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Países da civil law: Itália, Portugal, Alemanha, França, Espanha e Argentina

3.2 Teoria do adimplemento substancial no Direito estrangeiro

3.2.1 Países da civil law: Itália, Portugal, Alemanha, França, Espanha e Argentina

Argentina

Primeiramente, cumpre destacar que estabelece o artigo 1.455 do Código Civil italiano que o contrato não pode ser resolvido se o inadimplemento de uma das partes tem escassa importância resguardado o interesse da outra. Nota-se assim que o Código Civil italiano contém dispositivo expresso que prevê a limitação da faculdade do credor de resolver o contrato no caso de inadimplemento de “escassa importância”.

Cumpre ao juiz, com fundamento neste artigo, e utilizando um critério de boa-fé objetiva, avaliar a gravidade do inadimplemento e o interesse concreto do outro contratante na exata e tempestiva prestação. Se este ainda tiver interesse na prestação defeituosa, não terá sido grave o inadimplemento. Somente será grave o inadimplemento nos casos em que a prestação defeituosa alterar sensivelmente o equilíbrio contratual, de modo a fazer com que a parte não inadimplente sofra sacrifício além do limite razoável, além dos riscos inerentes ao negócio. A doutrina italiana entende que cabe ao juiz analisar a gravidade do descumprimento ocorrido e somente haverá direito à resolução se o inadimplemento for grave, de modo substancial. Se o inadimplemento for de escassa importância só se faculta à parte requerer perdas e danos, bem como o cumprimento da prestação, caso ainda possível. 112

Assim, na Itália, se o caso concreto é de adimplemento substancial não há comprometimento do sinalagma contratual e, para ter sido reconhecido como substancial,

112 Sobre este tema ver: AULETTA, Guiseppe. Importanza dell’inadempimento e diffida ad adempire. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Guiffré, v.9, p. 655-676, 1955; COLLURA, Giorgio. Importanza dell’inadempimento e teoria del contratto. Milano: Giuffré, 1994; TURCO, Cláudio. L’imputabilità e l’importanza dell’inadempimento nella clausola risolutiva. Torino: G. Giappichelli Editore, 1997; ROPPO,

Vicenzo. Il contratto. Milano: Guiffré, 2001, p.961-962; PISCIOTTA, Guiseppina. La risoluzione per

apresenta interesse o credor assim como foi executado. Dessa forma, está-se diante do incumprimento de escassa importância, que veda o pedido de resolução no Direito italiano.

Já no Direito português, o artigo 802, nº 2, do Código Civil exerce função semelhante. Pela redação utilizada não parece haver dúvida de que a fonte de inspiração do legislador português foi o Código italiano de 1942. De acordo com o referido artigo, aplicável tanto à obrigação principal como acessória, o credor não pode, todavia, resolver o negócio se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância. Mario Julio de Almeida Costa, ao comentar este dispositivo, assevera que em Portugal foi disposta uma vedação clara à possibilidade do credor resolver o contrato “se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância”.113

Há ainda outro dispositivo no ordenamento jurídico português para nortear a aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial. Trata-se do artigo 934º. Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativa às prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário.

No Direito alemão, quando da reforma realizada no Direito das Obrigações do Código Civil Alemão (BGB) no ano de 2002,114 foi positivada regra expressa acerca da avaliação da gravidade do inadimplemento para o fim de possibilitar à parte lesada o desfazimento da relação obrigacional.

Dispõe o §323 (1) do BGB quanto à possibilidade de resolução nos contratos bilaterais pelo credor, quando o devedor não adimplir o contrato ou nos casos de adimplemento em desconformidade ao contrato, desde que o credor tenha fixado prazo apropriado ao devedor para o cumprimento da obrigação. Tem-se como premissa para a resolução do contrato o não adimplemento ou o adimplemento parcial. Denota-se, porém, que conforme o §323(2) do

113COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit., p.894.

114Sobre a reforma do direito das obrigações alemão, ver traduzido para o italiano: CANARIS, Claus-Whilhem.

La riforma del diritto tedesco delle obligazione. Tradução de Marcelo Farnetti e Sonja Heberl. Padova: Cedam,

BGB a fixação de prazo apropriado ao pedido de cumprimento da obrigação será dispensável quando: 1) o devedor objetar definitivamente e de forma inequívoca o cumprimento da obrigação; 2) o devedor não adimplir sua obrigação em conformidade ao termo contratual ou data avençada, tendo o credor determinado no contrato seu interesse no cumprimento pontual da obrigação; 3) sobrevirem condições especiais que, em consideração aos interesses das partes, justifiquem a imediata resolução contratual. 115

