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Países da common law: Inglaterra e Estados Unidos da América

3.2 Teoria do adimplemento substancial no Direito estrangeiro

3.2.2 Países da common law: Inglaterra e Estados Unidos da América

Como visto supra125, a origem histórica e a construção da Teoria do Adimplemento Substancial foi criada na Inglaterra, baseada no sistema da common law, mormente a partir do precedente jurisprudencial relativo ao julgamento do caso Boone versus Eyre julgado por Lord Mansfield, em que se estabeleceram as diferenças existentes entre as cláusulas contratuais que consubstanciam obrigações envolvendo uma condition ou uma warranty.

Também foi assinalado supra que no Direito inglês vigora a teoria da substantial

failure in performance, de modo que apenas o incumprimento sufficiently serious permite o

exercício da resolução do contrato; nos demais casos só há espaço para a via das perdas e danos.

Mario Meoro entende que “nesse sistema, já não apresenta tamanha relevância ter o descumprimento ocorrido em relação às prestações interdependentes (conditions) ou

123 MIQUEL, Juan Luis. Resolución de los contratos por incumplimiento. 2.ed. Buenos Aires: Depalma, 1986.

p.139-141.

124 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos: parte general. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2004, p.

658.

acessórias, laterais (warranties), mas valoram-se principalmente a gravidade objetiva do descumprimento e os prejuízos que ele acarreta à economia do contratual. Assim, na common

law, o princípio geral é o da gravidade das conseqüências do inadimplemento”.126

No mesmo sentido Vivien Lys Porto Ferreira da Silva, após analisar precedentes do Direito inglês, conclui que “na atual estruturação do sistema inglês o adimplemento substancial existe, é aplicável, diante da execução da maior e mais importante parte da prestação em contrapartida ao descumprimento de parte mínima da obrigação satisfazendo substancialmente os interesses do outro contratante, excluindo-se a noção falaciosa de que para a realização do pagamento, o cumprimento integral é condição para a realização daquele; bem como a concepção primária de que apenas a quebra material de uma condition seria causa para resolução, sendo que independentemente da natureza da obrigação, o que importa é a gravidade da violação gerada diante do programa contratual, analisado com um todo”.127

Já Anelise Becker sintetiza a questão asseverando que são parâmetros para a aplicação judicial na teoria no Direito inglês: a) a insignificância do inadimplemento, na medida em que o inadimplemento substancial consiste em um resultado deveras próximo do almejado que não chega nem mesmo a abalar o sinalagma nas prestações recíprocas; b) satisfação dos interesses do credor, o que importa dizer, o adimplemento, mesmo sendo inexato, mantém a utilidade normal do contrato ao credor; c) diligência por parte do credor, de forma que não se admite a aplicação da teoria para os casos em que o devedor se mostra não interessado no cumprimento da obrigação assumida.128 “A doutrina da substantial performance pretende a proteção e auxílio daqueles que leal e honestamente esforçaram-se em executar seus contratos em todos os particulares materiais e substanciais, de modo que seu direito à compensação não deva ser perdido em razão de meros defeitos ou omissões técnicas, inadvertidas ou não importantes”.129

126 MEORO, Mario, op. cit., p.272.

127 SILVA, Vivien Lys Porto Ferreira da, op. cit., p.36-37 128 BECKER, Anelise, op. cit., p.63-65.

Ainda segundo a referida autora, os efeitos da aplicação da teoria são a manutenção da relação contratual e o envio do credor à demanda de cumprimento cumulada, dependendo do caso, às perdas e danos que o descumprimento causou.130

Diante do exposto, infere-se que o Direito inglês não autoriza o desfazimento da relação contratual na hipótese do adimplemento inexato satisfazer os interesses do credor, tal como nos ordenamentos jurídicos da civil law acima delineados. Entretanto, verificado que o devedor não agiu de boa-fé, no sentido de que não agiu leal e honestamente, é direito do credor buscar a resolução do contrato, ainda que o inadimplemento seja de escassa importância.

Deve-se ressaltar, ainda que sumariamente, a Teoria do Adimplemento Substancial no Direito dos Estados Unidos da América, cujo sistema jurídico também se apresenta construído com fundamento na common law, calcado em precedentes judiciais, complementados por leis e regulamentos.

Apesar de cada Estado possuir seu próprio regramento em matéria de contratos, o sistema jurídico norte-americano codificou o Uniform Comercial Code, que estabelece as diretrizes fundamentais da matéria. Segundo a seção § 1-201 (11), o contrato significa a obrigação legal que resulta de um acordo entre as partes, conforme disposto por este

Instrumento ou qualquer outra lei aplicável131, o que confere ao contrato o caráter

obrigacional ao mútuo acordo entre as partes, ficando ainda adstrito à norma cogente da boa- fé objetiva132, e ainda standards através dos quais as obrigações devem ser executadas.

O ponto principal na aplicabilidade da Teoria no Direito Americano diz respeito ao fato de que o UCC não contempla objetivamente os critérios de valoração da gravidade da inexecução da obrigação ou mesmo dos padrões do critério substancial de uma prestação. Por isso, a doutrina e os precedentes jurisprudenciais (court precedents) se debruçam sobre a

130 ibidem, p.65-66.

131 Tradução livre de: “Contract means the total obligation in law, which results from the parties’ agreement as

affected by this Act and any other applicable rules”. WHITE, James & SUMMERS, Robert S. Uniform commercial code, p.178.

formação do conceito de material breach disposto no §275 do UCC, para se atingir os critérios da conceituação de adimplemento substancial.

Vivien Lys Porto Ferreira da Silva, depois de uma profunda análise do sistema e das leis norte-americanas nesta matéria, lista as seguintes hipóteses para se verificar a extensão do adimplemento substancial no sistema norte-americano: “(i) ausência da prestação completa; (ii) benefício possível de ser extraído do adimplemento substancial; (iii) cumprimento insubsistente da prestação ou da preparação para executar o contrato; (iv) esforço da parte inadimplente a cumprir com a sua obrigação, visando o adimplemento regular do negócio; (v) culpabilidade da parte que descumpriu minimamente a prestação prometida; (vi) incerteza gerada a parte adimplente de que o restante do contrato não será mais cumprido.”133

Prossegue a autora afirmando que “se a extensão desses elementos for de proporção ínfima que não afete drasticamente o contrato como um todo, o contrato deve ser mantido, em razão da configuração do adimplemento substancial. É fato também que estes não são elementos precisos, necessitando de alguma valoração sob os pilares do princípio da boa-fé objetiva”.134

Acerca da questão da gravidade da violação no direito americano, fundado nos courts

precedents e na carga criativa de cada julgador (jugde-made law), Bernard Gilson explica que

a gravidade da inexecução, que justifica a resolução, nem sempre é aferida diante de uma única cláusula, mas, antes, em função do conjunto de obrigações de cada uma das partes. Assim, a resolução se justifica mais pela inexecução fatal do que pela violação de uma cláusula reputada essencial.135

Diante do exposto, é possível concluir que no Direito norte-americano a resolução do contrato está vinculada à desnaturação do contrato com um todo, independentemente da natureza da prestação inadimplida, que poderá ser acessória ou principal. O adimplemento substancial estará configurado se a violação do contrato não comprometer a manutenção do

133 SILVA, Vivien Lys Porto Ferreira da, op. cit., p.42. 134

idem.

135 GILSON, Bernard. Inexecution et résolution em droit anglais. Paris: Libraire Générale de Droit et de

programa contratual como um todo e se a valoração do inadimplemento for o minimamente impactante ao resultado pretendido pelas partes.

3.2.3 Direito Internacional: Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos