendia o mundo concreto como uma parte do Eu, cuja existência não era autônoma ao sujeito, ele somente existia na relação com o Eu. Stolzenberg (2007, p. 60) explica que: “Para o sujeito Ficheteano a consciência de sua individualidade surge precisamente porque ele assume a perspectiva do outro”. Essa forma de conceber a relação entre indivíduo e mundo traduzia-se pela forma com a qual esses românticos observam o Eu: sujeito e mundo exterior, como um amálgama único e inseparável. Isso não significa que o movimento defenda a subtração do mundo físico ou a perda de contato com ele.

Segundo Nivelle (1970), é incorreto afirmar que o intuito artístico dos românticos se baseava na transferência do objetivo para o subjetivo e que a arte romântica era a expressão do Eu subjetivo e não a reprodução daquilo que é externo. Novalis (1988, p. 49) explica que: “Quando falamos do mundo exterior, quando descrevemos objetos efetivos, então procedemos como gênio”.

Para Abbagnano (1984), o pensamento de ordem no Romantismo era a identidade entre finito e infinito. Em virtude dessa identidade, o finito compreendido como o Não Eu, a natureza, o mundo surge como realidade ou existência do infinito: do Eu, do Espírito, do Ideal, de Deus.

Extremamente valorizada pelos primeiros românticos e de influência fichteana, a atitude reflexiva, segundo Huch (1951) e Bormann (1980), concentrava-se na esfera do abstrato, o que corroborava para mostrar o alto grau intelectual do movimento. Ainda, segundo Bormann (1980), essas características de “elevação do pensamento acima da vida cotidiana” e das coisas visíveis fez com que os primeiros românticos se tornassem incompreendidos na época, acessíveis a

poucos e inatingíveis aos demais. Talvez provenha daí a dificuldade de compreendê-los, e consequentemente, considerá-los como pensadores inteligíveis.

Pikulik (1979) escreve que provém dos burgueses a concepção de que os românticos eram irracionais, loucos, de mente insensata ou insana, denominações provenientes da incompreensão burguesa para com a ânsia libertária e a forma de pensar e de se comportar dos românticos. Por outro lado, os próprios românticos identificavam e retratavam sua loucura, redundada frequentemente pela percepção do mundo, como uma imensa máquina na qual não há espaço para a sensibilidade do artista.

Alheio à grande parte da população e diferentemente dos círculos posteriores, o Jenaromantik não tinha nenhuma preocupação em escrever textos leves, engraçados e atraentes ao público. Enquanto se dedicavam a uma Literatura rebuscada, rica em elocubrações teóricas, o público, muitas vezes, satisfazia-se com a Literatura trivial, repleta de elementos lúdicos, enredos comoventes e tramas recheadas de aventuras.

Possivelmente devido a esses aspectos, o sonho dos jovens literatos românticos de viver de sua Arte não aconteceu. De acordo com Ribbat (1979), sua produção literária não era intensa o suficiente a ponto de garantir uma boa renda, pois o número de assinantes das revistas por eles publicadas era pequeno, e o teatro, com algumas excessões, não teve receptividade do público (talvez pelo não entendimento). Além disso, segundo Ribbat (1979), a Literatura de massas, simplista e acrítica, apresentava-se como grande “concorrente”, com grande penetração no público.

Como consequência dessa intelectualidade incompreensível, Huch (1951) infere sobre a concepção generalizada de um movimento aristocrático, apesar de os autores do Frühromantik considerá-lo um movimento democrático. Pressupondo a democraticidade do pensamento e da reflexão, segundo Bankenagel (1968), para eles, qualquer artista que aspire ao absoluto e deseje tornar-se completo, pode fazê-lo (democrático), uma vez que poderia se elevar a uma camada