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O depoimento especial em face da Lei nº 13431/2017

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O DEPOIMENTO ESPECIAL EM FACE DA LEI Nº 13431/2017

Palhoça 2017

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O DEPOIMENTO ESPECIAL EM FACE DA LEI Nº 13431/2017

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Cristiane Goulart Cherem, Msc.

Palhoça 2017

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O DEPOIMENTO ESPECIAL EM FACE DA LEI Nº 13431/2017

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 18 de novembro de 2017.

_________________________________________ Prof. e orientador Cristiane Goulart Cherem, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina _________________________________________

Profa. Sâmia Mônica Fortunato, Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina _________________________________________

Prof. Gabriel Henrique Collaço, Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina

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O DEPOIMENTO ESPECIAL EM FACE DA LEI Nº 13431/2017

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça, 18 de novembro de 2017.

_________________________________________

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A Carlos Eduardo, meu marido e parceiro e à minha amiga Melissa Diaz, pelo auxilio, paciência nas minhas lamentações e incentivo para que não desistisse nos momentos de desespero. À minha mãe Elza pelas orações, preocupações e palavras de conforto. Às minhas irmãs pela solidariedade e a meu pai, que partiu durante essa jornada. À espiritualidade amiga, que iluminou minha mente nos momentos de escuridão.

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ser o que devo ser.

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O presente trabalho refere-se a uma breve análise da Lei 13.431/2017, que estabelece medidas de assistência e proteção à criança e ao adolescente, vítimas ou testemunhas de crimes de violência. Primeiramente será realizada uma abordagem dos principais aspectos da Lei quanto ao depoimento especial, apresentando a nova proposta de aplicabilidade do método, a interdisciplinaridade dos profissionais que atuarão no depoimento especial, as especificidades do local de colhida do depoimento, a transmissão por vídeo conferência para a sala de audiências, e principalmente, o respeito aos direitos do menor e a preservação e a garantia de atendimento humanizado para a criança ou adolescente a ser ouvido, preservando-a de qualquer contato com o réu. Para que se possa compreender o depoimento especial, será apresentada a metodologia atualmente utilizada para sua colheita. Verificará a efetiva redução de dano, sua eficácia e influência no resultado do processo legal, e se tal colheita de depoimentos infringe ou não os princípios basilares do processo.

Palavras-chave: depoimento especial. Revitimização. Lei 13.431/2017. Crianças e adolescentes.

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CDC/ONU - Convenção Sobre os Direitos da Criança CFESS - Conselho Federal do Serviço Social

CFP - Conselho Federal de Psicologia CNJ – Conselho Nacional de Justiça

CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

EC – Entrevista cognitiva

ECA – Estatuto da Criança de do Adolescente

ECOSOC - Conselho Econômico e Social das Nações Unidas

ENFAM - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público –

TJ - Tribunal de Justiça

TJDFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

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1 INTRODUÇÃO ... 9

2 A LEI 13431/2017 ... 11

2.1 HISTÓRICO NORMATIVO DO DEPOIMENTO ESPECIAL ... 11

2.2 O QUE PROPÕE A LEI 13431, DE 2017 SOBRE O DEPOIMENTO ESPECIAL14 2.3 ANÁLISE DO TÍTULO III – ARTIGOS 7º A 12º DA LEI 13431/2017 ... 16

2.3.1 A proposta de depoimento especial trazida pela nova Lei ... 19

2.3.2 Procedimentos a serem seguidos para a oitiva ... 20

2.4 O AMBIENTE DO DEPOIMENTO ESPECIAL ... 20

2.5 AS ETAPAS DA ENTREVISTA COGNITIVA ... 22

3 PECULIARIDADES DE UMA AUDIÊNCIA CRIMINAL: O DEPOIMENTO DE MENORES VÍTIMAS/TESTEMUNHAS DE CRIMES DE VIOLÊNCIA. ... 24

3.1 VISÃO INTERDISCIPLINAR ENTRE A PSICOLOGIA E O DIREITO PARA A APLICAÇÃO DO DEPOIMENTO ESPECIAL. ... 25

3.2 A METODOLOGIA ATUALMENTE APLICADA PARA A REDUÇÃO DOS TRAUMAS ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS OU TESTEMUNHAS DE CRIMES DE VIOLÊNCIA. ... 28

3.3 RIO GRANDE DO SUL – O ESTADO PRECURSOR DO DEPOIMENTO SEM DANO: METODOLOGIA APLICADA, RESULTADOS OBTIDOS ... 32

4 DEPOIMENTO ESPECIAL E O DEVIDO PROCESSO LEGAL ... 39

4.1. AS GARANTIAS PROCESSUAIS: PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO ... 39

4.2. PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: PRESERVAÇÃO DE SEUS DIREITOS ... 44

4.3. O DEPOIMENTO ESPECIAL E O RESULTADO PROCESSUAL ... 48

5 CONCLUSÃO ... 52

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1 INTRODUÇÃO

O tema refere-se à Lei 13.431/2017, que cria mecanismos para prevenir e coibir a violência física, psicológica, “bullying”, alienação parental, exposição a crime violento, violência e/ou abuso sexual, exploração sexual e tráfico de pessoas. A proposta da Lei é tornar menos traumática para a vítima/testemunha infanto juvenil o relato da situação de violência vivenciada/presenciada.

A violência contra crianças/adolescentes, em grande parte, ocorre de forma silenciosa, no ambiente intrafamiliar e longe dos olhos de quem poderia ou deveria garantir sua proteção.

O objetivo deste estudo é compreender o que propõe a Lei 13.431/2017, sua forma de aplicação e qual o resultado esperado. Assim como verificar se os dispositivos da Lei contemplam de forma efetiva a redução dos danos emocionais às vítimas de crimes violentos, em comparação aos procedimentos já adotados.

O Enfoque da pesquisa será quanto ao Título III – Da Escuta Especializada e do Depoimento Especial, atento aos direitos e garantias de que trata o artigo 5º, incisos V, VI, VII, VIII, IX, XI, XIV, e parágrafo único, quando do atendimento no andamento do Inquérito Policial e Processo Penal.

Se aplicadas as normativas, haverá um relato colhido de forma mais humana, com profissionais especializados, preparados para conferir à vítima/testemunha o suporte necessário, uma estrutura de atendimento também projetada para criar um ambiente reconfortador e menos impessoal a austero que as salas de audiência e cartórios policiais.

A importância da pesquisa está em analisar se a proposta atingirá o objetivo de evitar que o trauma seja constantemente relembrado e com isso aumentar o sofrimento e o dano psicológico à criança ou adolescente. O depoimento de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas, atualmente já é realizado buscando minimizar o trauma, inclusive seguindo a Recomendação nº 33/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que publicou uma orientação quanto aos procedimentos a serem seguidos. Porém, vários questionamentos e discordâncias, inclusive com recursos judiciais questionavam a aplicação do método, originado nas Varas da Infância e Juventude de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e disseminada para outros Estados. Para buscar entender qual será a contribuição do método proposto para a redução do trauma e não revitimização da vítima/testemunha, bem como para o

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andamento e resultado processual, a presente monografia utilizará o método comparativo, fazendo a observação e a comparação dos métodos atualmente utilizados para a escuta de menores e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, com a sistemática de depoimento especial proposta pela Lei 13.431/2017.

