• Nenhum resultado encontrado

DA INFORMAÇÃO À REPRESSÃO: As bases do estado de exceção no Brasil

CENTROS DE INFORMAÇÕES DAS FORÇAS ARMADAS

1.4.4 As fontes inspiradoras da Comunidade de Informação

Em relação às fontes que inspiraram as atividades da comunidade de informação, focaremos alguns documentos bastante elucidativos da colaboração obtida pela rede de informação no processo de especialização promovido pelos governos de orientação capitalista, incluindo as agências secretas como a CIA e a polícia inglesa, por exemplo. Embora o apoio recebido dos Estados Unidos no quesito capacitação da Rede de Informação tenha sido uma constante, ele não foi o único.

67

NORMAS gerais de ação. Informe citado, f. 2.

68

É importante realçar que as altas hierarquias de comando buscavam aprimorar suas táticas em fontes que apresentassem uma utilidade direcionada para as necessidades mais imediatas da rede, quando a conjuntura exigia, ou quando tomavam conhecimento de novas técnicas consideradas importantes para o aperfeiçoamento da comunidade de informação. Nesses casos, eram providenciadas cópias dos materiais e, se estivessem em outro idioma, havia uma medida imediata para traduzi-los.

Continuando nossa análise documental, no acervo da Delegacia de Ordem Política e Social conseguimos localizar alguns fragmentos valiosos contendo informações esclarecedoras quanto aos manuais de onde são extraídas as informações vitais ao funcionamento dos órgãos de informação, como a pequena brochura da década de 1940/50 cuja capa reproduzimos abaixo.

Figura 15 - A calúnia como instrumento da política, capa

da brochura apreendida com um prontuariado que foi curiosamente reaproveitada pelos agentes, sendo repassada para os órgãos de Informação com uma recomendação de prestarem atenção ao conteúdo, contendo vários trechos marcados com lápis vermelho.69

Nesse livreto escrito pelo alemão Jens Erdmann, com o título de A calúnia

como instrumento da política, dois elementos chamam a atenção: as páginas

marcadas e sublinhadas a caneta, provavelmente pelo analista da informação, em

69

Fundo: SSP/DOPS/APEJE: A CALÚNIA como Instrumento da Política, 1942-1955. In: Prontuário Funcional Inglaterra n. 30.315.

trechos significativos que transcreveremos a seguir; e a recomendação que segue junto à brochura, com a solicitação de repasse aos integrantes dos Centros de Informação da polícia local/nacional, para tomarem conhecimento.

Referindo-se à Inglaterra como um país que teria utilizado recorrentemente a calúnia como instrumento de política, o texto enumera uma série de técnicas utilizadas:

[...] Em que a Inglaterra é acusada de ter ‘mania por calúnia’, onde segundo esse dom especial a classe dominante inglesa manobrou, na sua política externa, a calúnia contra o rival ou adversário, como instrumento consciente e magistralmente manejado por sua prepotência política que se caracteriza em:

• Roubar o bom nome do adversário;

• Para alcançar a calúnia total do adversário, a propaganda britânica difama a sua cultura, a civilização e sua tradição histórica, as personalidades do passado e presente; as mulheres, a religião enfim o conjunto do caráter do adversário;

• Destrói todo o sentimento de humanidade ou solidariedade para com o adversário entregando-o ao desprezo e abominação gerais como um anticristo ou pagão, bárbaro ou Huno, como criminoso, satanás, ou mesmo comoção danado ou selvagem. Assim liquida moral, diplomaticamente, civil e judicialmente o rival;

• O adversário é sempre descrito como um monstro, para facilmente lhe imputarem a culpa;

• Caricaturar grotescamente o adversário e apontá-los como um símbolo total da cultura do adversário, técnica utilizada com maestria pelas castas dominadoras inglesas;

• Depreciar a mulher do adversário, criando a imagem de um ser repugnante, sem formação e servil;

• Agressão desavergonhada à fama das mulheres do adversário;

• Outro traço do comportamento britânico é que cria suas convicções sobre o adversário segundo as decisões de seu chefe político;

• Atuaram no passado com esse expediente em épocas e situações diferentes contra nações como a Espanha, França, Holanda e Alemanha e continuarão através desse método da calúnia a desmobilizar o adversário e concluiu o trecho dizendo as obras que analisam exaustivamente o papel da calúnia britânica. São elas:

• STUART: -The Secrets of Crewe House. Hodder and Stoughton, London, New York Toronto.SIR PHILIP GIBBS- Now it can be told. Garden City Publishing Company.

