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4. REALISMO DO SENSO COMUM E A FILOSOFIA BRASILEIRA NO SÉCULO XIX: CONVERGÊNCIA

4.1. Fé e Filosofia

4.1.3. Quanto ao Ecletismo

4.1.3.2. Filosofia eclética e o protestantismo da filosofia do Senso Comum de Princeton

4.1.3.2.4. Educação protestante

No que se refere à interpretação da inserção protestante no Brasil, penso como Míguez Bonino, quando afirma que a leitura deste processo como parte de uma conspiração norte-americana não se sustenta:

Excluindo as coincidências no tempo, muito poucas evidências respaldam tal teoria. Seria necessário, inclusive, precisar argumentos de datas, já que o projeto imperialista dos Estados Unidos só toma corpo na América Latina após a guerra da secessão naquele país (1860), quando a presença protestante já tinha aqui mais de duas décadas. Em todo caso, é antes à influência e pressão britânicas desde as guerras de independência que se deveria atribuir (para o bem ou para o mal) a abertura do panorama religioso no continente (MIGUEZ BONINO, 2003, P. 10).

Contundo, quanto ao panamericanismo, expressão cunhada a partir da segunda metade do século 19, os ideais republicanos e libertários podem ser considerados uma espécie de penetração ideológica norte-americana ao continente (MIGUEZ BONINO, 2003, p. 11). Este é um aspecto do rosto protestante

brasileiro.

Por outro lado, sabe-se que o sistema progressista brasileiro ansiava por uma educação que substituísse o sistema escolástico dos jesuítas. E para isso era necessário tomar o caminho das nações desenvolvidas, com um sistema mais voltado para a ciência e a técnica. Neste sentido, gostaria de ressaltar dois pontos levantados por Mendonça:

Na realidade, a elite brasileira, em grande parte liberal, não estava interessada na “religião” protestante, mas na educação que os missionários ofereciam. Estava ansiosa pelo progresso, e os colégios protestantes constituíam boa alternativa, pois sem descuidar dos aspectos humanísticos, ofereciam aos alunos instrução científica, técnica, física (educação física) em proporção muito acima da educação tradicional, tanto em intensidade como em qualidade. Daí o grande sucesso da educação protestante desde o seu início em 1870 (MENDONÇA, VELASQUES, 2002, p. 73).

Mesmo não sendo evidente a conversão de católicos ao protestantismo, como ressalta Mendonça, podemos dizer que a influência intelectual é um fator de grande valor para, pelo menos no Brasil, causar mudança com a oportunidade do protestantismo de missões. Toda estrutura filosófica está por trás disto, creio que não temos como evidenciar a matriz filosófica do realismo do senso comum de forma plena, mas quando ajuntamos a efervescência intelectual com base nos pensadores ingleses, no ecletismo e no que seria uma educação protestante, podemos nos aproximar de respostas sobre as razões deste encontro entre Princetonianos e brasileiros, o que envolve fé e intelectualidade, a última sendo serva da primeira no protestantismo princetoniano. Creio que temos então indícios interessantes sobre como se deu a implantação do protestantismo e a assimilação de suas bases filosóficas no Brasil.

Em outro lugar Mendonça ainda registra: “No Estado de São Paulo, por

exemplo, missionárias educadoras protestantes foram chamadas a colaborar na reforma do ensino empreendida em princípios do século XX” (MENDONÇA, VELASQUES, 2002, p. 74).

Creio seja este o ponto no qual enfatizamos o resultado mais direto do trabalho protestante. A questão então é: Qual o tipo de educação? Qual a base americana trazida pelos americanos?

A educação como o caminho evidenciado para manter um discurso favorável aos americanos ou posteriormente como um discurso imperialista, creio eu, não pode ficar tão nítido, ou tão clara esta resposta, principalmente na segunda metade do Século XIX. Não vejo como definir um discurso fundamentalista aqui, até o início de nossa pesquisa que aborda as décadas do devido século, mas creio que o espírito dos missionários atingidos pelos relatos de homens como Fletcher não são imperialistas. Há propósitos proselitistas; mas há o desejo de ajudar o próximo, de melhorar uma nação, como também vimos durante o sermão que despertou Simonton para missões.

