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3.3 Da atuação do princípio da boa-fé objetiva

3.3.3 As funções do princípio da boa-fé objetiva

A doutrina vem atribuindo três funções ao princípio da boa-fé objetiva158: a primeira delas é a de cânone hermenêutico-interpretativo, em busca do efetivo conteúdo do negócio jurídico obrigacional; a segunda refere-se à função ativa, com a criação de deveres laterais de conduta exigíveis do devedor e mesmo do credor; e, por último, a função repressiva ou de controle, que impede o exercício inadmissível das posições jurídicas.

Como cânone hermenêutico-interpretativo, a boa-fé objetiva assume o papel de informar a interpretação em casos de ambigüidade ou contradição do programa contratual, tendo como objetivo precisar o exato conteúdo do contrato e de suas respectivas cláusulas e as efetivas obrigações impostas a cada um dos contratantes, informadas não somente pela autonomia privada ou pelas regras que sobre ela incidem, como também pelos valores admitidos pelo sistema. O objetivo desta compreensão é atingir uma relação obrigacional mais justa, com maior equilíbrio entre direitos e obrigações e que, ao mesmo tempo, atenda aos legítimos interesses dos contratantes, a fim de que sua função econômico-social seja cumprida.159

Quanto à segunda função da boa-fé objetiva denominada de “função ativa”, a doutrina costuma se referir à criação de deveres laterais de conduta exigíveis do devedor e do credor. Os deveres jurídicos decorrentes da boa-fé costumam ser definidos sob a nomenclatura generalista de deveres secundários, laterais, anexos, acessórios ou instrumentais, como tais qualificados como deveres imputados tanto ao credor quanto ao devedor, cuja fonte não é manifestação volitiva. A concepção de “obrigação como processo”, isto é, como um processo dinâmico de cooperação e lealdade entre as partes, é diretamente associada à incidência do

MARTINS-COSTA, Judith, op. cit., 1999; e FACHIN, Luiz Edson, coord. Repensando fundamentos do direito

civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

158 Nesse sentido, SILVA, Clóvis V. do Couto e, op. cit., p.54-55; NORONHA, Fernando, op. cit., p.427-428;

MARTINS-COSTA, Judith, op. cit., p.439; NEGREIROS, Teresa Paiva de Abreu Tiago de, op. cit., p.43. e s., entre outros.

159 Sobre este tema: MARTINS-COSTA, Judith, op. cit., p.427 e s.; NORONHA, Fernando, op. cit., p. 52-157;

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3.ed. Tradução José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p.423-424; SILVA, Clovis V. do Couto e, op. cit., p.54.; GODOY, Cláudio Luiz Bueno de,

princípio da boa-fé objetiva.160 Não se pode também olvidar que a boa-fé e os deveres anexos que ela impõe se estendem até depois do contrato, dando ensejo ao que se denomina responsabilidade pós-contratual, de pós-eficácia ou, na referência de Menezes Cordeiro161, de

culpa post pactum finitum, na sua visão simétrica da responsabilidade pré-contratual no

período pós-contratual.

Por fim, a doutrina costuma referir a função defensiva da boa-fé como limitação ao exercício de direitos subjetivos162. De fato, configura-se abusivo o exercício de determinado direito sem a observância da boa-fé. Nesse sentido, “o credor no exercício de seu direito, não pode exceder os limites impostos pela boa-fé, sob pena de proceder ilicitamente ou, pelo menos, antijuridicamente”.163 Aliás, pela clara dicção do artigo 187 do Código Civil164, considera-se o abuso de direito como ato ilícito.

Neste papel da boa-fé enquanto limitador de direitos subjetivos insere-se e destaca-se o estudo do adimplemento substancial, uma vez que este princípio serve como instrumento limitador ao princípio da autonomia da vontade. Como será visto a seguir, a substancialidade do adimplemento avaliada casuisticamente deverá ter em vista a função econômico-social perseguida pelo contrato. Na verdade, a fundamentação da teoria do adimplemento

160 Suas características foram exemplificadas por Judith Martins-Costa: “(...) (a) os deveres de cuidado,

previdência e segurança, como o dever do depositário de não apenas guardar a coisa, mas também de bem

acondicionar o objeto deixado em depósito, b) os deveres de aviso e esclarecimento, como o do advogado, de aconselhar o seu cliente das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a satisfação do seu desideratum, o do consultor financeiro de avisar a contra parte sobre os riscos que corre, ou do médico, de esclarecer ao paciente sobre a relação custo benefício do tratamento escolhido, ou dos efeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda na fase pré-contratual, o do sujeito que entra em negociações, de avisar o futuro contratante sobre fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial; c) os deveres de informação, de exponencial relevância no âmbito das relações jurídicas de consumo, seja por expressa disposição legal (CDC, arts. 12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31 entre outros), seja em atenção ao mandamento da boa-fé objetiva; d) o

dever de prestar contas, que incumbe aos gestores e mandatários, em sentido amplo; e) os deveres de colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto adimplemento da prestação principal, ao qual se

liga pela negativa, o de não dificultar o pagamento por parte do devedor; f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte, como, v.g., o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a fim de diminuir os riscos de acidentes; g) deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão do contrato ou de negociações preliminares”.

161 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Livraria Almedina,

1997, p.625.

162 A expressão “função defensiva” é de Clóvis V. do Couto e Silva, op. cit., p.55. A doutrina também utiliza as

expressões “limitador do exercício de direitos subjetivos” ou das “posições jurídicas” e “funções de controle”.