No primeiro capítulo, far-se-á uma análise do Título III da Lei 13.431/2017 sobre a oitiva especial e qual a proposta de depoimento especial que a nova lei apresenta. Também serão analisados os procedimentos a serem seguidos para a oitiva, quanto ao ambiente do depoimento especial e as etapas da entrevista cognitiva. A forma como ocorre o depoimento de menores vítimas ou testemunhas de crimes de violência em uma audiência criminal será o objeto do segundo capítulo. Será também abordada a visão interdisciplinar entre a psicologia e o Direito para a aplicação do depoimento especial, e as alternativas atualmente aplicadas para a redução dos traumas às crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de crimes de violência sexual. Por fim, um relato da metodologia aplicada e dos resultados obtidos no Rio Grande do Sul, Estado precursor do depoimento especial.

O terceiro capítulo terá como escopo a comparação entre o depoimento especial e o devido processo legal. Se serão mantidas as garantias processuais constitucionais da ampla defesa e do contraditório e ao mesmo tempo a preservação dos direitos da criança e do adolescente quanto à proteção. Finalizando o capítulo, qual a contribuição do depoimento especial para o resultado processual.

Ao final do trabalho, seguem as considerações sobre a contribuição da Lei 13.431/2017, no que se refere ao depoimento especial para a redução do trauma e da revitimização dos menores vítimas ou testemunhas de crimes de violência e a importância de se buscar garantir proteção e atendimento humanizado a crianças e adolescentes que estão em processo de afirmação.

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2 A LEI 13431/2017

A Lei 13.431/2017 veio para atender à necessidade de se melhorar a proteção à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência e para auxiliar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) na missão de garantir os direitos das crianças e adolescentes.

A novel legislação assegura a proteção aos direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, destacando a presença de direitos específicos à condição de vítima e testemunha. Para garantir tal proteção, o legislador buscou preservar a criança e o adolescente em situação de violência, determinando que em tais casos, será ele ouvido por meio da escuta especializada e do depoimento especial.

A preservação dos direitos da criança e do adolescente não é fato novo, pois já regrado em diversos países e acordos internacionais, como veremos através do histórico normativo a seguir apresentado.

2.1 HISTÓRICO NORMATIVO DO DEPOIMENTO ESPECIAL

O depoimento especial, da forma como atualmente vem sendo aplicado, teve sua primeira normatização no ano de 1989, com a Convenção Sobre os Direitos da Criança (CDC/ONU) sendo promulgada em 1990, em países que passaram a buscar uma forma de melhorar o atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência, especialmente de violência sexual.

O artigo 12 da CDC/ONU1, oferece as bases legais ao direito da criança de

ser ouvida em juízo e de sua opinião ser levada em consideração. Garantia de expressão e de ser ouvida em todo processo judicial a que faça parte, como pessoa de direitos que é, tendo estes respeitados, assim como tem o adulto.

Em 2005, foi aprovada a Resolução nº 20/2005, do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), e através desta resolução foram delineados os parâmetros internacionais para a aplicação de metodologias alternativas de oitivas de crianças e adolescentes referentes a assuntos relativos às suas participações em

1 BRASIL. Decreto-Lei nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Diário oficial da União, Brasilia, DF, 22 nov.1990.

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processos de investigação de crimes de violência sexual, onde tenham sido vítimas ou testemunhas, apresentando princípios e definições operacionais e especificando os direitos de crianças e adolescentes nestas circunstâncias, oferecendo elementos para sua implantação.

Os princípios estabelecidos são: dignidade, não discriminação, interesse superior, proteção, desenvolvimento harmonioso e participação. Os direitos especificados são o de tratamento digno e compreensivo; proteção contra a discriminação; informação; escuta e liberdade de expressão de opiniões e preocupações; assistência eficaz; privacidade; proteção contra sofrimentos durante o processo judicial; segurança; reparação; e medidas protetivas.

Também na Resolução, há a recomendação de limitar o número de entrevistas forenses por meio da aplicação de procedimentos especiais para obter evidências de crianças ou adolescentes vítimas ou testemunhas de delitos, a fim de reduzir o número de entrevistas, de declarações e todo contato que seja necessário ao processo judicial, utilizando-se, por exemplo, a gravação de vídeo.

O objetivo da Resolução foi de ajudar os Estados Membros a adaptar as suas legislações em matéria de assistência e proteção de crianças e adolescentes vítimas de crimes, uniformizando tais legislações.

Objetivo já constante na Constituição Federal do Brasil de 1988, que em seu artigo 227, determinava a garantia e preservação de direitos à crianças e adolescentes, de forma ampla e com prioridade.2

Buscando garantir proteção semelhante, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seus artigos 28, § 1º; 100, inciso XII; 150 e 151, já definia a oitiva por equipe interprofissional; obrigatória para a criança e adolescente, assistidos ou não por responsável legal, tendo sua opinião considerada pelo juiz e também estabelecendo as competências da equipe interprofissional.

No ano de 2003, a Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, após pequisas e busca de informações, passou a utilizar o depoimento especial, à época denominado “Depoimento sem dano” para a oitiva de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes3, baseando-se para a implantação do

2BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

3 CEZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma

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método, nas informações e dados fornecidos pela Childhood Brasil, braço da organização mundial Childhood (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – Oscip) que atua para garantir a proteção de crianças e adolescentes.4

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Recomendação nº 33, de 23 de novembro de 2010, recomendando aos tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Foi uma demonstração de reconhecimento pelas experiências em depoimento especial já aplicados pelos país, baseados na experiência dos tribunais do Rio Grande do Sul.

A Recomendação 33/2010 do CNJ reafirma um compromisso institucional pela mudança de comportamento judiciário em relação a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes, prevendo as estratégias a serem aplicadas, como a implementação do sistema de videogravação:

I – a implantação de sistema de depoimento vídeogravado para as crianças e os adolescentes, o qual deverá ser realizado em ambiente separado da sala de audiências, com a participação de profissional especializado para atuar nessa prática;5

Sobre o ambiente onde se dará a coleta do depoimento, a sugestão é de que “o ambiente deverá ser adequado ao depoimento da criança e do adolescente assegurando-lhes segurança, privacidade, conforto e condições de acolhimento.”6

Quanto à capacitação dos coletores do depoimento, recomendam que “os participantes de escuta judicial deverão ser especificamente capacitados para o emprego da técnica do depoimento especial, usando os princípios básicos da entrevista cognitiva.”7

DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto

Alegre, Livraria do Advogado, 2016.

4 CEZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma

prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto

Alegre, Livraria do Advogado, 2016.

