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As instituições educativas e o tempo livre

2.2 Educação e emancipação

2.2.1 As instituições educativas e o tempo livre

No início deste segundo capítulo, destaquei que educação e política sempre estiveram intimamente ligadas. Talvez só possamos falar dessa relação com mais propriedade a partir das reflexões de Rousseau, que inaugura essa tradição que aproxima educação e política. No entanto, não podemos ignorar que a escola surge como uma instituição histórica e política e, como tal, é portadora de uma determinada finalidade. Assim, se voltarmos à origem da escola, talvez seja possível entender um pouco melhor essa relação entre educação e política.

A tradução mais comum da palavra grega skholé é tempo livre. As primeiras instituições educativas, nas cidades-estado gregas, tinham uma finalidade muito clara: oferecer tempo livre às gerações mais jovens. Os defensores do fim das instituições educativas entendem que não faz sentido oferecer tempo livre, pois nas sociedades dominadas pelo consumo e pela efemeridade, todo tempo livre deve estar a serviço da produção. Até mesmo o lazer em nossa época se caracteriza como uma atividade produtiva e voltada para o consumo. No entanto, os gregos pensavam de forma diferente:

[...] É importante ressaltar que a escola é uma invenção (política) específica da polis grega e que a escola grega surgiu como uma usurpação do privilégio das elites aristocráticas e militares da Grécia antiga [...] Em outras palavras, a escola fornecia

tempo livre, isto é, tempo não produtivo, para aqueles que por seu nascimento e seu

lugar na sociedade (sua ‘posição’) não tinham direito legítimo de reivindicá-lo. Ou, dito ainda de outra forma, o que a escola fez foi estabelecer um tempo e espaço que estava, em certo sentido, separado do tempo e espaço tanto da sociedade (em grego:

polis) quanto da família (em grego: oikos). Era também um tempo igualitário e,

portanto, a invenção do escolar pode ser descrita como a democratização do tempo

Da citação acima podemos extrair algumas conclusões importantes. A primeira delas é que a escola é filha da democracia. Ela surge para oferecer tempo livre a todos. A escola grega era um espaço onde o tempo livre para o estudo era ofertado às pessoas que não tinham direito a ele de acordo com as leis gregas. Não importava mais a raça, a origem ou a natureza de alguém. Por essa razão, qualquer tentativa de separar educação e democracia significa fugir das próprias raízes das instituições educativas.

Outro aspecto importante relacionado à citação acima é que os espaços das instituições educativas não devem estar a serviço da produção. Toda forma de utilitarismo é aqui afastada. Afinal, seja na família ou na sociedade, estamos sempre produzindo. Não existe espaço para tempo livre. Tempo livre é sinônimo de desperdício no mundo contemporâneo. O tempo deve ser produtivo, operacional e dedicado ao uso mais eficiente possível para o benefício de objetivos prefixados. Nesse sentido, assegurar a escola como tempo livre é oferecer ao individuo a possibilidade de uma experiência diferente daquela realizada na família e na sociedade.

Mas se esse tempo livre não é nem produção nem ócio, o que seria então? Esse tempo livre é um tempo dedicado ao acesso a conhecimentos e habilidades que derivam do mundo, mas não são o mundo. Ou seja, a tarefa da escola não é vocacional ou profissional. O educador não deve se preocupar com a aplicabilidade imediata dos conhecimentos e habilidades. O processo de formação é lento e trabalhoso e requer paciência de quem vive num mundo onde tudo que é improdutivo deve ser ignorado. A instituição educativa oferece o tempo livre para que os jovens possam despertar e se libertar de um tipo de pensamento superficial e fantasioso.

Nesse sentido, Jan Masschelein e Maarten Simons contribuem de forma significativa para pensar as instituições educativas, pois indicam que a escola como tempo livre não deve se apegar ao passado e nem ao futuro. Ora, é claro que sempre educamos com expectativas de futuro. Também é obvio que os conhecimentos e habilidades ofertados ao educandos são construções históricas e, portanto, concernidas ao passado. Contudo, o passado oprime e define os educandos em termos de falta ou não de habilidades e talentos e o futuro é a pressão demasiada por uma pretensão planejada pelos adultos (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013, p. 36).

As instituições educativas precisam firmar o pé no presente. Se, e depois discutirei isso, o papel da educação é também preparar para a democracia, então é fundamental que os jovens experimentem na escola os benefícios e as vicissitudes deste regime político. Mas é preciso olhar para o futuro como um alvo sem esquecer que o mais importante é o processo, a

caminhada. De nada adianta uma educação que oferece todos os conhecimentos e habilidades do passado sem sonhar com um futuro desejado. É preciso entender que o tempo nas instituições educativas não representa uma simples passagem, como se fosse possível antever que todos os educandos chegarão ao seu destino. Ao olharmos apenas para o objetivo, como, por exemplo, a democracia ou o pensamento crítico, estaremos negligenciando a caminhada, ou seja, o processo formativo do ir ao encontro, da busca de.

