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RIO GRANDE DO SUL – O ESTADO PRECURSOR DO DEPOIMENTO SEM

3 PECULIARIDADES DE UMA AUDIÊNCIA CRIMINAL: O DEPOIMENTO DE

3.3 RIO GRANDE DO SUL – O ESTADO PRECURSOR DO DEPOIMENTO SEM

DANO: METODOLOGIA APLICADA, RESULTADOS OBTIDOS

A 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, foi a precursora do depoimento especial, no ano de 2003, sendo o método, àquela época, denominado “Depoimento sem dano”.

Segundo Daltoé Cezar, juiz titular à época, a razão da busca de mudanças deu-se com o objetivo de “procurar uma alternativa menos danosa para ouvir jovens vítimas de violência, especialmente sexual, nas intruções dos processos”.49

Benedito Rodrigues dos et al. Escuta de Crianças e Adolescentes em Situação de Violência Sexual

– aspectos teóricos e metodológicos. Brasilia : Universidade Católica de Brasilia, 2014, pág. 285.

48 SANTOS, Benedito Rodrigues dos; VIANA, Vanessa Nascimento; GONÇALVES, Itamar Batista.

Crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual: metodologias para tomada de depoimento especial. 1. Ed. Curitiba: Appris, 2017, pág. 305.

49 CEZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma

prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto

A conduta do magistrado em buscar mudanças no depoimento de menores vítimas deu-se pela sua experiência, negativa, ao ter que ouvir essas vítimas de violência sexual, seja pela inadequação ou despreparo, não possibilitando à vítima a condição necessária para que esta conseguisse prestar depoimento. Segundo o juiz, todas apresentavam um grande desconforto na sala de audiências. Daltoé afirmou que o resultado das audiências era:

Apenas mais um momento difícil para a suposta vítima de violência sexual, sofrimento esse não decorrente da violência que sofreu, mas de uma exposição inadequada perante o sistema de justiça (dano secundário)50”.51

Todo o sofrimento da vítima ainda resultava na liberação do provável autor da violência sem nenhum tipo de responsabilização.

Analisando o histórico de suas audiências antes do projeto, em especial o último caso que julgou no ano de 2002, quando decidiu buscar método alternativo para oitiva de vítimas de violência sexual, no seu entendimento, o juiz considera que o depoimento tradicional apresenta dois males decorrentes:

Aqui dois males decorrentes de uma prática vestusta e inadequada, prevista em nossa legislação processual penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, quais sejam, o sofrimento da vítima que não teve espaço adequado para falar de suas tristezas, e o sentimento de impunidade que provavelmente aflorou naquele jovem, o qual provavelmente praticou um ato infracional grave.”52

50 Vitimização secundária ou sobrevitimização ocorre quando a vitima procura os órgãos judiciais (polícia, Ministério Público, Judiciário) e ao ter que recordar os momentos do crime ao expô-lo para as autoridades judiciais, que muitas vezes a trata com falta de sensibiidade ou não estão preparadas para lidar com a situação, a sensação de constrangimento e humilhação que é submetida ao ser atacada, por exemplo, pelo advogado de defesa do delinquente, que joga a culpa do delito para ela, o reencontro com o agressor em juízo e até mesmo a realização do exame médico-forense faz com que seja caracterizada a vitimização secundária. MOROTTI, Carlos. Vitmização primária, seundária e

terciária. Disponível em: https://morotti.jusbrasil.com.br/artigos/210224182/vitimizacao-primaria-

secundaria-e-terciaria. Acesso em 25 set 2017.

51 CEZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma

prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto

Alegre, Livraria do Advogado, 2016.

52 ____. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto Alegre, Livraria do

O impasse que se apresentava ao magistrado era conseguir mudar a forma de colhida do depoimento das vítimas, garantindo-lhes uma forma mais acolhedora, mas que não interferisse na observância dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Ao tomar conhecimento de duas formas de inquirição utilizadas em outros países, buscou estudar de forma mais profunda e conhecer in loco os métodos que permitiam a escuta da vítima sem que a mesma necessitasse estar presente na sala de audiências. Os métodos estudados foram a videoconferência e a Câmara de Gesell. Tendo o juiz optado pela forma de videoconferência, pela estrutura física do Foro de Porto Alegre.

