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Embora frequentemente associado a formas pré-românticas características da Inglaterra e Alemanha, o Romantismo compreendeu estilos, temas, gêneros dos mais numerosos e variados. No que se refere ao pré-romantismo inglês, há de se considerar que Lord Byron (1788-1824) lançou suas principais obras numa época em que o Romantismo alemão já vira extinguir-se o grupo de Jena. Já o Sturm und Drang, embora tenha influenciado os românticos, criou obras que, em razão de seu caráter pré-romântico, não coincidiam com a produção dos românticos propriamente ditos.

Segundo Tostes (2010), a estética romântica se configurava por meio de temas que abordavam o amor, a natureza, a pátria, a Religião, o povo, o passado, que, embora também retratados por outras estéticas, ganharam com os românticos um novo olhar. Furst (1971, p. 12)62 considera que “Romântico não é, e não vêm de um conceito da crítica artística, ele significa fundamentalmente uma mudança no modo de perceber as coisas, com características subjetivas e emocionais”.

Octavio Paz (1984) escreve que os românticos buscaram vincular vida e Literatura mediante a socialização da poesia, acreditando que a poesia teria o papel de reorganizar a sociedade, dando um novo sentido à existência, possibilitando a constante formação individual. Partindo desse entendimento, Furst (1971, p. 40)63 considera “[...] a visão romântica como uma revolução total na existência humana, que se irradia dos poetas para a transformação do mundo”.

Para Paz (1984), mais que um movimento literário, o Romantismo foi também uma “moral”, uma “erótica” e uma “política”. Se não foi uma Religião, foi algo mais que uma Estética

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‘Romantic’ was not, therefore, from is inception a term of artistic criticism; it denoted fundamentally a turn of mind that looked favorably on things of an imaginative and emotional kind. (FURST, 1971, p. 12) [Tradução nossa]

e uma Filosofia: um modo de pensar, sentir, enamorar-se, combater, viajar; um modo de viver e um modo de morrer, um comportamento psicológico.

Marca espiritual do homem romântico, esse estado comportamental se caracterizava pela condição de conflito interior, dilaceração do sentimento que nunca se sente satisfeito, que se opõe à realidade e aspira a algo mais, que, no entanto, escapa-lhe continuamente. Entendido como fato psicológico, o sentimento romântico não era melancólico-contemplativo: era dado da sensibilidade, um fato puro e simples da sensibilidade, que se traduzia pela angústia na busca de algo inatingível:

Mal tento pensar nos tempos antigos, fortes pensamentos se interpõem; a paz fugiu de mim, e com ela se foram o coração e o amor. Tenho de ir procurá-los. Gostaria de dizer- vos aonde vou, mas eu próprio o ignoro. Dirijo-me ao lugar da Mãe das Coisas, a virgem velada; por ela se inflama e consome a minha alma. ‘Adeus'. Libertou-se, com violência, do abraço dos pais e partiu (NOVALIS, 1989, p. 57).

Nesse mesmo sentido, Mucci (1999, p. 120) escreve que o Romantismo foi visto como manière de sentir (Baudelaire), “o perpétuo esforço para apreender aquilo que se esvanece” e, citando Kierkegaard (1813-1855), definiu o romântico como “o homem do desejo”. Para Martine (1991), o movimento descobriu a noite, o sonho, a intuição, a saudade, o desejo, a magia, o encantamento, o fantástico, o magnetismo da alma e os segredos dos mitos:

Das configurações da região celeste dos filhos de Urano, agora estamos chegando mais perto da sede das forças terrestres, para os filhos de Gaia. Um volume misterioso envolve ambas as classes de fenômenos. Sob a antiga interpretação dos Titãs são os poderes do mundo vivo, é a grande ordem da natureza depende da interação entre céu e da terra. (HUMBOLDT, 2008, p. 133)64

Esse novo olhar para o universo apontava para uma interpretação diferenciada do mundo: Spenlé (1942, p. 68) explica que, na estética romântica, “O universo apresentar-se-ia como uma plenitude inesgotável de formas individuais, tão diferentes e originais quanto possível e procurará precisamente nesta diversidade caótica, onde se exprime um infinito dinâmico, a sua mais intensa afirmação”. Esse mundo múltiplo de Novalis sintetiza essas formas individuais:

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Aus der Region der himmlischen Gestaltungen, von den Kindern des Uranos, steigen wir nun zu dem engeren Sitz der irdischen Kräfte, zu den Kindern der Gäa, herab. Ein geheimnisvolles Band umschlingt beide Klassen der

Antes da abstração tudo é uno, mas uno como o caos, após a abstração está novamente tudo unificado, mas essa unificação é, uma livre federação de seres autônomos, autodeterminados. De uma multidão se fez uma sociedade, o caos esta metamorfoseado em um mundo múltiplo (NOVALIS, 1988, p. 88-90).