5

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação Nº 33 de 23/11/2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=1194>. Acesso em: 05 ago. 2017

6 _____. Recomendação Nº 33 de 23/11/2010. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=1194>. Acesso em: 05 ago. 2017

7 _____. Recomendação Nº 33 de 23/11/2010. Disponível em:

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Sobre o tratamento ofertado à criança antes do depoimento, durante o seu acolhimento:

III – o acolhimento deve contemplar o esclarecimento à criança ou adolescente a respeito do motivo e efeito de sua participação no depoimento especial, com ênfase à sua condição de sujeito em desenvolvimento e do conseqüente direito de proteção, preferencialmente com o emprego de cartilha previamente preparada para esta finalidade.8

Sobre o andamento processual e a celeridade da tomada de depoimento:

V – devem ser tomadas medidas de controle de tramitação processual que promovam a garantia do princípio da atualidade, garantindo a diminuição do tempo entre o conhecimento do fato investigado e a audiência de depoimento especial.9

Finalizando a normatização e aplicação do depoimento especial, que tem como objetivo oferecer metodologias para que crianças e adolescentes possam ser ouvidas pelo sistema de segurança e justiça de maneira diferenciada e protegida, temos a Lei 13431/2017, objeto de estudo desta monografia, que chega para definir a forma de inquirição de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência. 2.2 O QUE PROPÕE A LEI 13431, DE 2017 SOBRE O DEPOIMENTO ESPECIAL

O depoimento especial consiste no procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência pela autoridade policial ou judiciária. Com uma proposta de acolhimento, o depoimento especial propõe a utilização de um ambiente menos formal, onde o menor sinta-se mais confortável para relatar ao entrevistador os fatos da violência vividos ou presenciados. As perguntas devem ser elaboradas com uma linguagem adequada à faixa etária do entrevistado e este relata os fatos livremente, sendo efetuada a transmissão ao vivo para a sala de audiências, onde encontram-se as demais pessoas envolvidas, não havendo nenhum contato entre a vítima e o réu. Por ser gravado, o depoimento é tomado uma única vez, evitando assim a revitimização.

8

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação Nº 33 de 23/11/2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=1194>. Acesso em: 05 ago. 2017.

9 _____. Recomendação Nº 33 de 23/11/2010. Disponível em:

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De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a sala de depoimento especial para crianças não se resume apenas a um espaço físico amigável, mas sim a uma nova postura da autoridade judiciária, com a colaboração de profissionais de outras áreas (psicólogos, assistentes sociais e outros) capacitados em técnicas de entrevista forense.10

Sancionada em 04 de abril de 2017, ainda em Vacatio Legis, a lei 13.431/17, que entrará em vigor em 04 abril de 2018, normatiza como deve ser o depoimento especial. A proposta será analisar os artigos que tratam do depoimento especial, averiguando a forma como o procedimento deve ser aplicado, porém devido à sua existência apenas material, sem a aplicação prática, abordaremos a proposta baseando-se na forma de depoimento especial já existente, e considerando a opinião de especialistas na área jurídica, psicológica e de assistência social a respeito da referida lei, em seus aspectos positivos e negativos.

A proposta da lei é estabelecer o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Seu objetivo, segundo a Agência do Senado, é, entre outros, estabelecer medidas de proteção e procedimentos para tomada de depoimentos. O ECA, em seu artigo 28, § 1º, estabelece que:

§ 1o Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.11

Pela redação atribuída pela Lei 13.431, de 2017, a oitiva dar-se-á obrigatoriamente, de duas maneiras: através da escuta especializada, que de acordo com a nova proposta deve ser realizada perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade; e através do depoimento especial, onde a oitiva da criança ou adolescente vítima ou testemunha far-se-á perante autoridade policial ou judiciária.

10 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ Seviço: Como funciona a sala de depoimento

especial para crianças?. Disponível em: <

http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80702-cnj-servico-como-funciona-a-sala-de-depoimento-especial-para-criancas>. Acesso em: 08 set. 2017.

11 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei

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Já não se fala na tomada de depoimento de forma especial “sempre que possível” e sim, obrigatoriamente.

O que se busca com a escuta especializada e o depoimento especial é preservar a criança/adolescente vítima ou testemunha, reduzindo o dano causado pela violência e resguardando-as física e psicologicamente.

2.3 ANÁLISE DO TÍTULO III – ARTIGOS 7º A 12º DA LEI 13431/2017

Os artigos 7 a 12 tratam especificamente da Escuta Especializada e do Depoimento Especial, definindo cada um deles, determinando a preservação do depoente e a forma como serão executados.

O artigo 7 define a escuta especializada:

Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade.12

Os órgãos da rede de proteção referidos são instituições que têm por objetivo prevenir, inibir e reduzir a violência contra crianças e adolescentes e são formadas por profissionais de instituições governamentais e não-governamentais: educadores, professores, assistentes sociais, médicos, psicólogos, sociólogos, pedagogos, juízes, promotores, conselheiros tutelares e outros.

O depoimento especial trata da oitiva em casos em que a violência já está sendo investigada, tratada como crime, definida pelo artigo 8, e também realizada pelos profissionais acima citados:

Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.13

A forma de coleta do depoimento deverá seguir todo um rito determinado, cujo procedimento está previsto no artigo 12.

12 BRASIL. Presidência da República. Lei 13.431, de 4 de abril de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm. Acesso em: 02 mai 2017. 13 ____. Presidência da República. Lei 13.431, de 4 de abril de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm. Acesso em: 02 mai 2017.

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Para preservar a Criança ou adolescente de contato com seu algoz, o artigo 9 determina:

A criança ou o adolescente será resguardado de qualquer contato, ainda que visual, com o suposto autor ou acusado, ou com outra pessoa que represente ameaça, coação ou constrangimento.14

Considerando sua proteção, não apenas do suposto autor da violência, mas também de qualquer pessoa que represente uma forma de ameaça ou dano.

O Artigo 10 especifica o local para o atendimento:

A escuta especializada e o depoimento especial serão realizados em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência.15

O objetivo é criar um ambiente acolhedor, onde a criança/adolescente não se sinta intimidado, mas sim confortável, para relatar os fatos.

O artigo 11 especifica que o depoimento especial, realizado perante autoridade policial ou judicial deverá seguir protocolos:

O depoimento especial reger-se-á por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado.16

Impõe também que não se repita o depoimento especial, salvo em casos específicos, conforme consta no § 2º e sempre dependendo da concordância da vítima/testemunha ou de seu representante legal. Não basta comprovar a necessidade, é preciso a anuência do menor ou de seu representante.

Guilherme Nucci analisa o artigo 11, sobre a colheita do depoimento especial ser realizado uma única vez:

O ideal, segundo o art. 11, é a colheita do depoimento uma única vez, em produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado, o que certamente é um benefício a todos, visto que a mente (e a

14 BRASIL. Presidência da República. Lei 13.431, de 4 de abril de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm. Acesso em: 02 mai 2017. 15 _____. Presidência da República. Lei 13.431, de 4 de abril de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm. Acesso em: 02 mai 2017.

16 ____.

Presidência da República. Lei 13.431, de 4 de abril de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm. Acesso em: 02 mai 2017.

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memória) infanto-juvenil trabalha com fantasias e ficções, que podem mesclar-se com o fato ocorrido quanto mais o tempo passar. Impõe-se o depoimento especial em produção antecipada de provas em duas situações: a) criança ou adolescente menor de 7 anos; b) casos de violência sexual. Não vemos óbice a que o delegado represente ao juiz para que, também noutras situações, haja a colheita antecipada e única da prova.17

Os protocolos do depoimento especial foram elencados no artigo 12, prevendo a colhida do depoimento especial inicialmente com o esclarecimento pelo profissional ao menor, sobre como será a tomada do depoimento, informando-lhe seus direitos e os procedimentos a serem adotados. A criança terá assegurada a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo o profissional intervir quando necessário, utilizando-se de técnicas que permitam a elucidação dos fatos. Enquanto ocorre a interação entre os dois, a transmissão é simultânea para a sala de audiência, com as cautelas para a proteção do sigilo.

Caso necessário, as partes poderão fazer perguntas complementares e tais perguntas serão adaptadas à linguagem que permita a compreensão do menor. O depoimento será gravado em áudio e vídeo, devendo ser adotadas medidas que garantam a integridade física e psicológica do depoente, devendo tramitar em segredo de justiça.

