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PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: PRESERVAÇÃO DE SEUS

3 PECULIARIDADES DE UMA AUDIÊNCIA CRIMINAL: O DEPOIMENTO DE

4.2. PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: PRESERVAÇÃO DE SEUS

A violência enquanto manifestação da humanidade vem sendo compreendida das mais diversas formas, nunca sob uma perspectiva precisa e bem delimitada, mas sempre sendo desenvolvida com comparações e analogias sendo facilmente associada à força física, ao abuso corporal, ao embate com ou sem o uso de utensílios como armas, a coação moral, entre tantas outras formas comparativas. A violência também pode ser entendida como o cerceamento de direitos, o impedimento de liberdades. Assim, quando se fala proteção à criança e ao adolescente e na preservação de seus direitos estamos falando na preservação quando já tiveram seus direitos vilipendiados quando vitimados ou ainda quando testemunharam algo que sua maturidade não é capaz de entender, mas todos somos sabedores que o Estado ou a família falhou em protegê-lo. Cuida-se agora de tratar da proteção na situação pós violência.

Dentre os diversos recortes sob os quais a violência pode vir a ser discutida, quando o tema dialoga com a área da infância, as dimensões são diferenciadas e devem ser tratadas como tal, uma vez que a condição de

vulnerabilidade da criança e do seu peculiar status de desenvolvimento, demandou uma posição legislativa destacada nos dispositivos 227 da Constituição da República Federativa do Brasil e no artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

É natural que as crianças e os adolescentes, dadas suas peculiaridades e condições especiais, como o desenvolvimento incompleto e o estado de formação e vulnerabilidade em que se encontram, merecem garantias e direitos com o intuito de serem integralmente protegidas, conforme assevera a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Considerando este dois tópicos de extrema relevância, é que o depoimento especial deve firmar o objetivo de evitar ou ao menos diminuir a revitimização e alterar a forma com a qual esse grupo de pessoas é ouvido perante o sistema judicial.

O Estado se utiliza do processo penal para exercer o jus puniendi, uma vez que não é permitida a aplicação imediata de qualquer sanção sem o devido processo, de forma a assegurar a aplicação da lei penal ao caso concreto, resguardando-se os direitos e garantias do acusado.

É necessário ter em vista, também, que as crianças e adolescentes tem direitos e garantias específicos, uma vez que são abrangidos pela doutrina de proteção integral, a qual é assegurada pela Constituição Federal e pelo ECA. Isso se dá em razão, principalmente, do já mencionado estado de formação e, consequentemente, de vulnerabilidade que eles se encontram e, portanto, devem ser tratados de maneira diversa dos adultos, que estão na plenitude de suas capacidades. A proteção integral salvaguardada tem respaldo no artigo 227 da Constituição Federal, o qual dispõe que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.68

Em complemento ao dispositivo constitucional, há o parágrafo único, do artigo 4º, do ECA, nos termos:

68 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Art. 4º [...] Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.69

Diante disso, cabe ao Estado, na questão ora analisada, garantir a criança e ao adolescente o direito à dignidade e ao respeito e os proteger da exploração e por vezes, da opressão, a que são submetidos no âmbito investigatório e judicial, nos delitos em que figura como vítima, haja vista que não raro ainda são tratados como objetos processuais e meios de prova, causando a temível vitimização secundária. Nesse sentido, explana Trindade:

(...) aos operadores do direito cabe uma tarefa árdua: saber lidar com a criança vitimizada, de forma profissional e consciente, buscando evitar a ocorrência do segundo processo de vitimização, que pode acontecer nas delegacias, no conselho tutelar e mesmo nas instâncias administrativas da justiça, quando da apuração do evento delituoso provoca na vítima chamados danos secundários e que, segundo a psicologia, poderiam ser tão graves quanto o próprio abuso sexual sofrido.70

Considerando-se essa condição especial o ideal fosse a existência de mecanismos preventivos suficientes e eficazes a evitar esta espécie de situação, sendo que as sanções deveriam como forma pedagógica, expressar uma perda ao agressor, responsabilizá-lo pelos danos causados à vítima e evitar que os cause à sociedade como um todo, sendo que esta responsabilização devidamente apurada em um processo judicial, no qual deve ser proporcionado o direito ao contraditório e a ampla defesa aos agentes envolvidos e possibilitada a produção de provas por ambos os polos do processo.

Assim, quando se fala em produção probatória, os relatos das vítimas são de fundamental importância para a apuração processual e quando a vitima ou a testeminuha é uma criança ou um adolescente a questão fica mais complexa, carecendo, até a chegada desta Lei, de um sistema processual específico, contando com pessoas preparadas para o mister, ao contrário do que se vê hoje nos Fóruns onde não se aplica o depoimento especial: um ambiente em que é realizada a escuta

69 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei

nº 12.594/12 SINASE. Paraná:CONSIJ, 2013

70 TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora, 2014, p. 494.

– a sala de audiências – não favorece que a criança ou adolescente se sinta à vontade para relatar o fato ocorrido, o que acarreta na falta de condições para que estes prestem relatos minimamente coesos e admissíveis a corroborar com o deslinde processual, bem como tal situação acaba por revitimizálos de forma secundária, diante da nova situação traumática a que são submetidos. Sobre essa influência que os operadores do direito podem exercem sobre a criança ou adolescente, já fragilizados, preconiza o autor Trindade:

[...] Como mostram as experiências do dia a dia, as vítimas, notadamente inocentes, além de se depararem com as consequências negativas da situação que as atingiu – que constitui a denominada vitimização primária – podem sofrer um segundo processo de vitimização, dependendo do tipo de abordagem.71

Ademais, como sujeito de direito que é, é garantia da criança ou adolescente ser ouvida nos processos judiciais que lhe dizem respeito, deixar de ouvi- la não caracteriza um meio de proteção e sim uma privação à justiça que lhe é devida pelo abuso sofrido. Nesse sentido dispõe o artigo 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança, recepcionada pela legislação brasileira através do Decreto-Lei nº 99.710, de 21 de novembro de 1990:

Artigo 12

1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança. 2. Com tal propósito, se proporcionará à criança, em particular, a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais da legislação nacional.72

Poupar uma criança ou adolescente que tenha sido vítima ou testemunha de um crime do constrangimento de se expor a questionamentos que venham a reavivar memórias que somente o esquecimento ou a elaboração destas pode minorar, é necessário para o seu desenvolvimento como pessoa e além disso, é

71 TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora, 2014, p. 492.

72 BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm> Acesso em: 26 jun 2017.

garantia prevista na Constituição Federal, Convenção Internacional dos Direitos da Criança e no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente.

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