Do ponto de vista moral e político, buscavam uma sociedade mais democrática e igualitária. Contra o poder político dos reis e o poder econômico da burguesia, criticavam a manipulação do povo, o casamento sem amor, a ignorância cultural e intelectual:

[...] o Romantismo expressa os sentimentos dos descontentes com as novas estruturas: a nobreza, que já caiu, e a pequena burguesia que ainda não subiu: de onde, as atitudes saudosistas ou reivindicatórias que pontuam todo o movimento (BOSI, 1985, p. 100).

Debatiam, também, questões cotidianas vinculadas à vida em sociedade; seu pensamento e sua aversão à banalidade do cotidiano entravam em permanente confronto com o comodismo generalizado, o convencionalismo moral e social65. Criticavam a intolerância da sociedade para com aquilo que era diferente e/ou desconhecido de seu modo de pensar ou agir, considerando seu espírito limitado. Compreendendo o mundo e a vida como conflituosa, diversa e incompleta, os românticos rebelavam-se contra o que era estático, fechado, concluído e homogêneo.

O espírito romântico, de acordo Pikulik (2000), era formado pelo movimento, pela transformação e não pelo repouso e permanência daquilo que já estava pronto. Negando paz ou sossego, a permanente inquietude era impulsionada por diversos fatores, como a incompletude romântica, o retorno ao passado e a postura crítica (social, moral, artística, política).

Na criação estética, discutiam e transformavam conceitos estéticos (como a ironia romântica) e filosóficos e realizavam pesquisas (a exemplo da coleta de canções e contos de fadas populares) que expressavam o gosto pelo original, incomum, pela noite e pelo popular.

Delineavam claramente a cisão entre o burguês e o poeta, entre a vida prática, regrada e “útil”, de um lado, e a arte, de outro. Enquanto o burguês só reconhecia os aspectos concretos e palpáveis, o artista era sensível às esferas do espírito humano, consideradas como superiores. Desenvolveram extrema sensibilidade para a oposição entre atividade intelectual pura, que visava

65 Como exemplo, citamos a projeção feita por eles de uma sociedade em que a mulher tinha um papel ativo e

a realização plena do indivíduo e a atividade prática que visava os afazeres do cotidiano no mundo concreto.

Do ponto de vista científico, criticou a compreensão fragmentada da realidade e postulou questões relacionadas à percepção e inconsciente humano66. Benjamin (1999, p. 44) escreve que Schlegel “[...] critica os intelectuais que não conseguiam unir o trabalho cerebral ao do coração”. Já para Veríssimo (1954, p. 140), “[...] nas ciências, foi uma reação contra o espírito clássico, que, embora desnaturado ainda dominava a todos”.

Segundo Martine (1991), os românticos se abriam para escutar as vozes (sons) da natureza, possuindo um novo entendimento sobre a história da vida humana. Tratava-se de um movimento de construção de um novo olhar, uma nova ciência não tão abstrata e mecânica, de um novo homem, mais sensível aos acontecimentos do mundo e às sensações provocadas pela natureza, recebendo o auxílio da razão:

O modo adequado de considerar as coisas é apenas o seguinte: contemplar cada essencialidade das coisas em sua absolutez, como centro para si, e, consequentemente, a unidade como subsistente na infinidade, ou contemplar a identidade prototípica, a infinidade na unidade. A visão confusa e inadequada consiste, porém, em considerar a essencialidade na relação recíproca, ou seja, na mistura ou na confluência (SCHELLING, 2010, p. 68).

Segundo Pikulik (1992)67, os românticos representam o pensamento e o sentimento da modernidade nascente e, ao mesmo tempo, uma tendência de expansão, ampliação e também de autorrelativização presente na modernidade. Eles eram intelectuais tanto esclarecidos quanto sensitivos; seria um equívoco dizer que eram avessos à razão. Assim, segundo Menhennet (1981):

A primeira impressão que se tem diante da Literatura romântica alemã, é de confusão. A mentalidade logicamente racionalista percebe categorias e distinções, e alcança a regularidade; a romântica, na qual predominam as faculdades espirituais 'interiores' liberadas, reconhece uma unidade universal e encontra, portanto, maior veracidade no caos do que em um 'sistema' que introduz divisões (MENHENNET, 1981, p. 17)68.