Procurar e justificar a finalidade da educação fora das instituições educativas pode suscitar muitas dificuldades. Principalmente quando essa finalidade é a empregabilidade. Como já foi dito, fixar-se na importância prática e na utilidade é uma aposta pretensiosa e dolosa, pois pressupõe ser possível enumerar uma série de conhecimentos e habilidades necessários em uma sociedade caracterizada pela efemeridade. A educação é, parafraseando Arendt (1972), uma oportunidade ou uma experiência de renovar o mundo em que vivemos. Mas essa experiência não pode ser ignorada como quem pensa no futuro esquecendo o presente.

Com isso, não se condena a aquisição de conhecimentos e habilidades para o exercício profissional. Contudo, adquirir habilidades profissionais não pode ser o objetivo principal da educação. O tempo escolar não pode se restringir ao produtivo. Os jovens não devem ser pressionados por quaisquer constrangimentos específicos relacionados à família, ao trabalho ou a sociedade. Isso significa que o tempo livre na escola deve ser dedicado ao lazer? Certamente que não. Masschelein e Simons (2013, p. 98-99) dizem sobre isso:

Consequentemente, o tempo livre como tempo escolar não é um tempo para diversão ou para o relaxamento, mas é um tempo para prestar atenção ao mundo, para respeitar, para estar presente, para encontrar, para aprender e para descobrir. O tempo livre não é um tempo para o eu (para satisfazer necessidades ou desenvolver talentos), mas um tempo para se empenhar em algo, e esse algo é mais importante do que as necessidades pessoais, os talentos ou os projetos. É por abrir um mundo para as crianças e os jovens [...] que crianças ou jovens podem experimentar a si próprios como uma geração capaz de construir um novo começo.

A educação não deve apontar para um destino ou um alvo externo a ela. Deve apontar para o presente e para experiência rica que os jovens podem fazer com o mundo apresentado a eles. Como mencionei no início do capítulo, entendo que a educação e a democracia estão intimamente vinculadas. Se o tempo livre deve ser dedicado a algo que extrapole as minhas necessidades pessoais, então esse primeiro contato com o mundo pode contribuir para a formação de um cidadão hábil a viver num regime democrático. Ao ser apresentado ao mundo e às suas coisas, o jovem deve se sentir responsável pelo bem comum e

livre para construir um mundo novo. Sem esse sentimento, os jovens estão destinados a virar consumidores ou clientes, interessados apenas na sua satisfação pessoal.

Meu objetivo é aprofundar a tese das instituições educativas como tempo livre no último capítulo. Contudo, posso adiantar que não se trata nem de tempo dedicado a lazer e nem tempo dedicado à produção. Também não significa assumir uma postura relativista, como se não fosse necessário pensar na finalidade ou nos propósitos da educação. Trata-se do tempo do exercício, da atividade, do pensamento. Parafraseado Arendt (1972), é o tempo entre o passado e o futuro, entre o possível e o real. Nesse sentido, como nos alertam Masschelein e Simons (2014), o conceito de suspensão pode ajudar a entender melhor o significado das instituições educativas como tempo livre.

Em primeiro lugar, é bom esclarecer que não se deve confundir tempo livre com a instituição, pois, essa última, sim, tem finalidades e propósitos. Trata-se de pensar na própria atividade pedagógica. É nesse sentido que o tempo da escola é um tempo sem objetivo. É tempo suspenso no qual educador e educando suspendem o tempo dos seus propósitos. A atividade do pensamento deve ser livre e não destinada. Suspender o tempo significa apresentar o mundo aos educandos sem tentar definir como ele deve ser ou como ele deveria ser. Essa experiência do pensamento livre, suspenso, cabe aos educandos. Diz Arendt (1972, p. 243):

Nossa esperança está pendente sempre do novo que cada geração aporta; precisamente por basearmos nossa esperança apenas nisso, porém, é que tudo destruímos se tentarmos controlar os novos de tal modo que nós, os velhos, possamos ditar sua aparência futura.

Para Arendt (1972), a educação é uma oportunidade de um novo começo para a sociedade. O educador deve conservar o mundo como inacabado para que os educandos possam começar de novo. Para que eles possam obter o mesmo significado da geração adulta ou mesmo encontrar um novo significado para o mundo. Oferecer tempo livre às gerações mais jovens é o mesmo que oferecer uma oportunidade de recomeço para a humanidade. Nesse sentido, como filha da democracia, a instituição educativa é, antes de tudo, a decisão de instalar a igualdade na sociedade, pois oferece tempo livre a todos independentemente de gênero, etnia ou condição social. Nela os jovens podem ter contato com o mundo e fazer experiências significativas para a sua formação como indivíduo e como cidadão.