O objetivo destes protocolos é minimizar o sofrimento, a lembrança da violência vivenciada, ou testemunhada pela criança/adolescente vítima quando da ocorrência do crime. Busca-se, adotando tais medidas, evitar a revitimização. Para tanto é que se deve trabalhar com profissionais especializados e evitar a tomada de novo depoimento.

Quanto à orientação à criança sobre o rito do depoimento especial, Nucci18 ressalta a necessidade de um grau mínimo necessário por parte da criança quanto à maturidade e entendimento para assimilar as informações, e faz outras considerações importantes quanto aos artigos da Lei:

A aplicação desse rito pressupõe o grau de entendimento e amadurecimento da criança, pois de nada adiantará explicar a um menino de 1 a 2 anos, por exemplo, seus direitos no tocante àquele depoimento. Observa-se que, no momento do depoimento especial, transmite-se o seu inteiro teor em tempo

17 NUCCI, Guilherme. A escuta, o depoimento especial e o novo crime de violação de sigilo

processual. Disponível em: <

http://www.guilhermenucci.com.br/artigo/escuta-e-o-depoimento-especial-e-o-novo-crime-de-violacao-de-sigilo-processual>. Acesso em: 10 ago. 2017.

18 NUCCI, Guilherme. A escuta, o depoimento especial e o novo crime de violação de sigilo

processual. Disponível em: <

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real para a sala de audiência, onde deverão estar o membro do MP, o advogado e o acusado. Pode-se indagar: e o juiz? Ora, segundo dispõe o art. 8o desta Lei, é justamente quem ouve a criança. Quando se cuida de terceiro (psicólogo, por exemplo) denomina-se escuta especializada. Emerge um conflito aparente de normas, pois o procedimento do art. 12, para a coleta do

depoimento especial, insere um outro profissional no caminho, entrando em

choque com o disposto no referido art. 8o. Quem ouve, afinal, a criança ou adolescente no depoimento especial? Para complicar, o § 1o, do art. 12, ainda menciona: “à vítima ou testemunha de violência é garantido o direito de prestar depoimento diretamente ao juiz, se assim o entender”. Reforça-se o entendimento de que o depoimento especial é tomado pelo profissional especializado, o que não se coaduna com a própria definição lançada no art. 8º. 19

Quando aplicada a Lei, seguindo as determinações nela contida, o objetivo será garantir os direitos humanos dos menores vítimas ou testemunhas e resguardá-los de toda forma de violência.

2.3.1 A proposta de depoimento especial trazida pela nova Lei

O que a lei propõe é implementar uma forma definida, uma normatização a ser seguida quando da oitiva de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, determinando a adoção de práticas que vão desde o ambiente onde se dará a oitiva, até os protocolos a serem aplicados para a realização destas.

Segundo entendimento do Senado Federal, o depoimento especial, quando a criança é ouvida perante a autoridade judicial ou policial [...] será intermediado por profissionais especializados que esclarecerão à criança os seus direitos e como será conduzida a entrevista, que será gravada em vídeo e áudio, com preservação da intimidade e da privacidade da vítima ou testemunha. A oitiva tramitará em segredo de justiça.20

Um dos objetivos da Lei 13431/2017 é resguardar o menor de qualquer contato com o suposto autor ou acusado e até mesmo com qualquer outra pessoa que possa significar ameaça, coação ou constrangimento. Recebendo tratamento digno e abrangente, diferente do praticado quando de uma oitiva comum realizada em delegacia ou sala de audiências, tendo sua intimidade e condições pessoais

19 NUCCI, Guilherme. A escuta, o depoimento especial e o novo crime de violação de sigilo

processual. Disponível em: <

http://www.guilhermenucci.com.br/artigo/escuta-e-o-depoimento-especial-e-o-novo-crime-de-violacao-de-sigilo-processual>. Acesso em: 10 ago. 2017.

20 SENADO FEDERAL. Lei aumenta proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência. Disponível em: < http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/04/05/lei-aumenta-protecao-a-criancas-e-adolescentes-vitimas-de-violencia>. Acesso em: 10 ago. 2017.

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protegidas. Será ouvida por profissionais especializados, podendo expressar seus desejos e opiniões, bem como, se o desejar, permanecer em silêncio, devendo ser poupada e preservada de todo sofrimento.

Para isso a aplicação de uma sala apropriada, com ambiente acolhedor, com a infraestrutura adequada, onde sinta-se segura, protegida e com todas as garantias de que terá privacidade. Não haverá sequer o contato visual com outras pessoas que não o profissional ou o juiz.

A Lei 13431/2017 considera o depoimento especial, assim como a escuta especializada, válidos como instrumentos de coletas de provas. Por ser assim, deverá atender também a outros quesitos legais, que serão analisados em outro capítulo.

2.3.2 Procedimentos a serem seguidos para a oitiva

Como já citado, o artigo 12 determina o protocolo a ser seguido para o depoimento especial, para que possa ser atendida uma exigência processual, porém buscando atenuar o sofrimento a ser causado pela lembrança do trauma sofrido. O que se busca com a aplicação da Lei 13.431/2017 é justamente evitar novos danos durante a escuta.

2.4 O AMBIENTE DO DEPOIMENTO ESPECIAL

A proposta da Lei 13.431/2017 é que se produza um ambiente menos hostil, sem a frieza de um cartório ou sala de audiência, onde a criança ou adolescente sinta-se menos desconfortável para relatar, se assim o desejar, fatos do crime.

A sala de depoimento deve ser acolhedora, com infraestrutura e espaços físicos que garantam a privacidade da criança ou adolescente.

Outro propósito da sala de depoimento especial é afastar a criança/adolescente de qualquer contato, até mesmo visual, com o autor da violência ou qualquer outra pessoa que possa significar-lhe uma ameaça.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na recomendação 33/2010 orienta aos tribunais a implantação do sistema de depoimento videogravado para a escuta das crianças e adolescentes, devendo ser realizado em ambiente diverso da sala de audiências e executado por profissional especializado para atuar na escuta. Também especifica o tipo de equipamento a ser utilizado na videogravação e quem deve

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operá-lo. Ressalta que o ambiente destinado ao depoimento deve ser adequado para a escuta dos menores, garantindo-lhes segurança, privacidade, conforto e condições de segurança.

Os profissionais a efetuarem a escuta judicial devem ser capacitados para tal, valendo-se dos princípios básicos da entrevista cognitiva, devendo prestar ao depoente esclarecimentos a respeito do motivo e efeito da participação deste no depoimento especial, enfatizando a preocupação com seu desenvolvimento e proteção, devendo para tal valer-se da cartilha preparada para tal finalidade. Sugere também que se observe a necessidade de outros serviços assistenciais por parte do depoente ou seus familiares e que se proceda ao encaminhamento quando necessário, durante ou após o procedimento judicial, que deve ser célere, reduzindo-se o tempo entre o conhecimento do fato e a audiência de depoimento especial.21

De acordo com o CNJ, o depoimento especial não pode se resumir:

a um espaço físico amigável, mas representa uma nova postura da autoridade judiciária, que complementa a sua função com a participação de uma equipe de psicólogos, assistentes sociais e profissionais de outras áreas capacitados em técnicas de entrevista forense. Isso porque o depoimento tradicional costuma gerar grande desconforto e estresse em crianças que precisam repetir inúmeras vezes os fatos ocorridos, nas várias fases da investigação. Outro fator relevante é que o depoimento especial aumenta a fidedignidade dos relatos dos depoentes. Pesquisas demonstram que se questionada de forma inadequada, crianças e adolescentes – assim como adultos – podem relatar situações que não ocorreram ao se sentirem constrangidas ou mesmo ter falsas memórias implantadas. Por esta razão, é fundamental que os entrevistadores sejam altamente qualificados na técnica.22

Proceder a oitiva de acordo com a proposta da Lei 13431/2017 incidirá em uma nova postura da autoridade, em promover um atendimento mais humanizado, tratando a criança/adolescente de forma especial, como o são na realidade, pois ainda estão em desenvolvimento físico, psíquico e moral, assim definidos pelos artigos 2º e 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 2º da Lei 13431/2017.

