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6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1 O S M ORADORES DO P OVOADO DE P EDRA B RANCA E OS I NSETOS :

6.2.3 História Natural de Grupos de Insetos Culturalmente Importantes

6.2.3.5 As Formigas

Caçaramba aqui tá de correição! Dona V., 54 anos.

Um total de 19 etnoespécies de formigas foi registrado (Tabela 11), constatando-se sinonímia nos nomes populares. Formiga-de-asa, formiga-da-mandioca, lavradeira e tanajura são como os representantes do gênero Atta são chamados, sendo que o último nome é reservado às fêmeas ovadas. Um outro grupo de formigas que designa insetos do mesmo gênero (provavelmente Odontomachus) é constituído pelas etnoespécies formiga-de-cotia, formiga-de-estralo e formiga-taco-taco. No entanto, para uma maior exatidão entre a nomeclatura dos insetos e sua taxonomia lineana, requer-se coletar as etnoespécies registradas e identificá-las adequadamente.

A formiga-jeje (Dinoponera quadriceps Santschi, 1921) foi descrita como uma formiga “pretona”. Seu hábitat de ocorrência é na caatinga, segundo os moradores. O nome “jeje” possivelmente esteja relacionado com os negros do Daomé, que foram trazidos como escravos e que se caracterizavam pela tez azeitonada (MICHAELIS, 2001). Essa formiga é vulgarmente chamada de formiga-de-rabo em outras regiões da Bahia. Sua picada, como dito anteriormente, é bastante dolorosa.

Tabela 11. Descrição de 19 etnoespécies de “formigas” (Hym., Formicidae), segundo os moradores do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.

Etnoespécies

Nome vulgar Pista taxonômica

Descrição (reunião de informações)

Caçaramba Azteca chartifex Forel, 1896 Pequenininha. Faz casa em terra adubada. Gosta muito

das árvores. Vermelha igual à chichinã. Gosta de cafezeiro. Ela joga veneno no olho. Venenosa.

Caranga Camponotus sp. Rajada.

Chichinã Acromyrmex sp. Tem da preta e da vermelha.

Cigana Iridomyrmex sp. Anda no carrego. Correição grande. Amarelaça. Só anda por dentro dos matos.

Formiga-de-asa Atta spp. Aparece quando chove. Formiga-de-bode Dolychoderus attelaboides

(Fabr., 1775)

. . .

Formiga-de-cão Eciton sp. Preta, que anda assim pelo chão. Formiga-de-cotia Odontomachus haematodeus

(L., 1758)

Ela anda os carrego que nem a formiga-cigana. É o mesmo tamanho, mas os dentes chegam a ser grande e ela sai batendo os dentes assim.

Formiga-de- estralo

Odontomachus sp. Ferra bastante.

Formiga-de- mandioca

Atta spp. Grande. Faz carreiro. Vira tanajura.

Formiga-de- taboca

Camponotus sp. É inimiga da uruçu. Ela entra no cortiço à noite e mata

os filhotes. Jeje (= Jeja ou

Conga)

Dinoponera quadriceps

Santschi, 1921

Pretona. Dá mais na caatinga. Só morde na sola do pé. Venenosa.

Cont. Etnoespécies

Nome vulgar Pista taxonômica

Descrição (reunião de informações)

Lavradeira Atta spp. Vermelha. Miudinha. Difícil de achar o ninho dela. Ela rói até a madeira. Abre a boca do formigueiro durante a noite e fecha de dia. Corta a mandioca.

Luíza-doida Prenolepis longicornis

(Latreille, 1802)

Formiga grande de listra.

Oncinha Mutillidae Preta e branca. Bonitinha. Ela vai andando tipo uma tanajura, sendo ela mais curtinha e pintadinha. Dura de morrer.Venenosa.

Rabo-quente Eciton sp. Anda na estrada. Raspadeira Acromyrmex cf. landolti

(Forel, 1884)

Acaba com o jardim.

Taco-taco Odontomachus sp. Comprida e a boca é aberta. O negócio é o ferrão. Tanajura Atta spp. Aparece na trovoada. Se come. Vira formiga-de-

mandioca.

Dentre as etnoespécies citadas, a oncinha é a única que não é uma formiga propriamente. Trata-se de um Mutillidae, família de Vespoidea que reúne indivíduos que apresentam diferenças morfológicas bem marcantes entre os sexos. Os machos são alados (embora existam espécies sem asas ou que as têm rudimentares), privados de ferrão e freqüentam flores e plantas; as fêmeas são ápteras, o que lhes dá um aspecto semelhante ao de uma formiga que teria o corpo bastante pubescente, com manchas coloridas e brilhantes e providas de ferrão (CARRERA, 1980). É por essa razão que a população rural percebe e

classifica a oncinha junto com as formigas: Ela vai andando tipo uma tanajura, sendo ela

mais curtinha e pintadinha (Dona L., 57 anos).

