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2 OS SENTIDOS DA PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA

2.4 As instâncias e os instrumentos de participação

26 Gohn (2009) divide os agentes do quinto ciclo participativo em três grupos distintos, a saber: os clássicos, os novos e os novíssimos. O primeiro grupo se refere aos sindicatos, sem-terra, estudantes, movimentos populares/comunitários de bairros, sem teto, etc; o segundo grupo abrange os movimentos de luta por direitos, identidade criados a partir da década de 1970; já o último grupo abarca os movimentos e coletivos sociais da atualidade, reconhecidos na cena pública na década de 2010, especialmente a partir de junho de 2013, como o Movimento Passe Livre (MPL) e o Movimento Brasil Livre (MBL).

Até os anos 1980, devido ao contexto histórico, social e político nacional, o Brasil não apresentava propensão à participação. Somente nessa década houve o crescimento do associativismo e das formas de organização associadas às lutas por uma sociedade menos desigual e que assegurasse direitos. É importante registrar que a CF/88 incentivou a participação. Isso porque, segundo Cunha e Pinheiro (2009), a sociedade civil foi chamada para apresentar propostas de emendas, propiciando um debate sobre a participação popular nas decisões acerca de políticas públicas bem como o controle sobre a execução e os resultados dessas ações.

A possibilidade de apresentar proposições para o novo texto constitucional mobilizou diversos setores da sociedade civil, como movimentos sociais, organizações sindicais e profissionais e militantes políticos. Estes se organizaram através da constituição de fóruns, plenários e encontros temáticos, a fim de discutir as estratégias, que de fato, atendessem aos interesses e as necessidades sociais. A institucionalização de instâncias representativas, de composição mista e plural, oferecia a oportunidade de efetiva participação da sociedade na formulação, implementação e avaliação das políticas sociais. Esperava-se, com isso, superar as relações autoritárias, clientelistas e burocráticas que predominavam até então (CUNHA; PINHEIRO, 2009).

As emendas de iniciativa popular contribuíram para que houvesse expectativa de mudança nas regras do jogo. As demandas e bandeiras políticas almejavam a redução da pobreza e melhoria da qualidade de vida dos segmentos populares. Reivindicava-se programas e projetos que viessem a operacionalizar diversas políticas, tais como: agrária, habitacional, educacional, ambiental, saúde, urbana, por exemplo. Com a promulgação da CF/88 foi possível contemplar potenciais organizativos no terreno da sociedade civil, como também a construção de novas alternativas de organização social e política.

No mesmo sentido, Dagnino (2004) ressalta que essa nova experiência democrática brasileira se caracteriza pela possibilidade de trânsito de projetos configurados no interior da sociedade civil para o âmbito do Estado, endereçados à democratização das políticas públicas, em especial na esfera local. As possibilidades de renovação no campo das políticas públicas remetem especialmente à influência dos atores coletivos no alargamento dos limites da agenda pública e no seu conteúdo. Neste cenário ganha destaque a descentralização, que permitiu a organização de estados e municípios por legislações específicas e locais que respeitassem suas características.

No que tange a política urbana, as discussões foram pautadas na necessidade de maior democratização do planejamento e gestão urbana. Com ampla produção e difusão de

conhecimento sobre a questão urbana, os modelos de elaboração, gestão e controle de pensar a cidade foram ressignificados. Os avanços alcançados são resultados da atuação dos movimentos sociais, partidos políticos, instituições de classe patronal, igrejas e outros, que se articularam no intuito de defender a Emenda Popular da Reforma Urbana27.

O período pós-constituição foi marcado por duas características: o fortalecimento democrático da sociedade civil, agora mais forte e ativa; e a proliferação das formas de participação. Nesse período surgem “formas híbridas de participação” (AVRITZER, 2009), articuladas por movimentos sociais, associações voluntárias e Organizações Não Governamentais (ONGs) que contribuíram para o desenvolvimento de estratégias capazes de superar heranças clientelistas e de corrupção. Essas estratégias influenciaram novas práticas políticas no âmbito local, tais como assembleias de bairro e conselhos locais. Entre as formas de participação mais destacadas estão os Conselhos Gestores de Políticas Públicas e os Orçamentos Participativos (ver quadro 02).

