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1. THOMAS REID: A FORMAÇÃO DO PASTOR E FILÓSOFO

1.4. Uma Preocupação Acadêmica

1.4.2. As Impressões de Hume

A Principal motivação de escrita de Reid foi com relação à obra de Hume, principalmente quanto ao tema impressões: Observe a dedicatória ao reitor da Universidade de Aberdeen. Logo na apresentação da sua obra (Investigação Sobre a Mente Humana Segundo os Princípios do Senso Comum), mostra o desafio apresentado43, o Tratado da Natureza Humana de David Hume (1711- 1776):

Reconheço, meu senhor, que nunca pensei em questionar os princípios comumente aceitos no que diz respeito ao entendimento humano até a publicação do Tratado da natureza humana, no ano 1739. O engenhoso autor desse tratado, segundo os princípios de Locke, que não era nenhum cético, construiu um sistema de ceticismo que não abre qualquer espaço para que se creia em qualquer coisa além de seu contrário. Seu raciocínio me pareceu ser justo: havia então a necessidade de se colocar em questão os princípios sobre os quais estava fundado, ou de se admitir tal conclusão (REID, 2013, p. 16).

Mais adiante mostra o seu temor:

Mas pode alguma mente ingênua admitir esse sistema cético sem relutância? Certamente não pude, meu senhor: pois estou persuadido de que o ceticismo absoluto não é mais destrutivo à fé de um cristão que à ciência de um filósofo e à prudência de um homem de entendimento comum. Estou persuadido de que os injustos vivem pela fé assim como os justos; de que, se todas as crenças pudessem ser deixadas de lado, piedade, patriotismo, amizade, afeição familiar, e virtude privada

42 Estas são as obras de Reid: Discursos sobre Observações na Filosofia da Mente, e particularmente as

Percepções que nós temos dos Sinais. Na Dificuldade da Filosofia da Mente Humana; O Sistema de Hume da Mente; Observações nas Percepções dos Sinais; Análise das Sensações do Cheiro e do Gosto; Análises dos Sentidos; O Sentido do Toque; Um resumo da Investigação dos Sentidos e o Sentido de Visão (ver p. 52 a 53).

43 Como mostra Costa; “o Humanismo está primordialmente preocupado com a Educação, a Arte e a Eloquência; outros aspectos ainda que importantes, tais como a Filosofia, a Moral e a Religião, têm uma importância secundária” (COSTA, 2004, p. 47) isso explica como Hume está se posicionando ao salvar a possibilidade de ciência e manter a metafísica o mais distante.

pareceriam tão ridículos quanto a cavalaria errante; e de que a busca por prazer, ambição e avareza deve ser fundada na crença, bem como aquela que é honrável e virtuosa (Cf. REID,2013, p. 16).

Para Hume, a tentativa de introduzir o método de raciocínio experimental nas ciências morais parte do princípio de que todas as nossas ideias são, na verdade, resultado das “impressões”, estas impressões podem ser divididas em impressões de sensação e reflexão, tal como as emoções (cf. VERGEZ, HUISMAN, 1982, p. 248). Seguiu-se que nenhum objeto externo pudesse estar imediatamente presente à mente; por conseguinte, nosso conhecimento do mundo externo não pode ser direto, pois diretas são apenas as impressões. O conhecimento poderia ser então indireto? Nossas sensações constituem razão ou comprovam um mundo externo? A resposta de Hume era sempre negativa: “Podemos, portanto, concluir com certeza que a opinião de uma existência continuada e de uma existência distinta nunca surge dos sentidos” (HUME, 2000, p. 192). Em outro lugar Hume comenta sobre a natureza do corpo:

... natureza não deixou isso à sua escolha e, sem dúvida, estimou-o uma questão demasiado importante para ser confiada a nossos raciocínios e especulações incertas. Nós podemos sem dúvida perguntar quais causas nos induzem a acreditar na existência do corpo? Mas é vão perguntar se há ou não corpo. Esse é um ponto que devemos ter como admitido em todos os nossos raciocínios (HUME, 2000, p. 187)

Derek Brooks mostra mais sobre a posição cética de Hume quando fala sobre os argumentos do filósofo em contraposição a visão de Reid:

A questão das causas e efeitos:

Primeiro, pela segunda regra de Newton de filosofar, com as causas podemos deduzir os efeitos. Mas a concepção que nós temos de objetos externos é tal que eles parecem não ser nada com nossas sensações. Realmente, tal é a disparidade entre os dois que todas as nossas sensações poderiam ter sido exatamente como elas são, 'entretanto nenhum corpo, nem qualidade de corpo, sempre teriam existido'. Consequentemente nós não podemos fazer nenhuma

conclusão causal de sensações para objetos externos (BROOKES, 2003, p. 14).

A questão da indução depende das circunstâncias, por isso, uma certeza do objeto externo sempre dependerá das impressões da mente.

Tampouco devemos esquecer, nesta ocasião, nosso método costumeiro de examinar as ideias, ou seja, considerar as impressões de que elas derivam. A filosofia moderna afirma que as impressões que penetram pela visão, audição, olfato ou paladar não se assemelham a nenhum objeto; e, consequentemente, e ideia de solidez, que se supõe real, jamais poderia ser derivada de nenhum desses sentidos. Resta o tato, portanto, como único sentido capaz de transmitir a impressão que dará origem à ideia de solidez; e, de fato, imaginamos naturalmente que sentimos a solidez dos corpos, e precisamos apenas tocar um objeto para perceber essa qualidade. Mas esse modo de pensar é mais popular que filosófico [...] Assim, há uma oposição direta e total entre nossa razão e nosso sentidos; ou, mais propriamente falando, entre as conclusões que formamos a partir da causa e efeito e as que nos persuadem da existência continua e independente dos corpos. Quando raciocinamos a partir da causa e efeito, concluímos que nem cor, nem, som, nem sabor, nem aroma têm uma existência contínua e independente. (HUME, 2009, 262-263).

Hume é mais enfático quando diz: “[...] estou mais inclinado a não depositar absolutamente nenhuma fé em meus sentidos, ou antes, na imaginação, do que a colocar nela tal confiança implícita” (HUME, 2001, p. 217). Hume criticou a filosofia moderna, mostrando que a mesma não se apoia em princípios sólidos, nem oferece uma ideia satisfatória dos objetos externos (SMITH, 1995, p. 123). Ele retoma à argumentação de Berkeley e Locke contra a existência da matéria, só que sua argumentação vai além, pois se Locke acreditava somente nas existências das coisas e não de suas essências e Berkeley não acreditava na matéria, mas tão somente na substância pensante que é causada por outro ser (Deus), Hume irá dizer que o último ponto como fonte de conhecimento são a experiência e o objeto externo. A representação, ou “impressão”, já não é nem essência, como dizia Locke, nem o sujeito pensante, como dizia Berkeley e sim para Hume é a imanência por meio da experiência, ou seja, ele precisa da experiência, como a fé na existência. Como ao se falar de Deus não temos uma

experiência demonstrável, Deus será sempre uma hipótese44. Contudo, mesmo aquilo que se diz acreditar não é uma verdade em si, pois a percepção não transmite a verdade. Em Hume, a experiência só nos dá uma aparência da necessidade causal, sem nos autorizar a passar “com certeza a representação empírica de uma sucessão constante do fenômeno-causa e do fenômeno-efeito” (JERPHAGNOM, 1982, p.92).

Reid passa a enfrentar um dilema: ou ele tem de aceitar a conclusão cética de Hume ou tem de negar o sistema ideal, algo mais próximo de Berkeley. Reid resiste ao primeiro; mas não por aversão contra ceticismo em si. Antes do Tratado de Hume, Reid tinha aceitado o sistema de Bispo Berkeley em sua maior parte, junto com o que ele considerou ser sua negação de um mundo material. A diferença é que Reid aceitou de Berkeley a preocupação de reter as convicções religiosas e morais, e reduziu tudo em natureza das sensações, e combateu a formulação de que há somente ideias; considerando que Hume só aceitou ‘ideias’ e ‘impressões’.45 Reid, diante de uma crise filosófica, então, foi estimulado principalmente a combater Hume pela visão de que o sistema do filósofo ameaçou a mesma possibilidade de religião racional e moralidade.

Por meio de um rastreamento ele chega à seguinte conclusão:

Descartes, Malebranche e Locke empregaram toda sua genialidade e habilidade para provar a existência de um mundo material, e os três o fizeram com pouquíssimo êxito. Os pobres mortais iletrados acreditam, sem dúvida alguma, que há Sol, Lua, e estrelas; uma terra em que habitamos; campo, amigos e parentes, de que desfrutamos; terrenos, casas e móveis, que possuímos. Entretanto, os filósofos, tendo pena da credulidade do vulgo, resolvem não ter fé alguma senão aquela fundada na razão. Eles se aplicam à filosofia a fim de mobiliá-la de razões para a crença em coisas em que toda a humanidade acreditou, mas sem poder dar razão alguma para isso. E certamente é de se esperar que, em assuntos de tamanha importância, a prova não seria difícil, mas é a coisa

44 Nem tudo em Hume deve ser visto de forma negativa, o psicologismo em Hume é visto como um fato positivo na sua compreensão, na sua obra “Diálogos Sobre a Religião Natural” ele revela que por meio do naturalismo e princípios psicológicos é possível explicar como podemos formar, por base na experiência sensível, as crenças que são sustentadas pela humanidade, nesta obra ele mostra que estas sensações são psicologicamente inevitáveis (HUME, 1992, p. 128-130).