21 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação Nº 33 de 23/11/2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=1194>. Acesso em: 05 ago. 2017

22 ____. Lei aumenta proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência. Disponível em:

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2.5 AS ETAPAS DA ENTREVISTA COGNITIVA

A entrevista cognitiva segue alguns passos, buscando criar uma relação de confiança entre o entrevistador e o entrevistado. Será o momento de orientar, esclarecer a razão da presença e tentar reduzir a ansiedade do entrevistado, pois o mesmo sabe que ali está por uma situação desagradável e traumática que precisa ser reportada. Sua colocação em um ambiente não familiar, na presença de um estranho, afeta ainda mais seu emocional.

Por isso a necessidade de criar um ambiente de atmosfera relaxante, que traga ao entrevistado sentimentos de segurança e confiança no entrevistador.23

Nesse contato inicial, é que se atende ao que estabelece a Lei 13431/2107, artigo 12, inciso I:

os profissionais especializados esclarecerão a criança ou o adolescente sobre a tomada do depoimento especial, informando-lhe os seus direitos e os procedimentos a serem adotados e planejando sua participação, sendo vedada a leitura da denúncia ou de outras peças processuais.24

A lei estabelece que os profissionais deverão informar à criança/adolescente, os seus direitos e quais serão os procedimentos adotados, de forma adequada à idade da vítima/testemunha, possilitando a compreensão e permitindo a sua manifestação sobre expressar-se ou manter-se em silêncio.

Dessa forma está determinado no Inciso II:

é assegurada à criança ou ao adolescente a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo o profissional especializado intervir quando necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos.25

Cabe ao entrevistador conquistar a confiança do entrevistado, deixando-o à vontade para narrar os fatos, porém com a intervenção de forma adequada do entrevistador para que a criança não se perca numa narrativa em que possa ter havido a interferência de terceiros, induzindo-o a narrar fatos distorcidos ou inexistentes, bem

23 PERGHER, Giovanni Kuckartz, STEIN, Lilian Milnitsky. Entrevista Cognitiva e terapia

cognitivo-comportamental: do âmbito forense à clínica. Disponível em:

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872005000200002. Acesso em 04 ago 2017.

24 BRASIL. Presidência da República. Lei 13.431, de 4 de abril de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm. Acesso em: 02 mai 2017. 25 ____. Presidência da República. Lei 13.431, de 4 de abril de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm. Acesso em: 02 mai 2017.

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como para direcionar o relato mantendo-o na narativa do crime, evitando a fuga para outros relatos não relacionados. A livre narrativa deve ser sobre a situação de violência e não a fuga para outros assuntos.

A transmissão em tempo real para a sala de audiência (inciso III) permite que o magistrado, a promotoria e advogados de acusação e defesa possam acompanhar toda a narrativa, possibilitando que, após a conclusão do relato, caso o juiz entenda pertinente, perguntas complementares sejam feitas ao entrevistado (inciso IV).

Caso o juiz autorize reperguntas, o profissional que está com o entrevistado poderá adaptar as perguntas, de acordo com o inciso V: “o profissional especializado poderá adaptar as perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou do adolescente”.26

Gravar em áudio e vídeo o depoimento assegura o acesso posterior, quando necessário e com isso preserva a vítima/testemunha da necessidade de prestar novo depoimento, evitando assim a revitimização, pois a lembrança continua a ser dolorosa, mesmo sendo feito de maneira mais humanizada.

Segundo Daltoé Cezar, desembargador e precursor da aplicação do “depoimento sem dano” - hoje chamado depoimento especial, quando titular da Vara da Infância e Juventude no Rio Grande do Sul, outro fator positivo é que

tal prática permite que os julgadores de segundo grau, em havendo recurso, tenham acesso às emoções do infante durante a declaração, fato esse que nunca seria possível transferir para um papel. 27

Pensando em uma forma de tratamento humanizado, respeitando a criança e o adolescente e proporcionando-lhes um sistema de garantias nos inquéritos e processos, a Lei vem normatizar e implementar uma prática que, ao ser adotada, tem como perspectiva alcanças resultados positivos. Até porque, como veremos no capítulo 4, a forma de depoimento especial atualmente praticada já tem apresentado tais resultados nas Varas que adotaram o método.

26 BRASIL. Presidência da República. Lei 13.431, de 4 de abril de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm. Acesso em: 02 mai 2017. 27 CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem dano: uma alternativa para inquirir criançase

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3 PECULIARIDADES DE UMA AUDIÊNCIA CRIMINAL: O DEPOIMENTO DE MENORES VÍTIMAS/TESTEMUNHAS DE CRIMES DE VIOLÊNCIA.

A forma padrão de depoimento em uma audiência criminal consiste na colocação da vítima/testemunha posicionada em frente ao juiz, numa sala onde também se encontram presentes o representante do Ministério Público, o advogado do réu, o próprio réu e um ou mais funcionários responsáveis pelo registro da audiência. Em circunstâncias onde o réu encontra-se preso, também permanecem na sala os policiais ou agentes carcerários responsáveis por sua escolta.

Quando a vítima ou testemunha sente-se intimidada com a presença do réu, o juiz determina a retirada do mesmo.

As perguntas ao declarante/depoente são formuladas, diretamente pela acusação e pela defesa, nesta ordem28 e, se forem deferidas pelo magistrado, a vitima/testemunha deverá respondê-las. Tudo muito direto, formal e, de certa forma, agressivo. Principalmente quando se trata de crimes que trazem grande desconforto emocional às vitimas/testemunhas.

A proposta do depoimento especial é criar um ambiente menos hostil quando se trata de crianças ou adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, não apenas com relação ao ambiente, mas também quanto à linguagem utilizada e à forma de abordagem adotada.

Segundo Natália Fagundes Morari, Eduardo Pereira Guedes e Wagner Augusto Hundertmarck Pompéo:

o despreparo dos operadores do direito em proceder à inquirição, seja pela linguagem inadequada, ou pelo erro de posturas evidenciou-se que o modelo tradicional de tomada de depoimento de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual é falho e ineficaz para o fim a que se destina.29

O desembargador José Antonio Daltoé Cezar, precursor do método “depoimento sem dano” em 2003 nas Varas da Infância e Juventude de Porto Alegre/RS, corrobora da mesma opinião, no que se refere à necessidade de ter profissionais capacitados para a colhida de depoimento, pois segundo ele, “o

28 BRASIL. Lei nº 11.719, de 20 de Junho de 2008. Presidência da República. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/L11719.htm>

29 MORARI, Natália Fagundes et al. Depoimento sem dano: uma visão interdisciplinar entre a

psicologia e o direito. Disponível em: <http://online.unisc.br/acadnet/anais/index. php/sidspp/article/view/11778/15 > Acesso em: 10 jun. 2017.