Quadro 02 - Instâncias e instrumentos de participação da política urbana. INSTÂNCIAS E INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO

Instâncias de Participação Instâncias Institucionais Instrumentos de Participação

Associação de Moradores Conselhos Municipais Audiências Públicas

Fóruns Territoriais Comitês Setoriais

Consultas Públicas Leis, Projetos e Planos de

Iniciativa Popular

Municipais Orçamento Participativo

Plebiscito Referendo Fonte: Elaborado pelo autor.

Na década de 1990, o avanço do neoliberalismo amparado pelo discurso de globalização ratificou ainda mais a necessidade de se adotar novas instâncias e instrumentos para efetivar cada vez mais a democracia participativa. Em contrapartida, vários mecanismos têm sido adotados com o objetivo de proporcionar melhor representação, como cotas em partidos, sistemas de representação proporcional e reservas de cadeiras legislativas, mas a efetividade dessas ações enquanto melhor escolha a ser adotada ainda divide opiniões.

É importante frisar que experiências como essas estão transformando a forma de pensar a representação. De acordo com Gurza et al (2006), essas novas experiências geram 27 Souza (2013) apresenta uma concepção da Reforma Urbana como “um conjunto articulado de políticas públicas, de caráter redistributivista e universalista, voltado para o atendimento do seguinte objetivo primário: reduzir os níveis de injustiça social no meio urbano e promover uma maior democratização do planejamento e da gestão das cidades. (SOUZA, 2013, p. 158). A discussão sobre Reforma Urbana no Brasil será abordada no capitulo 03.

dois principais fenômenos: a emergência de novas instâncias para mediar a relação entre representante e representado, como a mídia e atores intermediários de representação, e a multiplicação de instâncias de participação cidadã e representação coletiva. Esses espaços são voltados não apenas para o debate, mas para a definição de políticas públicas e supervisão de ações.

As novas tecnologias informacionais ajudaram a impulsionar o desenvolvimento de novos canais de articulação entre indivíduos e grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania. Caminhando nesse trajeto, destaca-se o papel da internet, como potencializadora de consumo de conteúdo – que podem contribuir para o fortalecimento da cidadania e possibilitar a maior participação da sociedade civil.

Por fim, a atual conjuntura político-social, econômica e cultural brasileira revela que o associativo advindo da participação em estruturas institucionalizadas, estatais ou não, entrou em crise e sofre alterações a partir de critérios de alinhamento ao modelo conservador e seus requisitos. Prova disso, o presidente Jair Bolsonaro, assinou o Decreto nº 9759, de 11 de abril de 2019, extinguindo e limitando a criação de órgãos colegiados no Governo Federal. A medida do presidente se aplica tanto para aqueles com participação da sociedade civil, como os estritamente de governo (Grupos de Trabalho interministeriais, por exemplo) e também revoga explicitamente o Decreto nº 8243, de 23 de maio de 2014, que estipulava a Política Nacional de Participação Social.

O decreto, publicado sem qualquer diálogo com os órgãos afetados e com a sociedade, representa o desmonte de parte importante da administração pública federal. Ademais, denota- se a ausência de justificativas que deram razão a edição do presente ato e a subsequente extinção dos órgãos mencionados. Com o fim da participação oficial da sociedade civil nas deliberações do Estado brasileiro, extingue-se a essência da participação política, restando cada vez mais uma democracia formal, pálida, limitada à processos eleitorais que servem tão somente para legitimar atos autoritários sustentados pelo manto da legalidade ou eleger governantes pouco comprometidos com a própria democracia.