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As influências filosóficas no Japão

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3. CAPÍTULO I O Oriente e o Ocidente

3.9 As influências filosóficas no Japão

Com a intenção de encontrar indícios da presença de elementos conceituais na filosofia do extremo Oriente que porventura tenham influenciado Jigoro Kano (criador do judô) na elaboração de seus princípios filosóficos e educativos, vamos dar ênfase, neste momento, às características das principais correntes filosóficas presentes no Japão na segunda metade do séc. XIX.

A palavra filosofia não pertencia originalmente ao vocabulário japonês. O termo japonês tetsugaku, uma tradução literal da palavra filosofia, foi introduzida por Nishi Amane e passou a pertencer ao dicionário japonês em fins do século XIX (VALLES, 2002, p. 20). Porém, antes mesmo da criação de um termo para tratar do assunto, o Japão já possuía modos de pensar o mundo, a existência humana e a sociedade, baseados em diversos sistemas de crenças.

Incialmente esses sistemas de pensamento constituíam-se como expressões da relação do homem com a natureza, os fenômenos naturais e seus espíritos ocultos representativos, ou seja, os Kamis. Estes modos de entendimento da realidade, que se manifestam através dos monumentos, dos ritos e dos costumes, estão bem descritos em duas obras, o Kojiki (Crônica de

sucessos antigos) reunidos por O-no-Yasumaro (?-723) e o Nihon-shoki (Crônicas do Japão) elaborados por diversos compiladores e que foi finalizado no ano 720.

Uma das caracterisitcas peculiares da filosofia japonesa é a busca e acolhida de novidades ao seu patrimônio cultural. Este processo de incorporação de elementos estrangeiros marca toda a trajetória histórica do Japão chegando aos tempos atuais. Sobre critérios próprios de seletividade o Japão soube aproveitar os elementos importados julgados úteis, ajustando-os segundo sua própria identidade.

Desta forma, a filosofia do extremo Oriente e, em especial a japonesa, está marcada pela influência do Budismo, do Taoísmo, do Confucionismo sob suas diversas formas, do Xintó e do Bushido (MOORE, 1978, p. 278 e VALLES, 2002, p.30). Entre elas o Xintó e o Bushido indicam claramente uma natureza prática, pois ambas levam consigo a ultima silaba Tao, Xintó – Caminho dos deuses e Bushido – Caminho do Guerreiro.

Estas influências filosóficas estão orientadas segundo Chan Wing-Tsit (1978, p.165) a dedicar-se à busca da solução final para os problemas humanos e não é destinada a uma minoria intelectual, mas para todos, pois é para ser vivida.

Para o Budismo é alcançar o nirvana; para o Taoísmo, a vida longa e visão duradoura; no Confucionismo, a perfeição individual e uma ordem social harmônica; e o bem-estar geral, para o Moísmo. Isso indica que os filósofos orientais preocupavam-se fundamentalmente com o homem e os problemas da vida real, ou seja, a questão da natureza humana.

O Confucionismo afirma que a realização da vida vem com o pleno desenvolvimento do homem, portanto trata de um movimento humanista, o Homem, e somente o homem, ocupava a atenção primeira de Confúcio. O “Jên”

(Ren), a ideia central do Confucionismo, é um conceito voltado para a realização

do eu, o dominar-se, e promove a criação da ordem moral e social, a verdadeira natureza humana. Na citação a seguir, o conceito “Jên”(Ren) pode ser melhor ilustrado.

Os antigos que desejavam tornar manifesto o caráter claro dos povos do mundo empenhavam-se primeiramente em ordenar sua vida nacional.

Os que desejavam ordenar sua vida nacional empenhavam-se primeiro em regular sua vida familiar, Os que desejavam regular sua vida familiar empenhavam-se primeiro em cultivar sua vida pessoal, Os que desejavam cultivar sua vida pessoal empenhavam-se primeiro em por seu coração no caminho certo. Os que desejavam por seu coração no caminho certo empenhavam-se primeiro em tornar sinceras suas vontades. Os que desejavam tornar sinceras suas vontades empenhavam-se primeiro em ampliar seus conhecimentos. A ampliação do conhecimento depende da investigação das coisas. Quando as coisas são investigadas, o conhecimento então se amplia, a vontade então torna-se sincera, o coração então se põe no caminho certo; quando o coração está no caminho certo, a vida pessoal é então cultivada; quando a vida pessoal é cultivada, a vida familiar então é regulada; quando a vida familiar é regulada, então a vida nacional ésta ordenada; e quando a vida nacional está ordenada, então há paz no mundo. (WING-TSIT, C, 1978, p. 41.42)

O homem respeitoso, ao lidar consigo mesmo, busca ser leal nas relações com as pessoas; possuidor de um caráter forte, resoluto e modesto é o que o torna próximo da verdadeira natureza humana. Para Confúcio (551-479 a.C), citado por Wing-Tsit (1978) “o verdadeiro homem, que deseje determinar a

natureza de seu próprio caráter também procura determinar o caráter dos outros. Desejando ter êxito, também procura ajudar os outros a ter êxito”.