• LASSWELL: -Propaganda Techinique in the World War. Knopf, New York.70

Chama a atenção no documento o procedimento da calúnia como meio de desestabilizar o inimigo ‘roubando-lhe o bom nome’, pois, coincidentemente, essa

70

Fundo: SSP/DOPS/APEJE: A CALÚNIA como Instrumento da Política, 1942-1955. In: Prontuário Funcional Inglaterra n. 30.315.

prática foi comumente utilizada nos interrogatórios, quando havia a necessidade de acuar, intimidar e desmoralizar as pessoas a eles submetidas. Segundo relatos de fontes orais, essa técnica foi bastante difundida nas salas de interrogatório, cuja função “era transformar-nos em seres desprezíveis, culpados, desprovidos de qualquer referencial, nos expondo a toda a sorte de humilhações, insultos espúrios e degradantes.”71

Outra semelhança se inscreve no uso da descrição do adversário como um monstro, um anticristo ou pagão, bárbaro, criminoso..., entregando-o ao desprezo e abominação gerais, procedimento que foi também bastante utilizado para disseminar o medo na população contra os comunistas. Cabe observar que, muito embora o alvo e as circunstâncias pudessem ser completamente diferentes, o uso da calúnia como recurso de difamação do adversário, com o objetivo de neutralizar a sua ação, foi prática comum às polícias,.

Finalmente, a solicitação de repasse aos outros centros para conhecimento indica que, na lógica da ‘comunidade de informação’, eles se apropriam de informações variadas, como saberes que são analisados, experimentados, ressignificados e repassados aos integrantes da rede para que deles tomem proveito.

Dessa maneira, as práticas de investigação, censura e repressão vão-se constituindo e cumprindo a função para a qual foram criadas – aniquilar o inimigo. Os usos dessas estratégias passam a ser observados e aplicados junto aos adversários no Brasil, considerados pela polícia como “o comunista”, “o terrorista’, “o agitador”, etc.

É importante destacar que as fontes de aprimoramento das técnicas de vigilância e esquadrinhamento da pessoa considerada subversiva são múltiplas e diversificadas. Para exemplificar como eles se apropriam da fonte e a ressignificam, usaremos a imagem de uma mensagem cifrada apreendida pela polícia no ‘estouro’ de um aparelho do MR-8 – na linguagem policial, “estouro de aparelho” significa a invasão de uma residência que serve de esconderijo a algum grupo subversivo ou célula comunista.

71

LOUREIRO, Maria Yvone. Relatos de uma militância política feminina. In: REPENSANDO A DITADURA E OS 25 ANOS DA ANISTIA POLÍTICA, seminário realizado no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano, Recife, 2004. Depoimento gravado em 3 set. 2004. Maria Yvone era militante do PCBR.

Figura 16 - Código cifrado utilizado por uma organização

de esquerda apreendido pela polícia. O informe que acompanha o documento recomenda o seu repasse e possível aproveitamento pelos órgãos de segurança.72

O uso de mensagens cifradas é uma alternativa a que recorrem os componentes de uma mesma organização para a troca de informações, estratégias, para marcar encontros, etc. Ao serem apreendidas pela polícia, esta passa a se preocupar em decifrar o alfabeto codificado e repassar para os órgãos da rede. Apropriando-se desse procedimento, ela também cria seus próprios códigos, aplicados em alguns documentos que acompanham a pessoa detida, no encaminhamento para outra autoridade de comando, referendando o destino daquele “preso”, sobretudo quando é o interrogatório, a retenção em alguma prisão ou até mesmo a eliminação/extermínio.73

Num documento de junho de 1969 e em outros da década de 1970, impressos na forma de boletim mensal da Delegacia de Ordem Política e Social – Departamento de Investigações - PE e repassados para todas as unidades, tem-se valiosas informações sobre as técnicas de investigação e interrogatório utilizadas. Selecionamos alguns trechos dos boletins para demonstrar em que elementos os órgãos de informação se inspiraram e como se dava essa transmissão/recepção junto à sociedade.