Termino esta parte de meu trabalho olhando para obra de Míguez Bonino e ressalto o ponto em que o autor de fácil expressão demonstra uma perspicácia que lhe é peculiar:

O rosto “conquistador” da política “panamericana” dos Estados Unidos desperta, como sabemos, reações distintas nas elites governantes da América Latina. Alguns governos querem conservar relações “europeias” como freio de contenção; outros propõem uma espécie de “pan- americanismo” bolivariano. E quase todos se manifestam – sinceramente ou não – contrários a intervenções armadas. Por volta da década de 1880 os Estados Unidos começam a redefinir sua política em termos de “panamericanismo” e em 1888 convocam a Washington todos os países latino-americanos para participar da Primeira Conferência Internacional de Estados Americanos. [...] gerando um forte cheiro de farisaísmo na diplomacia norte-america (MIGUEZ BONINO, 2003, p. 11).

Míguez Bonino mostrará que reação a este tipo de interferência americana na America Latina se dará até duas ou três décadas mais tarde do período que mencionei, por meio do protestantismo latino-americano com a preocupação ligada ao anti-imperialismo.

Outra definição de Bonino é que o projeto liberal fracassou:

Em primeiro lugar, por causa da ambiguidade de uma postura teológica que não permitiu aos dirigentes missionários, em sua maioria, integrar o projeto em sua autocompreensão teológica e por causa de uma insuficiência analítica que não percebeu a incompatibilidade entre projeto da “democracia do desenvolvimento humano” e a razão econômica e política que ditava o funcionamento do “panamericanismo” dos Estados Unidos. Em segundo lugar, porque não chegou a penetrar mais do que em pequenos grupos dos membros de suas próprias igrejas e menos ainda nas igrejas das correntes de santidade e fundamentalistas que entraram em grandes ondas na América Latina já desde o final do século e de alguma maneira impregnaram todo o protestantismo latino- americano. Em terceiro lugar – e fundamentalmente – porque o projeto em si era inviável na América Latina: as próprias elites que auspiciaram topavam com as impossibilidades devidas à estrutura social e à sua própria ambivalência e acabaram derrotadas ou absorvidas no modelo capitalista dependente (MIGUEZ BONINO, 2003, p. 11).

Creio que outras instituições podem ver no contato protestante com uma nação católica nuances proselitistas, mas o que o movimento missionário trouxe

para o Brasil, foi ampliar os horizontes frente à modernidade.192 O que não podemos fazer é um julgamento quanto à intenção dos missionários; o que concluo é “causa e efeito”, neste momento. As motivações podem até ser não tão honrosas, mas os efeitos são reais. Creio que Ribeiro enxergou bem isso:

É a sociedade onde se produziu o prefácio de Ruy a O Papa e o Concílio (1877); dos maçons anticlericais, com o formidável Saldanha Marinho à frente (A Igreja e o Estado, 1875); e do próprio imperador avesso a clericalismo e a frades, extintor de ordens monásticas. Apelar para a autoridade "da igreja", ou "do Papa" seria pouco útil. Restava a Bíblia, como queriam os protestantes. O recurso às "Bíblias falsificadas", além de outras vantagens, deu aos evangélicos aliados formidáveis, como o General Abreu e Lima, As Bíblias Falsificadas, 1865.

Não somente convocaram a edição católica da Bíblia para provar suas doutrinas: passaram a anunciar pela imprensa a concessão de prêmio a quem comprovasse divergências de substância entre Bíblias "de Lon- dres" e "de Nova Iorque" e a edição católica. (Apócrifos excetuados, é claro). Ninguém ganhou o prêmio.

A posição da Bíblia na formulação da doutrina, soberana em Princeton até cerca de 1920, de tal forma imbuiu nossa Reforma que somente em meados da década de 1930 tivemos aqui uma questão "modernista"; e mesmo então os dissidentes procuravam demonstrar que errado estava nosso entendimento da Bíblia, e não a Bíblia (RIBEIRO, 1991, 198).

Até aqui foi importante ressaltar que os protestantes não entram no cenário intelectual brasileiro com uma nova escola, pois tanto no empirismo brasileiro como dentro do ecletismo, que representa uma forma mais personificada da filosofia brasileira, encontramos traços do Senso Comum por meio do sensualismo, que busca por modernidade a sua maneira e neste contexto o protestantismo oferece uma opção de crítica e, ao mesmo tempo, de avanço modernista.

192 Braga e Grubb ao tratar da ação protestante na área de ensino do Brasil perceberam isso em 1932, na obra The Republic of Brazil: “A moderna escola primária no Brasil é produto do esforço missionário. Após a proclamação da República, a província de São Paulo reorganizou o seu sistema escolar estadual e todo o seu sistema de educação primária de acordo com o modelo das escolas missionárias, nas quais as crianças têm sido educadas. De São Paulo está reforma educacional espalhará para outras partes do território nacional”.

5. A FILOSOFIA DO SENSO COMUM E A FORMAÇÃO DO