• Nenhum resultado encontrado

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1 O S M ORADORES DO P OVOADO DE P EDRA B RANCA E OS I NSETOS :

6.3.3 Insetos e Atividades Lúdicas

Os meninos pegam cigarras para brincar. Dona E., 63 anos.

Os insetos são envolvidos, direta e indiretamente, em diferentes atividades lúdicas: cantigas de roda, cantigas para colher produtos da roça, estórias e brincadeiras (ver Apêndices). Essas atividades são transmitidas transgeracionalmente e foram lembradas com nostalgia pelos indivíduos das gerações mais velhas. A Tabela 17 traz os insetos que têm importância lúdica no povoado de Pedra Branca.

Muitas das atividades lúdicas envolvendo insetos são aprendidas no ambiente escolar ou através da televisão. Em geral, as crianças pegam os insetos e os amarram pela “cintura” (na divisão entre o tórax e o abdome) com um barbante fino, mas resistente. Uma brincadeira de roda que envolve a barata foi descrita da seguinte maneira: A barata voou, voou, entrou na

boca de J. Na boca de J. não. Na boca de I... Aí vai trovando de um pro outro né? (Dona V.,

Tabela 17. Insetos envolvidos em atividades lúdicas no povoado de Pedra Branca, município de Santa Terezinha, Bahia.

Nome local/ Pista taxonômica Observações Besouros

Coleoptera

As crianças amarram um cordão nos besouros, especialmente nos grandes escarabeídeos.

Borboletas Lepidoptera

As crianças fazem um tipo de rede entomológica (“coadorzinho”) para capturar borboletas, soltando ou jogando os indivíduos capturados naquelas crianças que têm medo de borboleta.

Bule-bule Sphingidae

Onde fulano tá? Aí ele mostra o lugar que a pessoa tá. Ele balança a cabeça pra lá e pra cá, né? E tem vez que dá certo, viu? (Dona E., 66 anos).

Cigarras Cicadidae

Os meninos pegam cigarras para brincar (Dona E., 63 anos).

Formiga-jeje Ponerinae

Os meninos tiram a bundinha e jogam isso nas pessoas. Ainda continua ferroando (V., 17 anos).

Gafanhotos Acrididae

As crianças amarram um cordão nos gafanhotos.

João-bobo

(= Piolho-de-urubu, Tatuzinho) Coleoptera

Colocava palito no buraco para tirar ele de dentro (V., 17

anos).

Lagartas Lepidoptera

Os meninos enchem uma seringa com água e colocam dentro das lagartas até que elas pocam (Dona N., 33 anos).

Mangangás Hymenoptera

Quando era pequeno gostava de jogar pedra nos mangangás. Às vezes, até perdia a hora da escola (Seu P., 54 anos).

Cont.

Nome local/Pista taxonômica Observações Marimbondos

Vespidae

As crianças jogam pedra nos marimbondos (Seu C., 32

anos). Tanajura

Atta spp.

Aqui a meninada pega pra brincar. Enfiavam um pau (na bunda) pra ela rodar (Dona M., 55 anos).

Vaga-lumes Lampyridae

A gente pega e passa aquela luz assim na parede. Fica de noite, fica brilhando. Faz nome. A gente pega assim na cabeça e faz e risca assim. Aí fica brilhando de noite. Ali na Igreja mesmo, a gente faz um bocado. Aí quando chove tira. Tira a luz. Aí fica só a marca (A. C., 11 anos).

Colocava dentro de uma vasilha para ver ele acendendo

(V., 17 anos).

