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3.3. Sturm und Drang e Deutsche Klassik

3.3.1. O caso Goethe e Schiller

Antes de aprofundarmos a discussão sobre o Sturm und Drang e o Classicismo, é preciso tratarmos um pouco de Goethe e Schiller, que, multifacetados, permearam vários momentos e gêneros literários, inclusive esses dois movimentos, tornando-se seus maiores expoentes. Também, por esse motivo, ocorre ainda um pouco de confusão entre os leitores, que associam o Sturm und Drang ao movimento romântico.

Com obra extensa e diversa, Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) não se enquadrou um único estilo literário. Pelo contrário, na Alemanha, sua obra é dividida em diferentes fases: o Sturm und Drang (Goethe jovem); o Classicismo (Goethe maduro), do qual é considerado o maior representante; e o Goethe da velhice (após a morte de Schiller), momento em que não se enquadra em nenhum estilo específico.

De acordo com Carpeaux (1994, p. 81), Goethe “[...] depois de 1805, apesar de suas manifestações classicistas sobre artes plásticas, não se enquadra bem em nenhum esquema ou estilo, a não ser no estilo sui generis do Goethe da velhice, extratemporal [...]”. Ainda segundo Carpeaux (1994):

[...] todas as ultimas obras de Goethe não se enquadram na evolução da história literária alemã [...]. São exemplo de uma Arte extratemporal que podem combinar, impunemente, metros gregos e hinos medievais sem perder a atualidade e permanência. O preço que se paga por tanto é a incompreensão dos contemporâneos (CARPEAUX, 1994, p. 94-95).

Essa incompreensão resulta da própria complexidade dos escritos que, conforme já mencionado muitas vezes, não se restrigem a determinado estilo literário. Além disso, as semelhanças entre algumas características do Sturm und Drang e do Romantismo levam a inclui- lo entre os românticos. Para Montez:

[...] sem acesso direto aos originais de Goethe em alemão, acostumou-se a repetir determinadas teses importadas, talvez não somente porque não queira fazê-lo, mas também porque simplesmente não possua instrumentos para questioná-las. [...] Não é o caso de se apontarem aqui as causas profundas deste equívoco. No entanto, podemos indicar sem muito esforço duas influências notáveis: 1) a forte influência da historiografia literária francesa no Brasil, não raramente aferrada aos padrões de “seu” Classicismo nacional; e 2) os escritores e críticos brasileiros que, exatamente sob a égide do romantismo, fundaram as bases do nacionalismo literário que norteiam a

Representante do movimento Sturm und Drang, Carpeaux (1994, p. 88) escreve que “Os primeiros anos de Goethe em Weimar ainda são bem tipicamente pré-românticos”, anos de um forte culto à natureza e de tempestuosos amores. Tal premissa pode explicar a confusão que se faz entre Goethe romântico e Goethe clássico. Sob a influência da crítica francesa, costuma-se, no Brasil e também em vários outros países, incluir Goethe entre os românticos. Contudo, Montez (2002, p. 88) adverte que: “Tais traços obviamente existem, mas sua existência não deve eludir o fato de que a atitude literária (e ideológica) de Goethe recusa no fundamental a Weltanschauung romântica. E é aqui que se faz necessária a distinção mais precisa entre a obra de Goethe e a dos românticos”.

Acerca da divergência entre Goethe clássico e Goethe romântico, Carpeaux (1994) escreve que seu subjetivismo é romântico, mas sua forma de expressão é, indubitavelmente, clássica. Já para Montez (2002, p. 89), “[...] alguns dos equívocos em que incorrem os que pleiteiam um ‘Goethe romântico’ não advêm somente da obra do grande poeta, mas principalmente do profundo obscurecimento do próprio termo ‘romântico’, ou ‘Romantismo’”.

Segundo Tostes (2010), foi Goethe, de modo decisivo, que estabeleceu a oposição essencial entre “clássico” e “romântico”. Martine (1991), parafraseando Goethe, escreve que: “Classicismo é a saúde, o Romantismo a doença”. Huch (1951) e Zmegac et al. (1981) inferem que Goethe proclamava certa aversão aos românticos, e estes, por sua vez, mesmo declarando admiração pelo mestre, também discordaram dele em relação a vários pontos.

Além disso, Goethe se mostrou hostil à Revolução Francesa, inicialmente apreciada pelos românticos. Segundo Carpeaux (1994), com uma postura apolítica e conservadora, Goethe queria manter o equilíbrio conquistado, queria evitar reincidências das incômodas tendências sentimentais e anárquicas pelas quais passou na época pré-romântica.

Outra problemática refere-se à compreensão da ligação entre a vida e a obra de Goethe, fato esse que pode ser claramente exemplificado com Werther – a obra foi produto da maior crise sentimental da vida (real) de Goethe: apaixonado por Lotte, seu segundo grande amor, noiva de outro, pensou inclusive em suicídio:

[...] essa ligação vida-obra é um dos traços características do romantismo. A diferença só é, porém, em termos. Dir-se-ia: a maior obra de Arte de Goethe é sua própria vida: mas essa vida é uma obra de Arte clássica. É a história de um temperamento romântico que, disciplinando-se, se transforma em estátua de si próprio (CARPEAUX, 1994, p. 87).

