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Bujutsu, budô, jujutsu, judô

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3. CAPÍTULO I O Oriente e o Ocidente

3.10 Bujutsu, budô, jujutsu, judô

O termo jutsu (術) palavra japonesa que significa “arte” ou “técnica” designa formas de realizar determinadas ações com certa habilidade. A palavra bu (武) quer dizer “militar” ou “marcial”. Assim o termo bujutsu (武 術) representa os métodos de combate desenvolvidos e praticados por guerreiros que envolvem aspectos técnicos, práticos e estratégicos para um combate real (VILLAMON e ESPARTERO, 2011, p.68). A prática do bujutsu estava presente no Japão medieval, pois, antes do período Tokugawa (1603-1868), o país estava em

freqüentes batalhas, desta forma, a prática do bujutsu era imprescindível para a sobrevivência. O conhecimento destas práticas era restrito a uma classe de guerreiros chamados de bushis. As técnicas de combate correspondiam à necessidade de serem aplicadas em combates reais em muitos casos até a morte e não tinham valor moral ou espiritual.

A busca de um estado mental favorável ao combate real é uma das características do treinamento marcial da época e tinha como finalidade a máxima eficiência no combate real. A luta, portanto, não possuía caráter simbólico, o homem lutava pela sobrevivência.

Já o termo budo (武 道) tem o do (Tao) que significa “caminho” que traz o sentido de “formas marciais” com natureza mais educativa e ética onde a meta é o desenvolvimento espiritual para a formação de uma personalidade equilibrada. O período Tokugawa (1603 – 1868), por ter promovido mais de 250 anos de paz no Japão, conduziu a prática do bujutsu, que antes era destinada ao combate real, na prática do budo uma forma simbólica e ritual em busca da autoperfeição e da evolução espiritual. Neste período surge o bushido (武士道), ou seja, o caminho do guerreiro que comporta um código moral onde são exaltadas a honra, a lealdade, indiferença a dor, sentido de dever, desapego material, controle das emoções e o desenvolvimento de valores como coragem, disciplina, paciência, cortesia, entre outros (VILLAMON e ESPARTERO, 2011, p.94).

Para Carr (1993, p. 178) virtudes como "respeito, bondade fidelidade, serenidade, calma, prudência, temperança, perseverança, espírito de discernimento rápido após decisão, deliberação, auto-respeito, autocontrole, grandeza de espírito, obediência, atenção e concentração entre outros, foram valorizados por Kano dentro da formação moral que desejava desenvolver em seu método educativo chamado judo.

O do é marcado pela busca de autoperfeição que utiliza o treinamento das técnicas de luta como caminho. O budo efetiva uma transformação significativa na intencionalidade21 do homem que luta na história do Japão. É o surgimento da natureza representativa da luta, ou seja, um caráter simbólico. O do pode ser

21

entendido como o momento de ruptura da luta real passando para um universo de representação simbólica da luta. É interessante notar que, no transcorrer da história o do agrega distintas significações ao surgir o judô e, mesmo nele o do se transforma de acordo com as circunstâncias históricas.

O jujutsu (柔術) tem o termo ju (柔) que significa “flexibilidade” ou também “suave”. Este termo é proveniente do princípio do Tao onde a flexibilidade pode superar a rigidez. As técnicas de jujutsu eram principalmente as imobilizações, as projeções, os estrangulamentos, as chaves de articulação e golpes. A princípio recebia diferentes nomenclaturas como Taijutsu, Yawara, Hoshu, Hojo, Toride

Kogusoku, Hakuda, Shukaku, Jittejutsu, Kempo, Kumiuchi, Koshi no Mawari

(VILLAMON e ESPARTERO, 2011, p.85).

O próprio Jigoro Kano (idealizador do judô) dá sua interpretação para o

jujutsu como podemos ver a seguir:

Muitas artes marciais eram praticadas no Japão durante a era feudal, artes que faziam uso da lança, de arco e flecha, de espadas e de muitas outras armas. O jujutsu era uma dessas artes. Também chamada de taijutsu e de yawara, era um sistema de ataque em que se podia arremessar o oponente, bater nele, chutá-lo, apunhalá-lo, chicoteá-lo, estrangulá-lo, torcer-lhe ou entortar-lhe os membros e imobilizá-lo; e esse sistema também ensinava as defesas para tais ataques. (KANO, 2008, p.19)

O nome jujutsu passa a designar, no século XVIII, o conjunto de técnicas que consistem em adaptar-se de forma flexível aos ataques do adversário, praticadas em diferentes escolas (ryu). Dentre elas está a ryu Tenjin Shinyo – cuja especialidade envolvia técnicas de golpes (atemi) imobilização (ossae) e estrangulamentos (shime) –, fundada no começo do século XIX por Mataemon Iso. A ryu Takenouchi, cuja suposta origem é de 1532, por Hisamori Takenouchi onde a especialidade eram as técnicas de imobilização. Entre tantas escolas de jujutsu que influenciaram Jigoro Kano no desenvolvimento do judô, além das já citadas, temos a ryu Sosuishitu, uma vertente da ryu Takenouchi, fundada em 1650. A ryu

Sekiguchi que deu ao termo ju uma relação entre a flexibilidade e a dureza e a Kito ryu que seguia o princípio chinês do ying e yang, fundada por K.Takeda, onde

a especialidade eram as projeções e o katas. Também podemos citar a ryu

Jukishin e a ryu Kushin. As técnicas do jujutsu antes do período Tokugawa eram

tratadas como secundárias pelos guerreiros, utilizadas apenas em caso de estar sem sua arma principal, a espada. Eram praticadas para serem utilizadas na iminência de um combate onde ambos os guerreiros estivessem sem a espada ou então portando armas curtas. A prática do jujutsu também sofre influência na passagem do bujutsu ao budo e as ryu, já não mais voltadas à aplicação das técnicas em combates reais, passam a especializar-se aumentando assim o número de estilos. Como durante o período Tokugawa os camponeses não podiam utilizar armas seu interesse pela prática do jujutsu cresce e, inclusive, criam novas escolas. Como os camponeses não estavam submetidos ao rigoroso código moral dos Samurais, este é um dos motivos que leva a uma degeneração gradual e distanciamento da prática da luta aos elementos morais e, dessa forma, afasta-se do budo clássico.