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despreparo para a escuta judicial de crianças e adolescentes e o desconforto destas no ambiente da sala de audiências inviabilizavam a obtenção de informações”.30

Buscando mudanças na forma de proceder à oitiva de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência, baseando-se em modelos de colheita de depoimento já aplicados em outros países, foi que implantou-se na Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre a audiência por vídeoconferência, com a colaboração de profissionais da área de psicologia e assistência social.31

Em 2010, o CNJ publicou a Recomendação 33/2010, padronizando a forma de proceder ao depoimento especial, já disseminado a diversos Estados da Federação.

3.1 VISÃO INTERDISCIPLINAR ENTRE A PSICOLOGIA E O DIREITO PARA A APLICAÇÃO DO DEPOIMENTO ESPECIAL.

A Psicologia estuda os processos mentais, voltando-se para os sentimentos, pensamentos e razão e estuda também o comportamento humano, com um enfoque de conhecimento totalmente diverso do Direito, pois este é um sistema de normas que regulam o comportamento humano.

Ambas têm em comum o comportamento humano, porém sob prismas diferentes. E o que se busca é a relação entre a Psicologia e o Direito para, através da interdisciplinaridade, relacionar seus conteúdos para aprofundar o conhecimento de ambas as áreas e tornar proativo o depoimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.

A Interdisciplinaridade implica relações entre as duas áreas de conhecimento, buscando torná-las comunicativas entre si.32 O Direito necessita do auxilio da Psicologia para tornar menos doloroso e traumático o depoimento de

30 CEZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma

prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto

Alegre, Livraria do Advogado, 2016.

31 ______ Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto Alegre, Livraria do

Advogado, 2016.

32 FORTES, Clarissa Corrêa. Interdisciplinaridade: origem, conceito e valor. Disponível em: <www.pos.ajes.edu.br/arquivos/referencial_2012051710172 7.pdf>. Acesso em: 18 set. 2017.

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crianças e adolescentes, vítimas ou testemunhas de violência, já que a forma de abordagem a ser utilizada exige um preparo diferenciado.

Porém, não foi bem aceita a questão da prática interdisciplinar com a utilização de profissionais assistentes sociais e psicólogos quando do início do método “depoimento sem dano” no Rio Grande do Sul. O Conselho Federal do Serviço Social (CFESS) publicou, em 15/09/2009, a Resolução nº 544, cuja ementa não reconhecia a inquirição das vítimas crianças e adolescentes:

EMENTA: Dispõe sobre o não reconhecimento da inquirição das vítimas crianças e adolescentes no processo judicial, sob a Metodologia do Depoimento Sem Dano/DSD, como sendo atribuição ou competência do profissional assistente social. 33

Além da não concordância, proibiu o profissional de assistência social de participar da inquirição especial, sob pena de sofrerem penalizações disciplinares e éticas.34

Na mesma linha de desaprovação do CFESS, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou, em 29/06/2010, a Resolução CFP nº 010/2010, vedando ao psicólogo o papel de inquiridor no atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência.35 Em nota sobre a resolução retro referida, o CFP ressalta que o papel do psicólogo é proceder à escuta psicológica e não à inquirição, diferenciando-as da seguinte forma:

A inquirição, é um procedimento jurídico, constitui-se em um interrogatório e comporta a compilação de depoimentos para elucidar os fatos. Ou seja, inquirição é “o ato de a autoridade competente indagar da testemunha o que ela sabe acerca de determinado fato” (Novo Dicionário Aurélio). O objetivo da inquirição no processo judicial é o de levantar dados para produzir provas. A escuta, por sua vez, significa "tornar-se ou estar atento para ouvir, dar atenção a; ouvir, sentir, perceber..." (Novo Dicionário Aurélio).

Considerando os pressupostos da ciência psicológica, que tem a subjetividade como foco de atenção, fica evidente que a escuta psicológica caracteriza-se pelo cuidado que o profissional deve ter em atender às demandas do outro de forma acolhedora e não invasiva. Desempenhar a função de psicólogo frente a crianças ou adolescentes em situação de violência, no âmbito do judiciário, requer, portanto a disposição de escutar

33 CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. RESOLUÇÃO CFESS Nº 554/2009 de 15 de

setembro de 2009. Disponível em <

http://www.cfess.org.br/arquivos/Resolucao_CFESS_554-2009.pdf> Acesso em 15 set. 2017.

34 ____. RESOLUÇÃO CFESS Nº 554/2009 de 15 de setembro de 2009. Disponível em < http://www.cfess.org.br/arquivos/Resolucao_CFESS_554-2009.pdf> Acesso em 15 set. 2017.

35 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. RESOLUÇÃO CFP 010/2010. Disponível em: < http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2010/07/resolucao2010_010.pdf>. Acesso em 23 ago 2017.

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guiado pelas demandas e desejos destes, respeitando o tempo de elaboração do trauma, as peculiaridades do momento do seu desenvolvimento e, sobretudo, visando a não revitimização. A escuta psicológica caracteriza-se, portanto, por uma relação de cuidado.36

Segundo o desembargador Daltoé Cezar, as argumentações de ambos os Conselhos eram infundadas e por ameaçarem punir os profissionais, também servidores do Poder Judiciário. O Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul precisou ingressar com processos judiciais perante a Justiça Federal requerendo a suspensão das resoluções dos dois conselhos no Estado do Rio Grande do Sul.37

Posteriormente, no ano de 2012, o Ministério Público Federal do Ceará ajuizou Ação Civil contra os Conselhos Federais de Serviço Social e Psicologia e conseguiu suspender as resoluções em todo o território nacional.38

Desde então, o método de depoimento especial vem sendo gradativamente adotado e aplicado nos Estados brasileiros.

A lei 13.431/2017 não especifica a metodologia a ser utilizada, referindo-se apenas no artigo 12, inciso II, que o profissional utilizará técnicas que permitam a elucidação dos fatos.

O método do depoimento especial foi padronizado pelo CNJ, através da recomendação nº 33/2010, datada de 23/11/2010, especificando que os participantes de escuta judicial deverão ser especificamente capacitados para o emprego da técnica de depoimento especial, usando os princípios básicos da entrevista cognitiva.39

A indefinição gera dúvidas sobre a metodologia a ser aplicada e cria suposições de que seja adotado o método atualmente utilizado no Rio Grande do Sul e que foi implantado em outros Estados.

36 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Nota sobre a Resolução CFP nº 010/2010 que institui

a regulamentação da Escuta Psicológica de Crianças e Adolescentes envolvidos em situação de violência, na Rede de Proteção, vedando ao psicólogo o papel de inquiridor (prática conhecida como “depoimento sem dano”) no atendimento de Crianças a Adolescentes em situação de violência. Disponível em: < http://www.crpsp.org.br/portal/midia/pdfs/nota_

resolucao_cfp_010_2010.pdf> Acesso em 23 ago 2017.

37 CEZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma

prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto

Alegre, Livraria do Advogado, 2016.

38 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução 010/2010 [SUSPENSA]. Disponível em: < http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-0102010/>. Acesso em 23 ago 2017.

39 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação Nº 33 de 23/11/2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=1194> Acesso em 08 ago. 2017.