Estruturalmente, a diferença entre uma formiga e uma oncinha é dada pelo pecíolo que a segunda possui, sendo ele liso, curto e sem nodosidades (CARRERA, 1980). Foi dito que a oncinha é dura de morrer. A gente peleja pra matar e a bicha não morre (Seu A. J., 74 anos). Na realidade, a constituição quitinosa do corpo deste inseto é muito forte; pisada, é difícil de ser esmagada (LENKO; PAPEVERO, 1996). De acordo com esses autores, todos os mutilídeos são parasitos na fase de larvas (de moscas, abelhas, vespas etc.) e não constroem ninhos próprios.

É crença local de que um indivíduo obterá aquilo que deseja comer quando cospe três vezes em uma oncinha que cruza o seu caminho. Ao inseto é imputada a capacidade de trazer o alimento que se pede:

Quando uma pessoa vê uma oncinha, pede a ela carne fresca. Quando a pessoa se topasse com ela, aquilo que ela pedisse [...]. Podia cuspir (nela?) três vezes e dizia: ‘Me dá isso, oncinha! Me dá isso, oncinha!’ Aí, diz que quando pedia dá, né? Aquilo que a pessoa quisesse comer: uma carne de porco, uma galinha, um trem qualquer. Pedia àquela oncinha. No outro dia, diz que aparecia aquilo. Fazia aquela simpatia e diz que dava certo (Dona E., 52 anos).

Os poderes mágicos não se restringem à obtenção de comida, mas vão mais além. De acordo com os registros de Lenko e Papavero (1996), alguém se livra de uma dor de dentes se, ao encontrar uma oncinha, cuspir nela três vezes. Também é usada para aprender a tocar violão com mais facilidade, curar alcoolismo, fazer uma criança caminhar mais cedo e nas práticas amorosas; razão pela qual ela é conhecida como formiga-feiticera no sudeste do país.

Dizer que um determinado inseto, como a caçaramba (Azteca chartifex Forel, 1896), tá

acidentes, então, tornam-se mais comuns. Essa espécie é arborícola, construindo seus formigueiros nos troncos das árvores: Gosta muito das árvores (Dona E., 82 anos). No sul do estado da Bahia essa formiga nidifica no cacaueiro. Ela foi tida inicialmente como benéfica para o cultivo, mas depois foi verificado que ela causava prejuízos às plantas, visto que protegia insetos prejudiciais e roía a casca do cacau, deformando-o ou provocando o aborto (SANTOS, 1985). Outra etnoespécie que prejudica o cacaueiro é a formiga-de-bode (Dolichoderus attelaboides [L., 1758]).

A descrição da formiga-de-cotia diz que os dentes chegam a ser grande e ela sai

batendo os dentes assim (Seu E., 80 anos). Trata-se, possivelmente, da espécie Odontomachus haematodeus (L., 1758), que possui mandíbulas compridas em forma de pinças; quando

perseguida, bate uma mandíbula na outra, produzindo estalo característico (SANTOS, 1985). Representantes do gênero encontram-se espalhados em diferentes partes do país e recebem nomes populares associados à morfologia mandibular: bate-bico, formiga-tesoura, porta- pinças, formiga-estralo, estrela-estrela, folha seca, taracutinga, entre outros (LENKO; PAPAVERO, 1996).

As etnoespécies formiga-de-cão e formiga-rabo-quente provavelmente pertençam ao gênero Eciton, uma vez que sua descrição diz que são formigas que caminham pela estrada. Sabe-se que as formigas da subfamília Dorylinae, principalmente do gênero Eciton, são carnívoras, errantes e ficam pouco tempo em seus ninhos (BUZZI, 1994).

Uma importância inusitada das formigas refere-se à ausência de vulcanismo no Brasil:

O Brasil não tem vulcão por causa da formiga. Diz que é porque aqui tem muito buraco de formiga. Quer dizer que o ar da terra fica saindo. Isso é meu povo mais velho que falava

6.3

O

S

M

ORADORES DO

P

OVOADO DE

P

EDRA

B

RANCA E OS

I

NSETOS

:

A

SPECTOS

C

OMPORTAMENTAIS

.

Esta seção discute o modo como os habitantes da região da Serra da Jibóia se comportam em relação aos insetos no que diz respeito aos usos que a população faz, tratando particularmente das seguintes interações: medicinal, alimentar, estético-decorativa, mágico- ritualística e lúdica. Outras formas de interação, como o uso de insetos e/ou seus produtos como cosméticos, como isca para peixes, para vedar utensílios e para tratar cachorros de caça, também são observadas.

De um modo geral, o potencial de utilidade de animais e plantas como recursos depende da interação de um sem número de fatores: propriedades biológicas, físicas e químicas dos animais disponíveis; necessidades humanas, biológicas e culturais; a percepção que os indivíduos têm de seu ambiente social e natural; a subsistência do sistema; demografia; estratégias econômicas; posturas político-econômicas; aspectos históricos; crenças de cura e enfermidades (ALCORN, 1981).