45 Por exemplo: ... Acho que a sensação compele minha crença na existência presente do odor, e a memória, minha crença em sua existência passada. (REID, 2013, P.37)

mais difícil no mundo. Afinal, esses três homens, com a maior boa vontade, não conseguiram extrair, de todos os tesouros da filosofia, um argumento sequer que pudesse convencer um homem, capaz de raciocinar, da existência de qualquer coisa sem ele. Admirada filosofia! Filha da luz! Mãe da sabedoria e do conhecimento! Se sois ela! Certamente ainda não tendes ascendido à mente humana, tampouco tendes nos abençoado com mais de vossos raios que são suficientes para tornar a iluminar a escuridão sobre as faculdades humanas, e para incomodar o repouso e a segurança de que os mortais mais felizes gozam, aqueles que nunca se aproximaram de vosso altar, tampouco sofreram vossa influência! Mas, se, com efeito, vós não tendes o poder de dissipar essas nuvens e fantasmas que tendes descoberto ou criado, retirai esse raio maligno e de penúria. Desprezo a filosofia e renuncio sua orientação: que minha alma tenha sua morada no senso comum (REID, 2013, p. 25-26).

Esta, podemos dizer, é a angustia de Reid, como os argumentos destes filósofos geram uma importante fonte de bons argumentos e como ao mesmo tempo, para Reid, todos eles levam para uma linha de desespero. Isto gera uma formulação que tiramos de Bonino, que vê uma fé ameaçada46 (Cf. MIGUEZ BONINO, 2003, p. 36). Ou seja, a base de Princeton é semelhante a de Reid, por isso o filósofo é tão útil para o seminário que formou os pastores que vieram dos Estados Unidos para o Brasil.

O rompimento de Reid com Berkeley se deu depois de verificar que a linha histórica de Descartes e Hume seria somente o ceticismo, desta forma ele rompe com o pensamento de Berkeley. Para o “sistema ideal”47, baseado principalmente na obra de Berkeley48, Reid via possibilidade de casar os dois sistemas. Isto até que Hume lançasse sua obra sobre a Natureza Humana, em 173949.

46 No dizer de Bonino isso fica assim: O fundamentalismo aparece como a reação de uma fé que se sente ameaçada pelo avanço do secularismo e de uma ciência que nega a realidade do sobrenatural. Como respon- der? Basicamente se delineiam duas respostas, que refletem duas concepções filosóficas. Uns distinguem o nível da ciência do nível da religião: o primeiro é o âmbito dos fatos objetivos; o segundo, o da experiência subjetiva, do sentimento: poderíamos dizer que temos aí a expressão da herança romântica na cultura norte- americana. Outros, por sua vez, conhecem um único critério de verdade: o dos fatos e dados concretos da realidade, que qualquer pessoa pode observar diretamente: esta é a tradição do "realismo do senso comum" de origem escocesa que predominou no pensamento norte-americano.

47 Parece-nos aqui que Reid está falando daquilo que os empiristas, tais como Locke, chamam de “percepção fraca” que significa imagem mais ou menos esquematizada por meio dos sentidos na mente (ver JOLIVET, J. 1975, p. 115).

48 Berkeley argumenta assim: “...grande e pequeno, rápido e lento só existem no espírito, por serem inteiramente relativos, mudáveis com a posição e ordem dos órgãos dos sentidos. Portanto, a extensão existente fora do espírito não é grande e nem pequena, o movimento nem rápido nem lento, isto é, não são

Primeiro entende que a única diferença entre Berkeley e Hume é que um se mantém como um cristão diante de seu ceticismo, mas nutria uma sincera preocupação por princípios religiosos e morais dignos de sua ordem. Entretanto, o resultado de sua investigação foi uma séria convicção de que não existe o mundo material; não existe nada na natureza além de espíritos e ideais, e a crença em substâncias materiais e em ideais abstratas é a principal causa de todos os erros na filosofia, e de toda infidelidade e heresia na religião. Seus argumentos são fundados nos princípios que foram previamente estabelecidos por Descartes, Malebranche e Locke, e que tiveram boa aceitação na filosofia (Cf. Reid,1984, p. 27).