72

Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional n. 4.558. Documentos Administrativos.

73

Cf. RELATOS de uma militância política. In: REPENSANDO A DITADURA E OS 25 ANOS DA ANISTIA POLÍTICA, seminário realizado no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano, Recife, 2004. Depoimento de um ex-militante do PDT, gravado em 3 set. 2004.

O documento trata da tradução de um livro americano intitulado Criminal

Investigation and Interrogation, de Geuber e Shroeder, realizada pelo colaborador

José Maria Paraíso, promotor público em Pernambuco, contendo uma ressalva interessante e importante para aplicar nas ações daquela delegacia especializada.

Título do Documento – “Psicologia do Interrogatório”

José Maria Paraíso, promotor público, atualmente à disposição desta secretaria, traduziu do original – Criminal Investigation and Interrogation, para uso dos nossos policiais. São ensinamentos valiosos, compreendidos na moderna técnica de investigação criminal. No seu capítulo 15, aborda “Psicologia do Interrogatório”, cujos primeiros parágrafos publicamos mais adiante. É nosso pensamento divulgar, a partir deste número, todo o capítulo, pois o interrogatório é relevante dentro do objetivo policial de repressão ao crime, e assim fazemos ensejando, ainda, lembrar a necessidade da modernização dos nossos métodos, principalmente agora, quando na maioria, os crimes são premeditados de maneira inteligente e astuciosa, e apresentam características capazes de confundir o mais eficiente organismo policial.

Evolui a inteligência aplicada à prática da originalidade, necessário faz, também, que evolua em todos os planos de medida coercitiva àquela prática, mesmo porque, não podemos permanecer inativos ante a perspectiva de que o aumento do número de crimes sem solução se constitua em estímulo para aqueles que pretendem semear a intranqüilidade e a insegurança nos lares, ou manchar o conceito de país democrático e civilizado que gozamos.74

O documento se estende por oito páginas, dividido em subitens que tratam do objetivo do interrogador, como se deve “pescar informações”, a busca do motivo, preparando o terreno para nova entrevista, criando a disposição de falar, forças que atuam contra o falar, o silêncio como alavanca, sentimento de culpa, etc. Mas o que mais se destaca são as concepções a respeito das práticas de interrogatório, vistas como de suma importância entre as funções de coleta de informações. Observa-se que os agentes usam do conhecimento na área de psicologia para abordar a pessoa investigada e retirar-lhe as preciosas informações de que os órgãos necessitam. Assim, observe-se o que apresenta o documento:

Existem semelhanças entre o trabalho do psico-terapeuta e do investigador policial em termos das forças subjacentes com as quais cada um deles tem de lidar, muito embora os problemas com que cada um deles se depara, sejam substancialmente diferentes. [...] O problema do psicólogo consiste em vencer essas forças que impedem a pessoa entrevistada de falar livremente.

Objetivo do Interrogador

Como passo inicial, encare o interrogatório do ponto de vista do que pretende conseguir. Em muitos casos, o interrogador tem em mira obter informações diretas sobre o crime ou sobre os criminosos: Obter certos tipos de fatos que o habilitem a construir um caso, demonstrando que uma

74

certa pessoa praticou algo, ou que alguma outra pessoa praticou algo, ou que alguma outra o fez. Muitas vezes, perguntas feitas sobre assunto que não é diretamente pertinente ao crime em si, poderão vir a ser cabíveis. Você poderá estar interessado em formar uma longa cadeia de fatos sobre acontecimentos que precederam ao crime ou acontecimentos que se lhe seguiram. [...] Deste modo, é comumente necessário proceder-se a certas investigações preliminares, a fim de realizar um interrogatório proveitoso e, tal trabalho, freqüentemente obriga a que se procurem pessoas não diretamente ligadas ao crime em si.75

