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6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1 O S M ORADORES DO P OVOADO DE P EDRA B RANCA E OS I NSETOS :

6.3.4 Utilização Estético-Decorativa

Aí, pegaram o chifre para fazer uma volta, pra botar um cacho de cabelo. Dona M. M., + 65 anos.

Alguns moradores de Pedra Branca costumam coletar insetos grandes e vistosos para servirem como peças decorativas, como é o caso dos escaravelhos denominados de besouros- de-chifre ou besouros-elefante (Dynastinae). O processo de conservação consiste em injetar álcool, acetona ou Bygon (inseticida) no corpo do inseto e deixá-lo secar ao sol, como explicou uma informante: Eles aplicam álcool. Dá uma furada com uma agulha com álcool e

mata. Aí bota pra secar. Eles não ficam fedendo. Aí faz o enfeite (Dona V., 54 anos). Depois

de seco, o besouro é pendurado diretamente na parede ou colocado em um quadro. Às vezes, o inseto é envernizado ou tem os élitros pintados: O pessoal bota pra enfeitar. Dá anestesia

nele. Ele morre e aí bota pra enfeite. Às vezes pinta. É usado como enfeite. Pega ele, enverniza e põe na parede (Dona M., 55 anos).

Alguns entrevistados sabem diferenciar os machos das fêmeas: O macho tem o chifre

pra cima (Seu J., 34 anos). De fato, os cornos dos machos são muito mais desenvolvidos

(BUZZI, 1994). Esses besouros habitam a Serra da Jibóia e são mais facilmente encontrados depois de um temporal: Besouro-de-chifre só cai em tempo de trovoada (Dona R., 55 anos). Talvez haja mesmo uma correspondência entre o aparecimento desses escarabeídeos e as chuvas torrenciais. Espécimes adultos do dinastíneo Podischnus agenor Olivier, 1789, que vivem na região da Serra do Perijá situada entre a Colômbia e a Venezuela, aparecem à noite em grande quantidade durante os primeiros meses da estação chuvosa (RUDDLE, 1973).

Foi dito que era costume decorar os presépios com besouros-de-chifre e outros elementos naturais locais (p. ex., conchas vazias, musgos, cogumelos e plantas) e deve haver alguém que ainda o faça. Além do efeito de decoração, a intenção era colocar medo nas crianças para que elas não mexessem nos presépios:

Aqui, época de Natal [...]. Acho que hoje não existe mais isso, mas antigamente fazia muito presépio. As pessoas usavam muitos inseto, muita coisa assim pra armar o presépio. Colocava, né? [...] colocavam (os insetos) como enfeite mesmo. Como a gente vai na mata pegar lenha e acha muita coisa lá, tipo insetos mesmo mortos. Então a gente traz pra casa porque acha interessante, acha bonito. Não é que tenha alguma utilidade. Pra gente não tem nenhuma. Só mesmo por boniteza. Muitas vezes nem conhece o tipo de inseto que encontra. [...] (Dona C., 33 anos).

Também era/é comum usar os chifres (= bicos, dentes ou ferrões) dos besouros em pulseiras, colares, chaveiros e relógios (Fig. 18). Na época em que as condições eram economicamente favoráveis, os indivíduos mandavam encastoar o chifre em ouro e usavam- no como uma jóia: O pessoal pegava o chifre e mandava encastoar em ouro e aquilo parece

que é envernizado, tão preto e não tem nada dentro não. É só aquela coisa que eu não sei como gera aquilo. Hoje eles não manda mais não porque ouro tá caro, mas naquele tempo era ouro! (Dona E., 82 anos).

Além dos besouros escarabeídeos, outros insetos e/ou seus produtos são utilizados para fins decorativos: casas puras (ninhos vazios) de marimbondos (Casa de marimbondo

serve de enfeite, Dona E., 52 anos); serra-paus grandes (Tem um tipo de serrador que parece um veludo, que é pintadinho, Dona C., 33 anos); gafanhotos (As pessoas também gostam de ter aquele gafanhotão verde em casa como enfeite, Seu J., 34 anos) (Figs. 19 e 20).

Fig. 19. Ninho de marimbondo (Epipona tatua) decoran- do a sala de uma das casas do povoado de Tabu- leiro de Pedra Branca.

Fig. 20. Exemplos de insetos utilizados como peças decorativas pelos moradores do povoado de Pedra Branca: Acrocinus longimanus (L., 1758) à esquerda, e Titanus giganteus (L., 1771), à direita.

O valor estético e ornamental dos insetos remonta à antiguidade. No Egito Antigo, buprestídeos eram tidos como objetos de beleza (colares, pingentes) e foram usados como amuletos (KRITSKY, 1991). Especialmente interessantes são as expressões artísticas nas quais os próprios insetos são o meio para a criação da arte. Na era vitoriana, era comum a confecção de quadros com espécimes mortos. Esta arte sobrevive hoje em dia através dos quadros decorativos feitos com diferentes espécies de borboletas (BUTLER, 1992). Em algumas partes do México, espécimes vivos de grandes cerambicídeos, pintados e atados a uma pequena corrente ou alfinete, são vendidos por ambulantes como um broche móvel (SOUTHWOOD, 1977). Há também o registro de que mulheres mexicanas costumavam se enfeitar com o elaterídeo Pyrophorus noctilucus (L., 1758) para as danças nos bailes (AKRE; HANSEN; ZACK, 1991). Os Asteca usavam elaterídeos como adorno (CURRAN, 1937). Carrera (1982) encontrou, no interior de Minas Gerais, uma série de broches confeccionados com besouros pertencentes às seguintes espécies: Polychalca (Desmonota) variolosa (Weber, 1801), um cassídeo; Eutimus imperialis (Forst., 1771), um curculionídeo; e Lamprocyphus

germani (Boheman, 1833), também curculionídeo.

O comércio de insetos pode ser uma fonte de renda alternativa para os moradores de Pedra Branca, ainda que ocasional: Tem gente (de fora) que compra até caro (Dona G., 48 anos). Artesãos de Salvador costumam comprar por cerca de R$ 2,00 cada. Um entrevistado disse que já coletou mais de 20 exemplares de besouros-de-chifre e os vendeu a um indivíduo que disse ser do IBAMA. Descobriu-se, depois, que se tratava de um traficante de drogas que utilizava os besouros para esconder a mercadoria sob os élitros. Por outro lado, a coleta excessiva de espécimes da natureza pode ameaçar determinadas espécies. Por isso, tanto a coleta controlada pelas populações humanas locais quanto a criação sustentável dos insetos poderiam ajudar a diminuir essa ameaça (CAVE, 2001). Tal criação sustentável dar-se-ia

através de sistemas de mini-criações em “fazendas”, uma técnica bem sucedida em Papua Nova Guiné com algumas espécies de borboletas (Ornithoptera spp.) (HOGUE, 1993).