As pupas de mariposas da família Sphingidae são denominadas de bule-bules (Fig. 17). Essas pupas, quando encontradas, são utilizadas em uma brincadeira de adivinhação para localizar um determinado lugar ou para saber o paradeiro de determinada pessoa, fazendo-lhes perguntas enquanto são mantidas entre os dedos: Bule-bule, pra que lado vou morar? Pra que

lado foi? Pra onde eu vou? Aonde é a Bahia? Aonde é Castro Alves? Onde fulano tá? A pupa

então se move em decorrência da constrição sofrida, “respondendo” às perguntas. No estado de Alagoas, crianças e adultos seguram as “baías” (nome local das pupas) entre os dedos e também formulam perguntas de adivinhação, tais como: “Baía, baía, o terreno é para lá ou para cá?” (COSTA-NETO, 1994). Em algumas localidades do Brasil, a pupa é explicitamente conhecida como adivinhão (LENKO; PAPAVERO, 1996). No Japão, a expressão “Dottchi,

dottchi” é gritada em uma brincadeira semelhante com uma pupa. Dottchi significa “Qual é a direção?” (NONAKA, 1996).

Fig. 17. Bule-bule, pupa de Sphingidae comumente empregada nas atividades lúdicas.

Quando não são comidas, as tanajuras viram objeto de brinquedo para as crianças do povoado: Enfiam um palito na bundinha da formiga para ela ficar girando (Dona C., 33 anos). Essa moradora disse que, quando era criança, brincava com todos os insetos que encontrava, como as cigarras. Hoje, quem brinca com esses insetos são seus filhos. Ao final, os insetos freqüentemente terminam mortos. Ela tem um sobrinho de menos de dois anos de idade que foi apelidado de “maníaco das cigarras” porque acaba matando os insetos com os quais brinca.

Foram registradas sete estórias cujas personagens são insetos. Essas estórias podem ser consideradas como contos etiológicos, pois explicam (embora não explicitamente) certas características morfológicas dos insetos envolvidos (ver Apêndices). Por exemplo, um conto explica o porquê dos marimbondos terem a “cintura” fina. (A “cintura” a que os entrevistados se referiram é o propódeo, uma estrutura que liga o tórax ao abdome.) Os contos sobre a

formiga e o digitório dos animais também explicam a “cintura fina” da formiga e do marimbondo. Registrou-se, ainda, uma terceira versão do conto sobre a cintura do marimbondo. Esta versão relaciona-se ao Evangelho popular. Já o conto que narra o casamento da carocha com o rato explica a cor negra da carocha; a estória da cigarra que estoura pelas costas tem diferentes versões. Há também um conto escatológico envolvendo besouros e uma variação de A formiga e a Cigarra, fábula de Esopo.

Em muitas culturas, os insetos são utilizados de maneira lúdica, como as lutas de grilos e de louva-a-deus, que se tornaram um jogo e um esporte muito populares para pessoas de todas as idades nos países orientais (PEMBERTON, 1990b); o comportamento do louva-a- deus, inclusive, deu origem a um sistema de luta do kung fu (BERENBAUM, 1995). Na Coréia do Sul, o besouro Cybister tripunctatus Oliv., 1759 (Dytiscidae) é utilizado em um tipo de jogo de roleta (PEMBERTON, 1999), enquanto que na China os insetos cantores, como grilos e esperanças, são tidos como animais de estimação, símbolos de prosperidade e também utilizados como brinquedos educativos (PEMBERTON, 1990a).

A borboleta figura entre os 25 animais símbolos do brasileiríssimo jogo do bicho, sendo interpretada como “moça casadoira” por sua beleza, inocência e jovialidade (DAMATTA, SOÁREZ, 1999).

Outras formas de obter diversão por meio de insetos incluem os circos de pulgas, as danças, como a dança da formiga tocandira (Paraponera sp., Formicidae) executada pelos índios Sateré-Maué (Amazonas), além da caça a insetos, como a caça às libélulas nas Ilhas Banda (POSEY, 1987). Na Papua Nova Guiné, grandes gorgulhos são usados como instrumentos musicais: a boca humana serve de caixa de ressonância para as vibrações das asas do inseto (MEYER-ROCHOW, 1978/1979). Canções de ninar com insetos não são muito comuns, mas existem (WEISS, 1938).