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Mais aspectos serão tratados em capítulo que retrata as características do Romantismo.

67 Die Romantiker repräsentieren das Denken und Fühlen der anbrechenden Moderne und gleichzeitig eine in der Moderne liegende Tendenz zur Erweiterung, Ergänzung und auch Selbstrelativierung. Sie sind ebenso aufgeklärte wie empfindsame Intellektuelle [...] Ein groβes Mißverständnis wäre es, sie vernunftfeindlich zu nennen. (PIKULIK, 1992, p. 10) [Tradução nossa]

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Partindo desses pressupostos, Alexander von Humboldt escreve:

Os sentimentos indefinidos e a cadeia de percepções sensoriais, e posteriormente a atividade da razão associativa, levam-nos ao conhecimento, o qual perpassa todos os níveis de formação da humanidade, de forma que um vínculo comum, como caráter de lei e por isso eterno, abarca toda a natureza viva (HUMBOLDT, 2008, p. 17)69.

Seguindo essa mesma postura filosófica, do ponto de vista científico, Humboldt buscou estabelecer ligações no intuito de dissolver a separação entre os diversos ramos científicos abordados por ele, além de propor que o universo seria regido por um sistema caótico, bem diferente daquele regular descrito por Newton:

O único e verdadeiro sistema de Religião e de ciência, se estivesse aberto à compreensão daquela revelação não escrita, apareceria não no estado indiferente de reunião de alguns conceitos filosóficos e críticos, mas, ao mesmo tempo, no pleno esplendor da verdade e da natureza (SCHELLING, 1993, p. 132).

Esse sistema caótico dispersivo e assimétrico fora proposto por Schlegel, e sua concretização do ponto de vista literário resultaria em uma produção literária que, a cada novo texto, acrescentava ao movimento uma nova face, um novo estilo.

Assim, foi um movimento crítico, cuja maleabilidade associada ao caráter não dogmático possibilitou a germinação e o desenvolvimento de variadas ramificações ou ainda vários “romantismos”. Isso não se refere apenas às nações em que cada uma desenvolveu o movimento com particularidades específicas, mas também aos próprios autores, cujo espírito romântico fez expandir características individuais específicas e variadas ao longo de sua vida.

De certa forma, essa multifacietaridade das produções foi fonte constante e inesgotável de riqueza, contudo, foi também caminho infinito onde se perdem os esforços dos estudiosos em demarcar suas fronteiras e realizar delimitações precisas. Segundo Furst (1971, p. 3)70, “A

romantic, in with the liberated ‘inner’ spiritual faculties dominate, sees universal unity and therefore finds more truth in chaos than in divisive ‘system’. (MENHENNET, 1981, p. 17) [Tradução nossa]

69 So leiten dunkle Gefühle und die Verkettung sinnlicher Anschauungen, wie später die Thätigkeit der

combinierenden Vernunft, zu der Erkenntniß, welche alle Bildungsstufen der Menschheit durchdringt, daß ein gemeinsames, gesetzliches und darum ewiges Band die ganze lebendige Natur umschlinge. (HUMBOLDT, 2008, p.17) [Tradução nossa]

dificuldade em conceituar o Romantismo está em encontrar uma definição uma vez que várias são as definições existentes”.

Assim, Spenlé (1942) afirma que o Romantismo manifestou-se nos mais variados domínios: Filosofia, Literatura, Arte, nas Ciências Históricas, Morais e Políticas. Trata-se de uma nova atitude em face de todos os problemas da vida e do pensamento. Essa afirmação é também compartilhada por Martine (1991), que diz ter o Romantismo se manifestado na poesia, nas Artes, Historia, nas Ciências Naturais, Filosofia, Medicina, Política e Religião.

Essa multifacetariedade que envolve o movimento romântico e as complexidades sentimentais retratadas nas obras indica a diversidade de conotações e definições que o termo “romântico” adquiriu até a contemporaneidade. Para Furst (1971, p. 5)71

, foram “definições confusas, incompletas, amplas e restritivas”, que tentaremos, em parte, clarificar no item a seguir.