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Capítulo 1 – Economia Solidária: Contextos e Percursos

1.2. A economia solidária no Brasil

1.2.2. Virando o século XXI

1.2.2.3. As instituições apoiadoras

No âmbito das instituições que vêm dando apoio tanto aos empreendimentos como também a outros segmentos que trabalham com a economia solidária, têm-se os trabalhos desenvolvidos pelas universidades e outras organizações sociais.

Nos anos de 1990, após uma década de inflação e estagnação, a sociedade brasileira vivencia um cenário no qual milhões de pessoas estavam vivendo abaixo da linha da pobreza. Existia uma cobrança, por parte de vários segmentos da sociedade, no sentido de que as universidades estreitassem os laços com a comunidade e desempenhassem melhor o seu papel social de contribuir com o seu desenvolvimento, não só pela via da produção do conhecimento e da sua socialização, mas também na busca de estratégias de organização social em parceria com outros agentes presentes na sociedade.

Algumas universidades já possuíam experiência em estudos, pesquisas e atividades de extensão no âmbito do cooperativismo, a exemplo da UNISINOS – Rio Grande do Sul – convidada pela Fundação Osvaldo Cruz para criar uma cooperativa popular na periferia do Rio de Janeiro, precisamente na favela de Manguinhos. Essa experiência inspirou outras iniciativas que surgiram posteriormente, chegando-se à criação da primeira Incubadora Tecnológica de

Cooperativas Populares vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ45.

A Central Única dos Trabalhadores – CUT, mediante contatos estabelecidos com reitores e pesquisadores, convidara as universidades a estreitarem a relação universidade – sindicato. Essas discussões foram assumidas pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras – CRUB, sendo criada, em 1996, a Rede de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho – UNITRABALHO, com o propósito de desenvolver mecanismos de cooperação entre as universidades e as organizações sindicais e outras instituições sociais, no sentido de democratizar o conhecimento produzido e visando a articular, em escala nacional, a universidade e o mundo do trabalho, contribuindo, assim, para o resgate da dívida social que as universidades brasileiras têm para com os trabalhadores. Sua missão se concretiza por meio da parceria em projetos de estudos, pesquisas e capacitação, viabilizados por intermédio das várias universidades em todo Brasil, incluindo as federais, estaduais e comunitárias. Dessa forma,

além de contribuir para o fortalecimento das organizações sociais relacionadas com o mundo do trabalho, a Unitrabalho busca o fortalecimento das instituições de ensino superior a ela agregadas. Em primeiro lugar, porque essas instituições têm um papel social a cumprir: o de buscar soluções para os problemas reais das comunidades nas quais estão inseridas e, num plano mais amplo, para os problemas nacionais. Em segundo lugar, porque somente instituições universitárias sólidas e que absorvam as questões do mundo do trabalho no seu 'pensar' e ‘fazer´ acadêmicos podem contribuir com mais propriedade, consistência e efetividade para a solução dos problemas sociais do nosso país46.

Ainda em 1997, a UNITRABALHO criou um Grupo de Trabalho – GT de economia solidária que foi ao longo dos anos, construindo referências teóricas e metodológicas culminando, posteriormente, na criação do Programa Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável, hoje sendo executado em 36

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Em 1997, foi lançado o Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas – PRONINC, no âmbito do COEP, em parceria com a FBB, BB, COPPE/UFRJ – quando outras incubadoras foram criadas na Universidade Federal do Ceará, na Universidade Estadual da Bahia, Universidade de São Paulo, Universidade Federal Rural de Pernambuco e Universidade Federal de Juiz de Fora. O propósito era desenvolver a metodologia de incubação de cooperativas populares e a difusão desta tecnologia social para outras universidades do país.

universidades. Além da UNITRABALHO, existe também a Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares – ITCP`s que agrega 16 universidades públicas e desenvolve assessoria em vários empreendimentos em todo Brasil.

No caso da UNITRABALHO, existe, atualmente, o desenvolvimento de quatro grandes Programas: Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável, Trabalho e Educação, Emprego e Relações de Trabalho e Saúde do Trabalhador, que são concebidos para articular projetos que materializam sua missão no âmbito do ensino, pesquisa e extensão, estruturados de forma a atender projetos em diferentes áreas, respeitando as peculiaridades de cada região do país.

O Programa Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável47

está constituído como um espaço plural de pesquisa e atividade prática de extensão consubstanciado na luta pela construção de novas relações de trabalho, que promovam o desenvolvimento sustentável e a autonomia dos trabalhadores por meio de empreendimentos econômicos solidários autogestionários - EES, com vistas à inovações tecnológicas e inserção no mercado, preferencialmente em cadeias produtivas48

.

Tem como objetivo

promover a geração e consolidação de Empreendimentos de Economia Solidária, assegurando sua adequada inserção em cadeias produtivas ao lado de empreendimentos semelhantes, sob a forma de pequenas unidades de produção, cooperativas, empresas de autogestão e outras modalidades49.

A UNITRABALHO nacional, por meio desse Programa e das universidades a ela agregadas, vem construindo referências metodológicas que orientam a incubação50, considerada como

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O Programa Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável da UNITRABALHO será aqui destacado, tendo em vista o campo desta pesquisa, ou seja, os empreendimentos e cooperados/associados, aqui pesquisados, estão vinculados a um Núcleo/Incubadora desta Rede. 48 Cf. www.unitrabalho.org.br.