A primeira audiência por videoconferência ocorreu no ano de 2003, com equipamentos adquiridos de forma particular pelo juiz, pelo promotor de Justiça e a TV antiga por doação de terceiro.53

No ano de 2004, o então nominado “depoimento sem dano” adquiriu caráter institucional, após a apresentação do trabalho à Corregedoria Geral da Justiça do Rio Grande do Sul. A partir de então, foi autorizada a instalação de equipamentos mais modernos em Porto Alegre.

Os magistrados de outras Comarcas do Estado também começaram a buscar informações sobre o método, já utilizado em tantos outros países, retirando a criança ou adolescente da sala de audiências, um ambiente formal, e encaminhando- os para um ambiente mais acolhedor, lúdico, uma sala projetada especificamente para atendê-los de forma mais humanizada.

O depoimento consiste na designação de um profissional, psicólogo ou assistente social, (no caso do Poder Judiciário, já que são funcionários do órgão), que ficará responsável pela transmissão ao menor de perguntas elaboradas pelas partes e pelo magistrado, utilizando, este profissional, de uma linguagem adaptada para que o menor compreenda a pergunta.

A transmissão em tempo real pelo sistema de videoconferência permite às pessoas presentes na sala de audiências acompanhar todo o depoimento e interferir quando entenderem necessário. E a gravação da entrevista com o menor permite que

53 CEZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma

prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto

o relato seja revisto quando necessário, preservadas as normativas de sigilo do mesmo, conforme determina a Lei 13.431/2017.

Embora não seja um consenso, tendo recebido diversas críticas por parte de operadores do Direito e dos Conselhos Federais de Psicologia e de Assistência Social, já citados no capítulo anterior, o depoimento especial vem sendo implementado em diversos Estados, conforme consta em pesquisa elaborada pela Childhood Brasil:

Identificamos experiências em depoimento especial em 15 dos 26 Estados brasileiros e no Distrito Federal. Portanto verifica-se que um pouco mais da metade das Unidades da Federação (56%) possui pelo menos uma experiência de tomada de depoimento especial.54

Na referida pesquisa é possível conhecer as cidades que fizeram a experiência da tomada de depoimento especial, conforme o quadro a seguir: 55

54 SANTOS, Benedito Rodrigues dos; et al. Cartografia nacional das experiências alternativas de

tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes em processos judiciais no Brasil: o estado da arte. São Paulo : Childhood Brasil; Editora da Universidade Católica de Brasilia, 2013, pág.

46.

55 ______. Cartografia nacional das experiências alternativas de tomada de depoimento especial

de crianças e adolescentes em processos judiciais no Brasil: o estado da arte. São Paulo :

Segundo a pesquisa elaborada pela Childhood Brasil, a aplicação do método de depoimento especial é vista de maneira positiva pela maioria dos profissionais entrevistados: 56

56 SANTOS, Benedito Rodrigues dos; et al. Cartografia nacional das experiências alternativas de

tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes em processos judiciais no Brasil: o estado da arte. São Paulo : Childhood Brasil; Editora da Universidade Católica de Brasilia, 2013, pág.

Daltoé Cezar afirma que o retorno que recebeu de uma vítima de oito anos de idade, reforçou a certeza que tinha até então, de que:

O direito de ser ouvido adequadamente sobre quaisquer experiências, tristes ou não, não integra a legislação internacional por mero acaso, mas é positivo por expressar seu valor como ser humano, valorizar-lhe como pessoa.57

57 CEZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma

prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto

Mesmo encontrando pelo caminho críticas contra o depoimento especial de crianças e adolescentes, mesmo não havendo muitas pesquisas realizadas nessa área em nosso País, a adoção do método de escuta por tantas Comarcas, a recomendação do CNJ para a aplicação do depoimento especial e toda a experiência da aplicação em outros países é uma clara demonstração de que o método apresentou resultados positivos.

Não cessarão as discussões, por óbvio, mas que sejam estas para cada vez mais aprimorar o método e garantir a crianças e adolescentes a preservação de seus direitos e o tratamento digno a que devem ser submetidos, como seres em formação e detentores de direitos.

4 DEPOIMENTO ESPECIAL E O DEVIDO PROCESSO LEGAL

Neste capítulo, a abordagem será ao processo judiciário e às garantias processuais, tanto para o réu quanto para a vítima. Para Veleda Dobke, o devido processo legal traduz-se na regularidade do processo, da jurisdição, podendo ser entendido como as garantias constitucionais das partes, a imparcialidade do juiz, tendo como decorrências lógicas os também princípios constitucionais da ampla

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