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AS GARANTIAS PROCESSUAIS: PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA

3 PECULIARIDADES DE UMA AUDIÊNCIA CRIMINAL: O DEPOIMENTO DE

4.1. AS GARANTIAS PROCESSUAIS: PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA

A preservação de referidos princípios diante da novel legislação é fonte incessante de discussão entre os operadores do direito.

4.1. AS GARANTIAS PROCESSUAIS: PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO

A estratégia do depoimento especial se revela como uma alternativa ao caminho da revitimização, assegurando o direito fundamental previsto pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no que tange à proteção integral e à observância ao melhor interesse da criança e do adolescente.

O objetivo da Lei é valorizar a criança e o adolescente como um sujeito de direitos, atentando para a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e que em razão disso carece de tratamento diferenciado. Contudo, quando se fala em processo penal, outros princípios devem ser considerados, que asseguram os direitos do suposto autor do fato.

Os princípios são a razão fundamental sobre a qual se discorre qualquer matéria. Tratam-se de proposições que servem de base abstrata ao direito, e como orientação ao juiz, constituindo-se todavia, como um limite concreto ao arbítrio judicial, devendo ainda pautar a garantia de que decisão esteja de acordo com o ordenamento jurídico. Guilherme de Souza Nucci dispõe:

Princípio jurídico quer dizer um postulado que se irradia por todo o sistema de normas, fornecendo um padrão de interpretação, integração,

58 DOBKE, Veleda. Abuso sexual: a inquirição de crianças – uma abordagem interdisciplinar. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001.

conhecimento e aplicação do direito positivo, estabelecendo uma meta maior a seguir.59

A Constituição Federal de 1988 estabelece princípios básicos e comandos gerais que legitimam a intervenção do Estado na vida das pessoas e quando adentra a seara penal, os princípios ganham ainda maior relevância, uma vez que afetam o direito à liberdade.

Ainda, na forma do inciso LIV do artigo 5º da Carta Magna que trata do processo legal, o legislador demonstrou de forma inequívoca a proteção à regularidade do processo, da jurisdição, garantindo desta feita em sede constitucional a imparcialidade do juiz, decorrendo dessa garantia os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Assim, o Princípio do Contraditório, derivado da frase latina Audi alteram

partem (ou audiatur et altera pars), que significa "ouvir o outro lado", ou "deixar o outro

lado ser ouvido bem”, implica na necessidade inafastável da dualidade de partes que, sustentando posições antagônicas, conferem ao tribunal ou ao juízo a devida instrução do processo e a respectiva decisão, que limita-se a julgar de forma imparcial as provas e fatos trazidos ao bojo dos autos na forma das alegações das partes.

Ainda como explica Fernando Capez:

Como se vê, o sistema processual penal, ao contrário do processual civil, que versa direitos em sua maioria disponíveis, exige a efetiva contrariedade à acusação, como forma de atingir os escopos jurisdicionais, tarefa que só é possível com a absoluta paridade de armas conferidas às partes. É por esse motivo que ao réu não habilitado não é permitido fazer a sua defesa técnica.60

O que se aduz é que o objetivo é convencer o juiz, onde acusação e defesa, desenvolvendo atividades equilibradas tem oportunizada uma participação ativa no processo, ou seja, é a defesa dos seus interesses no processo, consistindo essencialmente no direito de expor seus argumentos e apresentar provas ao órgão encarregado de decidir antes que a decisão seja tomada. Em resumo, é o direito à manifestação.

59 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 76.

60 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 79. Disponível em: https://universobh.files.wordpress.com/2014/02/curso-de-processo-penal-fernando-capez.pdf

Por sua vez, o Principio da Ampla Defesa é um direito fundamental da parte, sendo o “conjunto de meios adequados para o exercício adequado do contraditório” 61

A Ampla Defesa é garantia dada ao acusado no sentido de apresentar todas as provas lícitas que possam confirmar sua inocência.

Esses princípios permitem uma persecução penal justa e proba, garantindo a ambas as partes o exercício de todos os seus direitos, bem como o resguardo da segurança jurídica e a busca pela verdade real.