Com a queda do regime Tokugawa em 1868 as artes marciais japonesas em geral, e em especial o jujutsu, que já vinha se distanciando da moralidade, perdem a credibilidade, pois a classe militar chega ao fim e são então marginalizadas.

Jigoro Kano estuda jujutsu num período de decadência desta prática no Japão. O Judô surge a partir de suas experiências na prática do jujutsu (como veremos no próximo capítulo) e carrega parte da cultura oriental dos séculos de história marcial. Em função destas novas circunstâncias históricas o do assume uma nova essência, torna-se método educativo, uma nova representação simbólica para a intencionalidade do homem que luta.

Podemos afirmar, neste sentido, uma transformação da intencionalidade do homem que luta sem armas, desde o bujutsu, passando pelo budo e, no final do século XIX, convertido em judô. Vale ressaltar que, em função das circunstâncias históricas presentes em cada época onde o ato de lutar estava presente, desde o Japão medieval até fins do século XIX, a intencionalidade do homem na luta também se altera. Como afirma Martins e Kanashiro (2010, p. 643): “Os treinos

guerras, passam a objetivar também, e, sobretudo o aperfeiçoamento moral e espiritual do praticante. A luta passa a ser consigo mesmo para chegar ao vazio”

De combate real passa-se a ausência de combate e as técnicas são dirigidas para a evolução espiritual devido às influências do pensamento filosófico oriental vigente através do Taoísmo, do Confucionismo, do Xintoísmo, do Zen Budismo e do Bushido. Assim, o homem entra numa dimensão simbólica da luta, uma passagem definida pelo do (Tao - Dao), ou seja, o do é o marco transitório do homem que luta em combate real para a luta em contexto simbólico (figura 9). O surgimento do judô carrega em parte elementos do budo clássico, mas, remete o

do a uma nova significação simbólica, pois o coloca dentro de um contexto

educativo e, como veremos adiante, integra os elementos orientais com ocidentais em conseqüência da abertura do país na restauração Meiji, influenciando o sistema educacional do Japão e a própria formação educativa de Jigoro Kano.

... com a unificação, estabilização e pacificação do Japão a partir do século XVII (Xogunato Tokugawa) o bujutsu começa a sofrer uma transfiguração de arte de guerra passando a ganhar progressivamente uma conotação mais de ascese corporal e espiritual, formação educacional e posteriormente esportiva (...) A nova finalidade consistia em imprimir um caráter formador, educacional e esportivo em detrimento da busca pela eficiência letal para o combate bélico. Através do treino das técnicas se cultivaria o corpo, mente e espírito para o auto- desenvolvimento. Nesta nova configuração sua prática foi aberta para toda a população não sendo mais exclusividade dos samurais. Por essas razões, muitas técnicas foram adaptadas e algumas eliminadas. Pois, não deveriam ser mais, técnicas que visavam a eliminação do inimigo, mas caminhos educacionais e esportivos para o aperfeiçoamento humano que estava ao alcance do cidadão comum. (MARTINS e KANASHIRO, 2010, p. 643)

Em linhas gerais podemos afirmar que o do, quando em referência das lutas de origem japonesa, é o surgimento da esfera simbólica, de origem oriental que, ao romper com a realidade do combate, mergulha numa dimensão invisível da motricidade. Interessante notar que, como mostraremos no decorrer do estudo, o do não é fixo historicamente uma vez que assume (re)significações diferentes de acordo com as circunstâncias histórico-sociais conduzindo o homem a formas diferentes de lutar apesar das técnicas pouco se alterarem. A essência da luta (do)

está escondida na forma técnica (jutsu). Este pensamento, próprio do japonês, tem, entre outros, segundo Lowry (2011, p. 20-21) o termo OMOTE para exemplificar o que esta na forma e é visível e o URA que representa a essência e está obscuro, invisível.

A respeito da luta podemos concluir que o bujutsu é compreendido como finalidade, ou seja, a luta era sentido final. Já no budo e no judô a luta é um processo, um caminho, para se alcançar algo mais, seja evolução espiritual ou desenvolvimento físico, moral e intelectual, objetivos educativos declarados por Jigoro Kano em seu método. Desta forma ocorre uma profunda alteração nos sistemas simbólicos e nos processos de transmissão cultural (VILLAMON e BROUSSE, 2011, p. 121).

Figura 9 - As lutas japonesas vistas como finalidade no bujutsu e como processo/caminho no budo/judô. A transformação de arte de guerra em caráter simbólico.

Veremos que este processo de transformação dos sistemas simbólicos e dos processos de transmissão cultural a cerca da luta não se encerra com a criação do judô, mas segue se alterando principalmente após 2ª guerra mundial quando o judô efetivamente transforma-se de método educativo para uma modalidade esportiva de combate como será apresentado no capítulo III.

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