49 Cf. folder da UNITRABALHO.

50Todo material de referência metodológica, para a incubação dos empreendimentos econômicos

solidários, encontra-se no sítio da Rede UNITRABALHO à disposição das universidades agregadas que, diante da sua realidade, fazem as modificações que consideram necessárias. Esse referencial tem sido importante na construção das etapas e processos de incubação, além de que, enquanto Rede, serve também para reforçar a sua identidade. Consultar: www.unitrabalho.org.br.

um processo prático educativo de organização e acompanhamento sistêmico a grupos de pessoas interessadas na formação de empreendimentos econômicos solidários, tendo em vista a necessidade de suporte técnico para a realização desses empreendimentos (CULTI, 2006, p.2).

Trata-se de um processo educativo que exige um suporte teórico e técnico, interação constante do próprio grupo, entre outros grupos, com a equipe de assessores e instituições parceiras. O processo de incubação é revestido por momentos de troca, construção e reconstrução de saberes (acadêmico e popular), envolvendo profissionais de diferentes áreas do conhecimento. Nesse sentido, a incubação se desenvolve por meio de uma metodologia que tem como base o estabelecimento de uma relação dialógica, na qual “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1999, p.25). As etapas que envolvem a incubação vão sendo construídas, a partir da realidade dos empreendimentos e suas demandas.

A experiência de incubação da UNITRABALHO tem levado algumas incubadoras, a ela vinculadas, a multiplicarem suas experiências, contribuindo na criação de novas incubadoras, socializando os conhecimentos produzidos, ampliando e oportunizando o desenvolvimento de ações de geração de trabalho e renda. Para tanto, contam com parcerias de órgãos públicos, privados, ONG’s. A UNITRABALHO, por sua vez, também estabelece parcerias e convênios com instituições nacionais e internacionais, visando conhecer novas experiências, socializar aquelas já acumuladas e conseguir financiamentos a serem repassados para as incubadoras vinculadas à Rede.

Atualmente o Programa de Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável, desenvolvido por meio dos Núcleos/Incubadoras das universidades, tem sido uma das ações importantes para a visibilidade da UNITRABALHO, em nível nacional, tendo em vista a sua abrangência e as ações concretas desenvolvidas por meio da atividade de incubação, junto a mais de 179 empreendimentos econômicos solidários, atendendo a 10.986 beneficiários51.

Além das universidades, outras organizações sociais têm desenvolvido um trabalho importante de pesquisa, construções teórico-metodológicas e na assessoria do processo de formação dos empreendimentos. É oportuno destacar:

a) o trabalho desenvolvido pela Cáritas Brasileira, nos diversos cantos do Brasil, auxiliando na criação e/ou consolidação de empreendimentos econômicos solidários e de experiência com os fundos solidários; b) a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), por meio do fortalecimento das redes sócio-produtivas; do incentivo ao comércio ético e solidário; da avaliação de programas e projetos de incubação; c) a Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão (ANTEAG), por intermédio da produção, difusão de conhecimento e informação sobre processos gerenciais para os trabalhadores em empresas autogeridas; d) a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS), cuja missão é promover a constituição, fortalecimento e articulação de empreendimentos autogestionários, buscando a geração de trabalho e renda, via organização econômica, social e política dos trabalhadores, inserindo-os num processo de desenvolvimento sustentável e solidário; e) a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) que, por meio das lutas empreendidas e da formação continuada, tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida e ampliação de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais assalariados, permanentes ou temporários; dos agricultores familiares, proprietários ou não, dos sem-terra e, ainda, daqueles que trabalham em atividades extrativistas; f) o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que agrega à luta pela reforma agrária e justiça social ações de geração de renda, por meio da organização de cooperativas para a produção e comercialização; g) o Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) vem se dedicando na elaboração de propostas de políticas e práticas redistributivas, realização de pesquisas, e, sobretudo, na construção de práticas de economia, tendo por base a cooperação, a solidariedade, a autogestão; h) o Instituto Brasileiro de Análises Sócio- Econômica (IBASE) realizando avaliações de programas governamentais de diferentes políticas públicas, entre elas, as de trabalho e renda, realização de pesquisa e inserção nos Fóruns que tratam da economia solidária; i) a União e Solidariedade das Cooperativas Empreendimentos e de Economia Social do Brasil (UNISOL Brasil) que tem aglutinado empreendimentos em todo país e desenvolvido processos de formação, reforçando os princípios da participação democrática e da autonomia e independência.

Todas essas ações, em suas diferentes dimensões, estão compondo um outro momento da economia solidária, no Brasil, virando o século XXI com várias mudanças no âmbito do trabalho, diante de um cenário de desemprego, de articulações dos movimentos sociais que passam a colocar em suas pautas a discussão e ações vinculadas a essa temática, da presença de universidades e outras organizações sociais que prestam assessoria aos empreendimentos e outros segmentos sociais envolvidos com a economia solidária. Somam-se também as políticas governamentais que trazem para o cenário governamental a discussão de uma política pública nessa área; e, principalmente, o (re)surgimento de iniciativas produtivas que têm procurado construir novas relações de produção e de trabalho, cuja lógica não seja a exploração do homem, mas que sejam pautadas em práticas democráticas e participativas, na solidariedade, cooperação e respeito, numa tentativa de retorno aos princípios e valores iniciais do movimento cooperativo revolucionário que foi ao longo da história sofrendo modificações.

Esse processo de mudança foi exigindo também o entendimento não só do cenário em que estas se processavam, mas a construção de elementos teóricos que auxiliassem no entendimento dessa dinâmica da economia solidária na contemporaneidade, suas especificidades e diversidade.