A técnica implementada pelo projeto depoimento especial é algo novo, desconhecido em algumas partes do Brasil, mas agora com a previsão legal deve ser analisada sobre sua conformidade com o ordenamento jurídico.

Assim, considerando tratar-se de uma medida nova, é possível que se suscite que a utilização da técnica proposta pelo depoimento especial afronte o princípio da ampla defesa e do contraditório e, consequentemente, o princípio do devido processo legal, uma vez que é sabido, não é comum a oitiva acontecer em local diferente de onde se encontram as partes, os serventuários e o próprio juiz, bem como a inquirição ser realizada por intermédio de outro profissional, que readequa as perguntas de maneira a torná-las mais compreensível pelas crianças, termos defendidos por Santos:

A validação dos testemunhos de crianças e adolescentes tem muito a ver com as condições oferecidas pelo sistema de justiça para que não sejam compreendidas somente do ponto de vista de sua capacidade cognitiva de relatar verdades ou mentiras , mas de forma integral, evitando-se sofrimentos adicionais a esses sujeitos por intermédio de administração eficaz.62

Contudo, antes mesmo da Lei entrar em vigor e diante das iniciativas de depoimentos sem dano que já vinham acontecendo em alguns juízos, os Tribunais de Justiça, bem como a maioria da doutrina, posicionam-se no sentido de não reconhecer a existência de afronta a princípio constitucional.

61 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e processo de

conhecimento. 8. ed. Salvador: Jus Podvim, 2007, v. 1.

62 SANTOS, Benedito Rodrigues dos; VIANA, Vanessa Nascimento; GONÇALVES, Itamar Batista.

Crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual: metodologias para tomada de depoimento especial. 1. Ed. Curitiba: Appris, 2017.

Décio Alonso Gomes63 acredita que não há ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e, consequentemente, do devido processo, pois o depoimento “consiste em técnica especial de inquirição da vítima ou da testemunha menor, com a direta participação das partes interessadas (logo, com ciência e oportunidade de reação)”, afirmando que a mudança na forma de inquirição dos infantes não é capaz de anular o ato, que será válido, desde que seja garantida, dentre outras exigências, “a perfeita audição, visão e comunicação com a vítima na sala especial, e entre os demais sujeitos que participam daquele ato, preservando-se a ampla defesa e o contraditório”64

Por sua vez, Luciane Potter65 pontua que que a finalidade da utilização da

metodologia alternativa é adequar valores e princípios fundamentais do processo penal, como a ampla defesa e o contraditório, com outros tão importantes como a dignidade humana, a prioridade absoluta e o melhor interesse, de modo a reduzir a revitimização sofrida por infantes e jovens na oitivas judiciais.

O Estado do Rio Grande do Sul, pioneiro na aplicação do depoimento possui vasta jurisprudência na área, já tendo enfrentado essa discussão sobre a ofensa dos princípios constitucionais do acusado.

Como exemplo tem-se o acórdão proferido no Mandado de Segurança de n. 70013658638, onde a Oitava Câmara Criminal do TJRS concedeu a segurança permitindo que fosse realizada a oitiva do infante sob os moldes do projeto depoimento especial, afirmando que esse não feria a ampla defesa ou contraditório.

Apenas um voto foi contrário, sendo que a maioria acompanhou o voto da relatora Fabianne Baisch, decidindo ser constitucional a utilização da referida técnica. A Desembargadora avaliou que:

[...] embora se reconheça a relevância do contato direto do magistrado com a vítima e a validade da comunicação não-verbal, na formação da livre convicção do julgador, há que considerar que a adoção do procedimento especial não inviabiliza o juiz, assim como o Ministério Público e a defesa, os quais assistirão o ato através de equipamentos de áudio e vídeo de tecnologia avançada, que interligam a sala de audiências com o local onde se encontra a vítima, de participarem ativamente da inquirição, formulando perguntas, a

63 POTTER, Luciane. Vitimização Secundária de crianças e adolescentes e políticas criminais de redução de danos. Revista de Ciências Penais. Ano 5, n. 8, p. 257-277, jan.-jun., 2008.

64 POTTER, Luciane et. al. Depoimento especial : por uma política criminal de redução de danos. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2010, p. 147.