Assim, a resolução contratual por adimplemento somente será aceita pelo Direito alemão §323 (5) quando a parte não tiver interesse na parcialidade. Caberá, inversamente, a indenização por perdas e danos nos casos em que a função econômico-social do contrato, a despeito do cumprimento parcial do devedor, restar preservada. 116

“Tratando-se dos casos de adimplemento substancial, dispõe o §323(5) do BGB que, se o devedor não cumprir sua obrigação em conformidade ao contrato, não caberá ao credor resolução contratual, quando a lesão obrigacional for insignificante. O descumprimento de qualquer dever contratual por parte do contratante não poderá dar ensejo à resolução do contrato se esta não foi relevante ou se de algum modo não quebrar as expectativas da parte não inadimplente. O legislador alemão utiliza a expressão lesão do dever, com a intenção de deixar evidente que não se refere somente ao descumprimento da prestação principal, mas também de todo e qualquer dever decorrente da relação contratual, privilegiando assim a visão complexa da relação contratual. A disposição alemã se mostra inovadora em relação à italiana por referir-se ao descumprimento do dever, o que afasta as dúvidas existentes na doutrina italiana quanto à possibilidade ou não da aplicação da teoria em se tratando de prestações laterais ou acessórias. É sabido afinal que os deveres contratuais vão muito além da prestação principal, como já ficou assentado ao discorrer sobre a relação obrigacional complexa e obrigação como processo”.117

Na França, em casos de inadimplemento parcial ou de pouca gravidade, é permitido ao juiz beneficiar o devedor inadimplente com uma dilatação do prazo contratual. Rejeita-se

115 Adaptação livre transcrita em BUSSATTA, Eduardo Luiz, op. cit., p.43. 116

Idem, ibidem.

nesses casos, a resolução, cabendo somente o pedido de indenização, como previsto no artigo 1184 do Código Civil francês. Analise Becker anota, contudo, que “a jurisprudência francesa também exercita este poder em caso de inexecução parcial ou de pouca gravidade que proporcione ao credor o benefício essencial do contrato, no sentido de declarar a manutenção do contrato, rejeitando o pedido resolutivo, mediante pagamento de uma indenização. Isto em vista de a resolução ser concebida como sanção extraordinária ou subsidiária, o que explica que o juiz procure sauver contrat sempre que possível”.118

Ademais, no Direito e na jurisprudência espanhola há uma marcada tendência para a manutenção do vínculo contratual, pois se exige, para o êxito da ação resolutiva, um incumprimento substancial. No Código Civil espanhol, a resolução vem regulada pelo artigo 1124, o qual dispõe que o pedido de resolução é permitido diante do inadimplemento ou, se a parte adimplente preferir, poderá requerer o cumprimento da prestação, sendo possível em ambos os casos a indenização por perdas e danos.

Vivien Lys Porto Ferreira da Silva, citando Aurora Gonzaléz Gonzaléz119, disserta que a jurisprudência espanhola admite a ampla indenização por perdas e danos, na configuração do adimplemento substancial, porque se revelaria espinhoso ao juiz verificar e medir, minuciosamente, a gravidade do inadimplemento.120 Mario Meoro ensina que este critério é valorado pelo magistrado objetivamente, ao considerar “a objetiva importância econômica do incumprimento, e não a importância do incumprimento para o credor”.121

Adiciona-se a essas colocações que o Direito espanhol contempla o princípio da boa-fé

objetiva no artigo 7.1 do Código Civil122. Dessa forma, por meio de sua hermenêutica,

associada ao princípio acima aludido da conservação dos contratos, infere-se o reconhecimento da Teoria do Adimplemento Substancial, ainda que não positivada

118 BECKER, Anelise, op. cit., p. 67.

119 GONZALÉZ, Aurora González. La resolución como efecto del incumplimiento en las obligaciones

bilaterales. Barcelona: Bosch, 1987, p. 40-42.

120 SILVA, Vivien Lys Porto Ferreira da. Adimplemento substancial. Dissertação de mestrado. São Paulo:

Pontifícia Universidade Católica, 2006, p.57.

121 MEORO, Mario, op. cit., p. 254.

expressamente, admitindo-se a relativização do princípio do pacta sunt servanda diante do descumprimento mínimo da prestação.

Do mesmo modo que no Direito espanhol, não há no Direito argentino qualquer disposição legal sobre a gravidade do inadimplemento. Entretanto, tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm destacado que o incumprimento deve ser importante, de não escassa importância, grave, de grande magnitude123, uma vez que o contrato é orientado pelo princípio

da conservação124, bem como seria contrário à boa-fé contratual o exercício do direito

subjetivo de resolver o contrato em tais casos. Assim, apesar da falta de dispositivo legal específico, vige no direito argentino que somente o incumprimento grave é que dá causa à dissolução do vínculo contratual, com fundamento na boa-fé objetiva contratual, assim como no princípio da conservação do contrato.