Wing-Tsit (1978) conclui que o sistema confuciano está baseado na moralidade. O Confucionismo, no período da restauração Meiji (1968-1912), torna- se um dos pilares centrais das reformas educacionais no Japão como veremos adiante, e devido a esta influência pode-se inferir certa semelhança entre o conceito “Jên”(Ren), elaborado por Confúcio, e o conceito “Jita Kyoei” (Prosperidade e benefício mutuo) elaborado por Jigoro Kano (idealizador do judô). Isso porque ambos os conceitos traduzem ao homem uma condição moral para a conduta social.

A filosofia oriental considera a natureza humana originalmente boa que, por sua ignorância, degenerou-se da sua natureza, de maneira que necessita de disciplina rígida para recuperar a bondade original. Essa é uma das razões pelas quais a disciplina oriental está fortemente acentuada, pois está voltada para a recuperação da virtude original do homem. O mal é, para as escolas filosóficas orientais, um infortúnio causado pelo próprio homem. Não há para os orientais a

ideia de pecado original, pois, ao homem é dada a sua responsabilidade perante sua queda ou salvação.

A seguir será apresentado um quadro com uma breve descrição das principais correntes filosóficas influentes no Japão.

Budismo

Muitas escolas e muitas filosofias. Essencialmente uma doutrina do Caminho do Meio (de vários tipos), exceto para a atitude final de Vazio, envolvendo a transcendência de todas as distinções e particularidades – mas sem absorção no Absoluto. Distinção entre Hinayana (pequeno veículo), rigorosa filosofia individualista de fuga do sofrimento, e Mahayana (grande veículo), filosofia mais moderada e mais universalista, caracterizada pelas virtudes da sabedoria do amor. Na primeira Nirvana significa a cessação do desejo e, portanto, de todo o sofrimento, e na última, a consecução do estado de Buda. Dois níveis de moral, um código rigoroso para o monge e um moderado para o leigo. Esforço para evitar sofrimento na vida evitando-se o renascimento. O sofrimento é devido à ignorância; o conhecimento, ajudado pela atividade moral é o caminho Nirvana. O Nirvana é alcançável na vida mediante a realização da atitude do não-apego e da superação do ódio, da luxúria e da ignorância.

Confucionismo

Humanismo, o esforço para fundar uma sociedade ideal pelo esforço humano e o aperfeiçoamento da moral, mas também pela união ou continuidade do “Estado da Natureza” e do “Estado da Arte”. Necessidade de sociedade, estado, educação, riqueza e moral para o bem-estar do homem. A virtude básica é o jên ou verdadeira natureza humana. Chung yung no sentido de ser fiel ao princípio da própria natureza e de aplicar este princípio às relações de outrem. “As virtudes universais” da sabedoria, da benevolência e da coragem. Seguir o destino. Atividade, correção e moderação (chung yung) acentuadas. A moral é o valor supremo. A retidão pessoal, a harmonia familiar, a disciplina social e a paz do mundo como ideais.

Em Mêncio, a ênfase nas relações humanas através de um programa prático de atividade governamental para o bem-estar do povo.

O Neoconfucionismo destaca o Li (lei ou razão). A harmonia é o resultado do Li tanto no universo como na sociedade. Ênfase na doutrina tríplice: a investigação da razão das coisas até o limite máximo; o pleno desenvolvimento da natureza do indivíduo por e com o pleno desenvolvimento dos outros; e a realização do destino.

Xintó

espelho; seja limpo por dentro e por fora.” Virtudes do intelecto, benevolência e coragem. Sentimento de destino nacional e conceito de extremo de lealdade e dever. Pureza e limpeza como ideais práticos e espirituais. Lealdade para como o soberano, reverência pela memória ancestral, piedade filial. Disciplina, dever para com os pais, os mais velhos, os superiores, a pátria e o imperador. Simplicidade, sinceridade, pureza.

Taoísmo

Lao-Tsé: Naturalismo oposto ao humanismo confuciano e ao moralismo. A naturalidade e a espontaneidade como essência da conformidade com o Tao. Crítica de todo artificialismo. Vida simples. Ideal de um estado de quietude, harmonia e “introvisão”, não “inanição”, mas ausência de esforço. Em certo sentido, a doutrina do Caminho do Meio.

Yang Chu: Adepto da Natureza, interessado principalmente em passar a vida e em manter intacta a essência do ser – não prejudicar com coisas a nossa existência material. Que a vida siga seu curso livremente. Ignore, não só a riqueza e a fama. Mas também a vida e a morte. Chuang-Tsé: Primitivismo, misticismo, quietismo, fatalismo, pessimismo. Primitivismo até o ultimo grau; naturalismo radical; posição de abandono radical. Rejeição de qualquer benevolência, integridade, ritos ou música (do Confucionismo). Nenhum nome, nenhuma fama, nenhuma realização. “Faça uma excursão no vazio”. “Em palavra, seja vazio” A relatividade moral e, em certo sentido, distinção moral de nenhuma espécie.

Bushidô

Lealdade, honra pessoal (em comparação com a qual a própria vida é barata), retidão ou justiça, coragem ou espírito de audácia, benevolência, polidez e modéstia, veracidade,

autocontrole, educação, suicídio ou reparação, e a “Espada, a Alma do Samurai”.

Quadro 2 - Resumo das correntes filosóficas do Japão. Elaborado a partir do texto de MOORE, C.A. Filosofias de vida em comparação. In: MOORE, C.A. Filosofia Oriente e Ocidente. São

Paulo: Cultrix, 1978, p. 271-346.

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