65 ____. Depoimento especial : por uma política criminal de redução de danos. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2010, p. 49.

fim de elucidar eventuais pontos controvertidos; ao contrário, já que a entrevista será integralmente gravada em CD, que será anexado ao processo, possibilitando inclusive a visualização das reações apresentadas pelo ofendido durante o depoimento. 66

Concluiu afirmando que:

[...] Nestas condições, não se vislumbrando nenhum prejuízo pelo emprego desta sistemática, seja à acusação, seja à defesa ou à formação do livre convencimento do juiz, deve prevalecer aquele meio disponível que, a meu ver, revela-se mais hábil na proteção dos direitos das crianças e adolescentes, vítimas de abuso, e resguardo da dignidade, respeito e intimidade das mesmas.

Outro exemplo que pode ser colacionado é o da Apelação Crime n. 70033223439 no TJRS, onde, novamente foi confirmada a não ofensa à ampla defesa e ao contraditório pela utilização do depoimento especial. O relator, Des. Luís Gonzaga da Silva Moura, consagrou a constitucionalidade do depoimento especial, afirmando que “o método, em tese, não determina nenhum tipo de cerceamento, seja de defesa, seja de acusação, na medida em que as partes, através da ‘entrevistadora’ têm ampla liberdade de questionar o inquirido, podendo dirigir-lhe todas as perguntas que entender convenientes.”67

Vale ressaltar que o artigo 217 do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de que a inquirição seja feita por videoconferência ou, até mesmo, estando ausente o réu, desde que seja verificado que a presença deste possa causar “humilhação, temor ou sério constrangimento” no depoente.

Assim, ao que parece, não há que se falar em qualquer ofensa aos direitos do acusado ao optar-se por inquirir a criança ou adolescente em local diverso da sala de audiências, podendo-se assemelhar a inquirição por videoconferência. Tal atitude parece só beneficiar o processo, uma vez que evita a criança e adolescente de

66 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação. pedido de produção antecipada de prova. depoimento sem dano. extinção da medida cautelar. urgência não configurada. - preliminar de incompetência do jij. Matéria que não mais comporta discussões no âmbito dessa Egrégia Corte, que, em 16 de maio de 2011, nos autos do Incidente de Inconstitucionalidade n.º 70042148494 afirmou, em caráter definitivo, pelo seu Órgão Especial, a constitucionalidade da Lei Estadual n.º 12.913/08 e do Edital n.º 58/2008, emanado do Conselho da Magistratura (COMAG). - ação cautelar. produção antecipada de prova. Não-indicação de fundamento.... ACR: 70043963669 RS. Ministério Público e Elvidio Gustavo Neves Gonçlaves. Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira. DJ, 25 jan. 2012.

67 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação. crimes contra os costumes. Existência e

autoria comprovadas. Condenação confirmada. Reconhecida a continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Pena reajustada. Afastado o caráter hediondo dos delitos. apelo defensivo parcialmente provido. unânime. Apelação Crime Nº 70033223439. Ministério Público e M. P. Relator: Luís Gonzaga da Silva Moura. DJ, 11 out. 2011.

situações de revitimização e possibilita condições de fornecimento de informações mais fidedignas dos fatso objeto do processo.

Observa-se, ainda, que já existe doutrina e a jurisprudência que concordam que a técnica não ofende os princípios basilares do direito processual, mais do que isso, reconhecem sua importância na medida em pontuam a dignidade da pessoa humana e a prioridade absoluta no atendimento de crianças e adolescentes, efetivando, assim, a doutrina da proteção integral.

Por outro lado, há que se considerar que as inovações legais foram introduzidas como respostas institucionais para a proteção da criança e do adolescente e como forma de apoio e suporte a esses sujeitos, inovando a prática normativa no país, sendo inequívoco que toda mudança gera desconforto, entretanto, é necessário qualificar a utilização dos mecanismos práticos colocados à disposição sob o ponto de vista legal e interinstitucional de forma a garantir a proteção da criança e do adolescente, bem como a resolução do processo a contento com o consequente aprimoramento do sistema de justiça.

4.2. PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: PRESERVAÇÃO DE SEUS

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