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DA INFORMAÇÃO À REPRESSÃO: As bases do estado de exceção no Brasil

1.4 A rede de informações a serviço da repressão

1.4.3 O funcionamento da rede de informações

Nos registros do acervo DOPS aparece a forma como era feito esse trabalho, traduzido como sendo uma “atividade fim do órgão (investigação, censura e repressão), onde havia hierarquias diferenciadas e com qualificações distintas dentro da rede. Os agentes que lidam com informações, principalmente as de caráter confidencial e sigilosa, são os investigadores, que aparecem sempre identificados por um nº.”58

Além do corpo policial, temos os chamados “oficiais da informação”, que não são identificados, pois seu trabalho de coleta, seleção, análise e difusão da informação diz respeito a uma área secreta ou confidencial. Em linhas gerais, estão à margem do sistema e poucos sabem o que são e o que fazem.59

Existem aqueles personagens que estão inseridos na própria entidade ou órgão ao qual pertencem. Estes são os informantes legais, cuja função é repassar para os órgãos policiais o movimento, o cotidiano nas repartições públicas – municipais estaduais e federais –, empresas e qualquer outra entidade. Podem receber remuneração ou não, mas em sua maioria recebem compensações, promoções, etc.60

58

NORMAS gerais de ação. Informe confidencial, 1971, f. 6. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional n. 5.395.

59

Cf. ibidem.

60

Há ainda um grupo que pertence à mais alta hierarquia na rede de informações, diretamente ligado aos Centros de Informações das Forças Armadas, vive em completo anonimato, mas é extremamente eficiente. É constituído pelos chamados S2 ou espiões. Estes vivem à margem de qualquer suspeita, conhecem profundamente a arte da espionagem e sobrevivem muito tempo às escusas, por uma questão de segurança e eficácia do serviço que lhes é confiado. De acordo com Lucas Figueiredo (2005, p. 85), várias categorias de profissionais atuavam na comunidade de informações, segundo glossário elaborado pelo Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFICI):

Agente – Pessoa que se dedica à atividade clandestina sob a direção de

um serviço de informações.

[Agente] adormecido – agente recrutado, equipamento ou operação

planejada que estão prontos para entrar em ação, todavia mantido inativo por um período considerável para criar ou reforçar suas coberturas ou ainda para estar pronto caso se apresente uma necessidade especial.

Capanga – Tipo de agente utilizado a fim de proporcionar uma proteção

especial em fases perigosas de uma ação clandestina.

Gazua – (1) Pedaço de aço usado para abrir fechaduras: (2) pessoa que

tem a arte de fazer com que outros revelem seus segredos.61

Observe-se a profusão de perfis e atividades desenvolvidas pelos integrantes da comunidade de informações que atuavam nos vários órgãos e instâncias do aparato de espionagem, agindo, sobretudo, em serviços escusos no intuito de fazer cumprir as orientações da rede de informações a serviço da repressão. Da mesma forma cabe ilustrar o trato da informação como era feito pelos órgãos de informações.

No âmbito dessa produção informacional, destaca-se o papel indiscutível de duas instâncias que foram fundamentais para a operacionalização da rede de informações implantada no país. A primeira, diz respeito aos agentes, analistas ou profissionais da informação. Designações adotadas para identificar segundo o General de Brigada - Adyr Fiúza de Castro - um dos criadores do Centro de Informações do Exército-CIE, aqueles que tinham por função,

“cotejar os informes aos quais recebe em quantidade imensurável, classifica-los, juntá-los, analisá-los e ver qual é o grau de probabilidade da veracidade daquela informação. Com isso ele analisa também a fonte que lhe forneceu o informe. A fonte é muito importante. Há seis níveis de fontes e seis graus de veracidade de informe: A, B, C, D, E, F e 1, 2, 3, 4, 5,6. Um

61

informe A-1 é um informe de uma fonte sempre idônea e com grande probabilidade de ser verdade. Então guarda-se e classifica-se: A-1. Se o informe é F-6, significa que não se pode saber a idoneidade da fonte, pode ser um maluco qualquer, e a probabilidade de ser verídico é muito reduzida. Mas tem-se que arquiva-lo. Se formos fuçar os arquivos dos órgãos de informações, vamos encontrar informações extremamente falsas, mas que foram arquivadas porque não podiam ser jogadas fora. Não se pode. Quem tem autoridade? A cada dez anos é nomeada uma comissão que determina quais documentos devem ser incinerados, e é feita uma ata.”62

É salutar perceber que a estrutura de organização informacional obedece a uma série de tecnologias e aptidões que são referentes a cada uma das instâncias e sujeitos envolvidos na rede de informação. A rede não operava numa lógica, elas competiam entre si, não é um trabalho que pudesse ser controlado, envolve competências, disputas, vaidades, interesses, atenções, e, sobretudo “responsabilidades”, que poderiam comprometer todo o sistema informacional implantado pelo regime militar.

Sobre isso vejamos o que disse o General de Divisão Enio dos Santos Pinheiro a respeito do perfil do homem que trabalha com a informação-

“Incluía dois tipos de pessoas, dois produtos: um intelectual, e outro que trabalhava no campo de operações. Havia uma parte no Brasil muito difícil: o sigilo. O sigilo era um aspecto difícil de obter, uma dificuldade que se encontrava até dentro da família. A pessoa que trabalha com informações não pode conversar, não pode discutir os assuntos do seu trabalho. O brasileiro é muito falador, e isso é perigoso. Mas nós conseguimos fazer uma seleção e dizer como deveria ser o trabalho. Também foram feitos um código de honra e um código de ética para o pessoal. ”63

Nota-se que tudo era feito num universo da maior seriedade. A representação e a importância dada ao aparato informacional por tudo o que significava leva-nos a compreender porque se constituiu a base, o amálgama que consubstanciava o aparato de sustentação do regime militar.

62

D’ARAÚJO, M.Celina; SOARES, Gláucio A.Dillon; CASTRO, Celso. Os Anos de Chumbo: A Memória Militar sobre a Repressão. Rio de Janeiro: Relume – Dumará, 1994. P. 47.

63

D’ARAÚJO, M.Celina; SOARES, Gláucio A.Dillon; CASTRO, Celso. Os Anos de Chumbo: A Memória Militar sobre a Repressão. Rio de Janeiro: Relume – Dumará, 1994. P. 136.

E para ilustrar a constelação de órgãos a serviço da comunidade de informação, apresentamos um diagrama demonstrativo das instâncias de controle que compõem a rede. Nesse contexto, utilizando as palavras de Foucault (1993, p. 29), “nenhum de seus episódios localizados pode ser inscrito na história senão pelos efeitos por ele induzidos em toda a rede em que se transforma.”

Gráfico 1

Rede nacional de informações vista a partir do SNI, enquanto órgão de coordenação do Sistema64