       Evidenciam-se, no documento em tela, os procedimentos policiais de busca da informação para esclarecimento do crime. E esse mecanismo policial envolve certo grau de imprevisibilidade no que se pretende coletar, além da mentalidade com que o investigador se debruça para perscrutar o crime. Chamam a atenção as técnicas de puxar a informação ou informações significativas a respeito de algo que o organismo policial tem curiosidade em saber para complementar sua investigação, quando quer elucidar alguma trama subversiva, o esconderijo de um grupo ou de alguém procurado, algum fato que denuncie uma operação ou ato subversivo, por exemplo. Assim, vejamos o que apresenta esse trecho do documento:

Pescando informações

Muitas e muitas vezes interrogamos pessoas, não porque saibamos o que queremos, porém a fim de auto-estimularmo-nos e obter idéias. Se deseja criar um ambiente favorável à obtenção de informações ou como buscar fatos, ou que espécie de fatos buscar, tem que ser receptivo a idéias novas. As pistas novas surgem como resultado de se ouvir a várias diferentes pessoas com diferentes tipos de idéias. Muitas vezes, se entrevistarmos, estamos catando para ver o que é possível encontrar. [...] Há outras considerações que não é levada em conta como objetivo da entrevista. Às vezes queremos realizar uma entrevista, não para descobrir algo que não sabemos ainda, mas, sim para preparar o terreno ou estabelecer bases para o futuro entrevistamento [sic]. Pode um indivíduo ser trazido em nossa presença. Por alto, já sabemos que provavelmente nos dirá na primeira entrevista. Porém este interrogatório inicial pode ser encarado como uma finalidade de estabelecer alguma espécie de relação com esse indivíduo, de modo que, em data posterior, outra espécie de interrogatório possa ser realizado com o indivíduo.76

A riqueza do documento mostra em detalhes um universo sigiloso restrito exclusivamente aos que fazem parte da rede de órgãos de informação e segurança. Saber dessas minúcias permite ao historiador adentrar nos labirintos que envolvem a pesquisa e o objeto investigado, e abstrair, a partir do diálogo com as fontes documentais, o aprofundamento necessário à elucidação da trama histórica.

75

Orientação repassada aos órgãos de segurança através do Boletim Carta Mensal. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional n. 1.729 – Documentos administrativos, Doc. 1.

76

Orientação repassada aos órgãos de segurança através do Boletim Carta Mensal. Fundo SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional n. 1.729 – Documentos administrativos, 1969-1985, Doc. 2.

Nas passagens que transcrevemos é possível perceber que a realidade não está dada; o policial, o agente, os investigadores convivem com uma infinidade de dados, informes, informações cotejados de diversas áreas, pessoas, etc. Transformar isso tudo em saber corresponde a um outro nível de operação, diz respeito a uma outra hierarquia de procedimentos que se vão constituindo ao sabor das necessidades, demandas, exigências e desafios da própria investigação.

As possibilidades de erros ou acertos são iguais. As permanências que se percebem são fruto da sistematização de um conhecimento específico sobre a “subversão”, possibilitada a partir de um elenco de normas, técnicas, operações, conhecimentos que vêm sendo produzidos conjuntamente (entre os segmentos da ‘direita’ e da ‘esquerda’), graças a uma maneira muito peculiar de enxergar os fatos e a história nesse momento, sob a ótica de uma mentalidade da informação, elaborada, construída e maturada para atender à normatização de um corpo de ações e idéias que sustentam e respaldam o poder instituído. Poder esse que se exerce nos acontecimentos, na leitura que é feita deles e, sobretudo, nas pessoas, formando uma intricada, dinâmica e intrigante rede em permanente movimento.

Adentrar nos labirintos daqueles que estavam a serviço da “ordem” permitiu-nos conhecer essa realidade, entender sua lógica e perceber que mesmo no interior dos órgãos de controle, com toda a carga de monitoramento que existia, havia espaço para o imprevisível. E é a partir desse pensamento que passamos a entender o imbricamento dessas forças agindo no social e observar a colaboração, ou não, de órgãos e pessoas com o sistema, à revelia das arbitrariedades.

Observar, por exemplo, a colaboração do promotor público que faz a tradução da fonte, demonstrando o apoio específico de que se precisa para atender às demandas imediatas que se impõem, mas que ao mesmo tempo ajuda a atingir o objetivo maior do regime, que é a Segurança Nacional.