Segundo Menhennet (1981), apesar de comumente rotuladas em outros países como obras românticas, Fausto I e Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (1796) são obras classicistas. Na obra Fausto I, o Dr. Johann Fausto teria realmente existido e inspirado Goethe, sendo um representante característico do Renascimento: intelectual sem humildade, sedento de vida, aventura, poder e saber.

Já em Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, Süssekind (2008a) escreve que Wilhelm seguia um longo caminho de formação e encontrava, na convivência e no diálogo com outros indivíduos “formados”, uma via para superar o seu isolamento e o caráter fragmentário de seu pensamento. Todorov (1996, p. 54) escreve que esse pensamento provinha da concepção de que “apenas a humanidade pode ser plena, inteligente, perfeita; o homem isolado está condenado à incompletude”. Para Wolf (1999), na Alemanha, Goethe é considerado um clássico que esclareceria definitivamente a estética classicista com a elaboração de Dichtung und Wahrheit. Dedicou-se também a estudos científicos de Mineralogia, Botânica e Anatomia Comparada, e Artes Plásticas desenvolvendo a Teoria das Cores (Farbenlehre), em 1810.

Assim como o amigo Goethe, a obra desenvolvida por Johann Christoph Friedrich von Schiller (1759-1805), em sua fase madura, refutava o projeto do Sturm und Drang e censurava suas próprias realizações da juventude. Obras como Maria Stuart e Guilherme Tell, apesar de comumente rotuladas, em outros países, como românticas, para Menhennet (1981), são obras classicistas. Segundo Safranski (2010), Schiller criticava a imaginação produtiva levada ao extremo pelos primeiros românticos, acusando-os de se comportarem arbitrariamente:

A fantasista deixa a natureza por mero capricho, para poder perseguir a intrepidez dos desejos e humores da imaginação de maneira ainda mais livre, porque a fantasia não é nenhuma extravagância da natureza, e sim da liberdade; partindo, pois de uma base memorável, adaptável ao infinito, a liberdade leva a uma queda infinita nas profundezas sem chão e só pode acabar numa destruição (SCHILLER apud SAFRANSKI, 2010, p. 81)47.

Schiller se destacou pelas peças teatrais e pelos estudos que fez da Filosofia kantiana, que resultariam em vários escritos estéticos: Sobre graça e dignidade; Sobre poesia ingênua e

47 Der Phantast die Natur aus bloβer Willkür, schreibt er, um dem Eigensinne der Bergierden und den Launen der

Einbildulgungskraft desto ungebundener nachgeben zu können... weil die Phantasterei Keine Ausschweifung der Natur, sondern der Freiheit is, also aus einer na sich achtungswürdigen Anlage entspringt, die ins unendlicche perfektibel ist, so führt sie auch zu einem unendlich Fall in eine bodenlose Tiefe und kann nur in einer völiigen Zerstörung sich endigen. (Original: SCHILLER, Friedrich. Sämtliche Werke, vol. V. org: Riedel, Wolgang,

sentimental e no lançamento dos fundamentos teóricos do Classicismo incorporados também por Goethe. Para Carpeaux (1994):

[...] Schiller desfigura os grandes conflitos históricos, transformando a história em tribunal que julga conforme as leis da ética Kantiana, fazendo prevalecer uma justiça poética que pune os maus e glorifica os bons. Fala muito em liberdade. Mas é a inofensiva liberdade apolítica da burguesia alemã do século XIX (CARPEAUX, 1994, p. 86).

Afastando-se gradualmente de Shakespeare, mas sem se aproximar dos gregos, seu modelo foi a tragédia clássica francesa, sobretudo de Corneille e Voltaire. De acordo com Carpeaux (1994, p. 85), “O estilo do teatro clássico francês é evidentemente o mais próximo do estilo de Schiller, que é eloquente, mas não lírico, mais retórico que poético”. Entre as obras clássicas de Schiller citam-se: Briefe über die ästhetische Erziehung des Menschen: Das Ideal und das Leben (1795), Über naive und sentimentalische Dirchtung (1795-1796), Die Worte des Glaubens (1797). Além dessas obras, Schiller foi idealizador e organizador da revista Hören, importante manifesto divulgador das ideias classicistas.

Editadas em 1795, as Hören (Cartas de Schiller) são tema em Habermas (1998, p. 51), que faz menção à utopia de Schiller: “[...] o primeiro escrito programático para uma crítica estética da modernidade”. Em Cartas de Schiller, Schiller propõe que a Arte seja substituta da religião na função de elemento unificador da sociedade. Assim, sendo uma obra claramente social-revolucionária, Schiller defendia a Arte como forma de transmissão que altera o curso das relações intersubjetivas, em contraste com os extremos contidos no isolamento (alienação) ou na massificação (dissolução) do indivíduo.