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No ano de 2013, ao escrever um artigo sobre a forma de depoimento especial, uma das pessoas a supor tal possibilidade foi o Promotor de Justiça do Paraná Murillo José Digiácomo, que disse acreditar que, o ainda à época, Projeto de Lei, tentava reproduzir o modelo adotado em Porto Alegre e sobre o qual teceu diversas críticas:

Ocorre que o P.L. do "depoimento sem dano", até onde conheço (não sei se houve alterações posteriores), não é dos mais felizes, pois tenta reproduzir o modelo adotado em Porto Alegre/RS (que parece já foi inclusive alterado), que apenas coloca um "intermediário" entre o Juiz/MP/Defesa e a vítima, sendo que tal "intermediário" (um psicólogo ou assistente social), num local reservado, monitorado por câmeras (ou anexo à sala de audiências, de onde pode ser visto por intermédio de um vidro espelhado), se limita a repassar à vítima as perguntas efetuadas pelo Juiz e pelas partes. Eu até "brinco" com a situação daí resultante, dizendo que, em tal modelo, o depoimento é "sem dano" para o Juiz, para o Promotor e para o Defensor, mas seguramente NÃO É SEM DANO PARA A VÍTIMA. 40

Pesquisadores e estudiosos que analisam o depoimento especial da forma como atualmente aplicada e também a nova proposta da Lei 13431/2017, mesmo aqueles que possuem opinião contrária à aplicação do mesmo, por diversas questões, não tecem críticas ao trabalho dos profissionais especializados, mas sim ao objetivo do Poder Judiciário. E a grande maioria concorda que a escuta realizada por profissionais especializados que busquem medidas de proteção, reduzindo o constrangimento e o sofrimento emocional destes, respeitando seus direitos e suas vontades, inclusive a de não participar e assim não comprometer seu estado emocional, estará protegendo-a e evitando um dano psicológico. E tal garantia só poderá ser assegurada se o profissional que realizar a escuta for capacitado a identificar tais necessidades e trabalhá-las de maneira adequada.

3.2 A METODOLOGIA ATUALMENTE APLICADA PARA A REDUÇÃO DOS TRAUMAS ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS OU TESTEMUNHAS DE CRIMES DE VIOLÊNCIA.

O modelo de oitiva em depoimento nas esferas judiciais atualmente uitlizados, são baseados na Recomendação 33/2010 do CNJ, sendo que alguns

40 DIGIÁCOMO, Murillo José. Consulta: Depoimento Especial – Crianças vítimas de violência. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=14 58> Acesso em: 08 set. 2017.

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Estados usaram como referência o modelo utilizado pelo Rio Grande do Sul, Estado precursor do depoimento especial, implantado a partir de referências internacionais, com a orientação e auxilio da organização Childhood Brasil, que desenvolveu um método adaptado à realidade local para ser aplicado nos sistemas e órgãos encarregados da proteção da infância no Brasil, evitando a revitimização.

Outros Estados optaram por modelos utilizados por outros países, sendo que cada Tribunal adaptou o método à sua realidade, porém todos com o mesmo objetivo de garantir a proteção e os direitos das crianças e adolescentes.

Embora com suas especificidades, que variam de Tribunal para Tribunal, “cada jurisdição vem desenvolvendo sua experiência com forte carga de formação que se dá na ação, ou seja, na rotina dos profissionais responsáveis” 41

De forma geral, os protocolos de entrevista forense incluem os seguintes pontos: estabelecimento de confiança; avaliação de desenvolvimento; discussão sobre verdade e mentira (tal como promover um acordo com a criança sbre falar a verdade); informações sobre a entrevista; depoimento sobre supostos incidentes envolvendo abuso, com base principalmente em lembranças e perguntas abertas usando uma abordagem de “funil” (por exemplo, começar com perguntas abertas que estimulem lembranças soltas, mas ir gradualmente fazendo perguntas mais específicas quando necessário e, seguida, retornando o mais rápido possível para as perguntas abertas sobre as lembranças); e encerramento.42

Segundo pesquisa da Childhood, a técnica mais utilizada para a tomada de depoimento especial é a entrevista cognitiva.

A entrevista cognitiva, segundo especialistas da área de psicologia:

Entrevista cognitiva (EC) é um processo de entrevista que faz uso de um conjunto de técnicas para maximizar a quantidade de informações obtidas de uma testemunha.43

41 SANTOS, Benedito Rodrigues dos; VIANA, Vanessa Nascimento; GONÇALVES, Itamar Batista.

Crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual: metodologias para tomada de depoimento especial. 1. Ed. Curitiba: Appris, 2017.

42 Depoimento sem medo (?) : culturas e práticas não revitimizantes : uma cartografia das experiências de tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes/ Benedito Rodrigues dos Santos, Itamar Batista Gonçalves (coordenadores). – 2ª ed. – São Paulo: Childhood Brasil, 2009. 43 PERGHER, Giovanni Kuckartz; STEIN, Lilian Milnitsky. Entrevista Cognitiva e terapia

cognitivo-comportamental: do âmbito forense à clínica. Disponível em:

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872005000200002. Acesso em 07 ago. 2017.

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Segundo os mesmos especialistas, a Entrevista Cognitva é estruturada em sete etapas: estabelecimento de rapport44 e personalização da entrevista; explicação dos objetivos da entrevista; relato livre; questionamento; recuperação variada e extensiva; síntese; e fechamento.

De acordo com Pergher e Stein, as etapas iniciam-se com o contato entre entrevistado e entrevistador, que deve buscar favorecer a criação de uma esfera relaxante, que aumente os sentimentos de segurança e confiança por parte do entrevistado. Cabe ao entrevistador transmitir ao entrevistado que ele é uma pessoa única. Deve adotar uma postura de empatia, colocando-se no lugar do outro, procurando enxergar os fatos conforme a perspectiva do entrevistado.45

Depois disso, o entrevistador deve familiarizar o entrevistado sobre o que significa prestar um depoimento (segunda etapa), deixando claro ao entrevistado que é ele (entrevistado) quem possui as informações sobre o acontecimento em questão e que o entrevistador atuará apenas como facilitador.

Na terceira etapa, um elemento importante é a recriação do contexto, buscando as lembranças do entrevistado, estimulando-o, com técnicas específicas, a recordar o momento em que vivencia o evento. Sendo a partir deste momento, estimulado a relatar tudo que conseguir se recordar, narrando livremente, sem nenhuma preocupação em editar os fatos. Esta técnica é o componente mais efetivo da escuta cognitiva, segundo os especialistas.

De acordo com os autores, depois do relato livre, a próxima etapa é a do questionamento, onde algumas informações serão pormenorizadas. Deve o entrevistador atuar com cuidado para não induzir a respostas que comprometam o depoimento obtido. Aqui a necessidade do entrevistador ser capacitado e não agir de forma tendenciosa, para que não sugestione o entrevistado, podendo inclusive levá-lo a lembrar eventos que não ocorreram.

44 Rapport é uma palavra de origem francesa que significa empatia. O rapport é o estabelecimento da aliança terapêutica ou aliança de trabalho e tem por objetivo abrir as portas para uma comunicação fluente e bem sucedida. O rapport é a técnica mais poderosa das relações humanas e o principal ingrediente de todas as comunicações e mudanças. É a capacidade de criar aspectos comuns entre duas ou mais pessoas, gerando uma atmosfera de respeito e confiança. É ver o mundo sob o ponto de vista do outro. É como se o outro olhasse para você e visse a si mesmo no que diz respeito a seus valores, expectativas e anseios. É uma ponte entre dois mundos. <https://freudexplicatudo.wordpress.com/2012/02/24/rapport/>

45 PERGHER, Giovanni Kuckartz; STEIN, Lilian Milnitsky. Entrevista cognitiva e terapia cognitivo-comportamental: do âmbito forense à clínica. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas. Ribeirão Preto, v. 1, n. 2, p.11-19, 2005.