Da mesma forma outras colaborações vão-se estabelecendo em vários segmentos da sociedade civil; não só no Ministério Público, órgão defensor do cidadão e da democracia, mas vindas de todas as partes, de maneira que esse apoio, essa cumplicidade da própria sociedade tornará possível a perpetuação do regime por mais de vinte anos. Do mesmo modo, essa lógica serve para os que se colocam do outro lado.

A guerra silenciosa dos opostos é a mesma que inspira os embates violentos, é a mesma que estimula o movimento de “subversão” e “contra-subversão”, é a própria razão de ser do regime. Nesse universo, vale tudo. Todos os recursos para o bom adestramento do “indivíduo” dentro da rede e dos que estão fora dela. Nesse sentido é que se entendem os mecanismos de busca da informação, de aprimoramento dos órgãos para o melhor desempenho do controle social.

Assim, a capacitação dos profissionais de segurança é necessária, estimulada e, na medida do possível, sobretudo para alguns setores da rede, patrocinada pelos superiores como prêmio pelo desempenho no serviço. Nesse sentido, o reconhecimento da importância do livro, a necessidade de atualização e modernização dos serviços de investigação e a recomendação da leitura, extensiva a todos os integrantes do organismo policial, se traduzem em outras curiosidades percebidas no documento, o que explica o interesse nos diversos meios de que a

rede dispõe para se capacitar.

De forma geral o recurso autodidata de aprendizado passa a ser o meio mais fácil de atualização da rede, que dissemina os conteúdos considerados úteis com o objetivo de atualização das práticas, repasse de conhecimentos, etc., colaborando assim com a capacitação e reciclagem dos policiais, necessidades estas a que estão atentos e de cuja importância têm consciência, por se depararem constantemente com novas modalidades de crimes.

É importante identificar as necessidades e fragilidades da polícia para estabelecer uma análise de como são feitas as propostas de aperfeiçoamento e de mudança e, sobretudo, as bases dessas mudanças, para que direção apontam e o que pretendem atender, sem perder de vista que o formal da lei não é a prática da execução do organismo policial ante a complexidade dos crimes, que cada vez mais ‘se apresentam de forma astuciosa’, demonstrando por sua vez que as práticas múltiplas de resistência também são um estímulo às práticas múltiplas de controle.

Para melhor entender as práticas de controle apresentamos algumas formas de aprendizado usadas pelo corpus policial, oriundas dos manuais formais, ora provenientes dos EUA, ora da Escola Superior de Guerra, ou de outras fontes diversas que servem para atualizar os procedimentos dos órgãos policiais.

A demanda de cursos, treinamentos intensivos só se dá mediante uma necessidade premente dos órgãos e de acordo com a disponibilidade de tempo dos efetivos envolvidos em operações de controle. O que é importante frisar é que a oportunidade de capacitação é diferenciada, seletiva, e disponível de forma planejada/controlada pelas hierarquias de comando. Dessa forma, tem-se a certeza de capacitar grupos de agentes para cumprir determinada demanda, em tipos de ações específicas – por exemplo, interrogatório, análise da informação, investigação, etc. Ganha-se tempo na capacitação do efetivo policial, sempre recorrendo a uma metodologia de criar agentes multiplicadores e repassadores do ensinamento. Há falhas, mas elas são corrigidas na medida em que são identificadas, utilizando para isso outros agentes mais experientes para a função.

Observamos os métodos, as fontes, os procedimentos de produção, transmissão e recepção de conhecimento e informação, entramos em contato com o universo mental dos organismos de segurança. E esse exercício permitiu-nos ver quão complexa foi a construção do estado de exceção no Brasil.

Saber que todo esse aparato dos órgãos de segurança, respaldado em práticas de controle e vigilância da sociedade, teve a participação direta dos Estados Unidos dá uma outra dimensão à constituição do regime de exceção. As implicações dessa colaboração foram muito além da simples injeção de dólares na economia, extrapolando inclusive as regras internacionais de respeito à soberania de uma nação, na medida em que passou a interferir na governabilidade instituída e no direito do povo.

Nesse contexto, não foram infundados os inúmeros protestos contra o imperialismo ianque nas manifestações estudantis ou sindicais do período. Essas