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Na quinta etapa, o entrevistador utiliza-se de estratégias para tentar facilitar ao entrevistado o acesso à memória, pois lembraças traumáticas, por ser dolorosas, encontram-se inacessíveis. Cabe ao entrevistador auxiliar nesta recuperação, utilizando-se de técnicas por ele dominadas, tomando o cuidado de não sugestionar o entrevistado.

A sexta etapa consiste no trabalho do entrevistador de fazer uma síntese dos pontos principais, abordados na interação, utilizando as palavras do entrevistado. Isso permite ao entrevistado conferir a exatidão do que se recordou, podendo ainda acrescentar novas informações.

O encerramento da EC deve trazer ao entrevistado uma imagem positiva da entrevista, devendo o entrevistador agradecer pelo esforço e pelo trabalho conjunto, ressaltando a importância do papel ativo do entrevistado.

Em Washington, nos Estados Unidos da América, foi desenvolvido um material entitulado Protocolo de atendimento de vítimas (The Washington State Child Interview Guide), desenvolvida pelo Centro Médico Harborview para Violência Sexual e Estresse Traumático e a Comissão de Treinamento em Justiça Criminal do Estado de Washington, em cooperação com o Departamento Estadual de Serviços Social e de Saúde, cujo objetivo é orientar o profissional em como atuar na entrevista investigativa.46

O guia apresenta estratégias sugeridas para

entrevistadores/investigadores que conduzem entrevistas investigativas forenses com crianças. É desejável que estes profissionais coordenem seus esforços de modo a minimizar o número de entrevistas desnecessárias com crianças. Ele apresenta a forma como o entrevistaor pode falar com a criança, como fazer a abordagem.

Segundo o modelo de protocolo criado e utilizado pelo Serviço de Assessoramento aos Juízos Criminais da Secretaria Psicossocial Judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), a “sala de entrevista tem um número reduzido de estímulos, com poucos brinquedos, bonecos, quadros que podem interferir no relato da criança”.47

46 ESTADO DE WASHINGTON. GUIA DE ENTREVISTA INFANTIL (Entrevista Investigativa). Tradução e notas de Murillo José Digiácomo. Rev. Out 2009, 40 p. Disponível em: < https://depts.washington.edu/hcsats/PDF/guidelines/WA State Child Interview Guide 2009 2010.pdf> 47 RIBEIRO, Marilia Lobão; ALVES JUNIOR, Reginaldo Torres; MACIEL, Sergio Bittencourt.

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Aplicado da mesma forma, em outros Estados, o local da entrevista deve ser neutro, reservado, informal, confortável, agradável para crianças e livre de distrações desnecessárias.

E o uso de tecnologias de videogravação permitem a transmissão em tempo real para a sala de audiências, onde se encontram as outras partes envolvidas, assim como garante a gravação do depoimento.

Outra forma de acompanhento do depoimento é a Câmara de Gesell que consiste em um ambiente dividido por um grande vidro espelhado que permite a observadores localizados de um lado visualizar o que acontece do outro lado sem serem vistos.48

A posição da Childhood Brasil é para que se institucionalize e se universalize a escuta protegida, com bases na metodologia criada pela organização junto com outras organizações para a realização do Depoimento Especial em alguns órgãos públicos, com destaque para as unidades de polícia e tribunais de Justiça. Dessa forma, as crianças e adolescentes falam o mínimo possível sobre o fato ocorrido e, quando tiverem que fazê-lo, que seja para um profissional capacitado em técnicas de entrevista forense.

3.3 RIO GRANDE DO SUL – O ESTADO PRECURSOR DO DEPOIMENTO SEM

DANO: METODOLOGIA APLICADA, RESULTADOS OBTIDOS

A 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, foi a precursora do depoimento especial, no ano de 2003, sendo o método, àquela época, denominado “Depoimento sem dano”.

Segundo Daltoé Cezar, juiz titular à época, a razão da busca de mudanças deu-se com o objetivo de “procurar uma alternativa menos danosa para ouvir jovens vítimas de violência, especialmente sexual, nas intruções dos processos”.49

Benedito Rodrigues dos et al. Escuta de Crianças e Adolescentes em Situação de Violência Sexual

– aspectos teóricos e metodológicos. Brasilia : Universidade Católica de Brasilia, 2014, pág. 285.

48 SANTOS, Benedito Rodrigues dos; VIANA, Vanessa Nascimento; GONÇALVES, Itamar Batista.

Crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual: metodologias para tomada de depoimento especial. 1. Ed. Curitiba: Appris, 2017, pág. 305.

49 CEZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma

prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto

(34)

A conduta do magistrado em buscar mudanças no depoimento de menores vítimas deu-se pela sua experiência, negativa, ao ter que ouvir essas vítimas de violência sexual, seja pela inadequação ou despreparo, não possibilitando à vítima a condição necessária para que esta conseguisse prestar depoimento. Segundo o juiz, todas apresentavam um grande desconforto na sala de audiências. Daltoé afirmou que o resultado das audiências era:

Apenas mais um momento difícil para a suposta vítima de violência sexual, sofrimento esse não decorrente da violência que sofreu, mas de uma exposição inadequada perante o sistema de justiça (dano secundário)50”.51

Todo o sofrimento da vítima ainda resultava na liberação do provável autor da violência sem nenhum tipo de responsabilização.

Analisando o histórico de suas audiências antes do projeto, em especial o último caso que julgou no ano de 2002, quando decidiu buscar método alternativo para oitiva de vítimas de violência sexual, no seu entendimento, o juiz considera que o depoimento tradicional apresenta dois males decorrentes:

Aqui dois males decorrentes de uma prática vestusta e inadequada, prevista em nossa legislação processual penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, quais sejam, o sofrimento da vítima que não teve espaço adequado para falar de suas tristezas, e o sentimento de impunidade que provavelmente aflorou naquele jovem, o qual provavelmente praticou um ato infracional grave.”52

50 Vitimização secundária ou sobrevitimização ocorre quando a vitima procura os órgãos judiciais (polícia, Ministério Público, Judiciário) e ao ter que recordar os momentos do crime ao expô-lo para as autoridades judiciais, que muitas vezes a trata com falta de sensibiidade ou não estão preparadas para lidar com a situação, a sensação de constrangimento e humilhação que é submetida ao ser atacada, por exemplo, pelo advogado de defesa do delinquente, que joga a culpa do delito para ela, o reencontro com o agressor em juízo e até mesmo a realização do exame médico-forense faz com que seja caracterizada a vitimização secundária. MOROTTI, Carlos. Vitmização primária, seundária e

terciária. Disponível em:

https://morotti.jusbrasil.com.br/artigos/210224182/vitimizacao-primaria-secundaria-e-terciaria. Acesso em 25 set 2017.

51 CEZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma

prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto

Alegre, Livraria do Advogado, 2016.

52 ____. Depoimento Sem Dano/ Depoimento Especial – treze anos de uma prática judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Org.). DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES – Quando a multidisciplinariedade aproxima os olhares. Porto Alegre, Livraria do

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