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Sobre o ódio direcionado às instituições educativas

Como tentei mostrar nos primeiros capítulos, as instituições educativas enfrentam muitos desafios no contexto complexo e plural em que vivemos. No entanto, para fazer frente a tais desafios, parece-me necessário, antes de tudo, tratar do sentimento hostil, da aversão quase generalizada entre as novas gerações com relação às instituições educativas23. Talvez tal desconfiança tenha existido sempre, mas atualmente ela vem se tornando mais forte e manifesta.

Eu mesmo frequentei a escola por obrigação. Embora não sentisse qualquer constrangimento moral, a ameaça do chinelo da minha mãe efetivamente representava algum tipo de obrigação moral. Meu preceito moral era o chinelo. Se eu dissesse: Mãe, eu não gosto da escola e vou ficar em casa hoje, ela prontamente responderia: se você não for, vou te levar de casa até a escola a chineladas. Ou seja, minha única motivação para ir à escola era o medo de ser humilhado publicamente.

Mais tarde, ao cursar a graduação, tinha a obrigação de buscar uma formação que garantisse meu futuro profissional e vida econômica tranquila. Por ironia, escolhi Filosofia e Educação das quais não se pode esperar um retorno financeiro condigno. No entanto, talvez essa escolha tenha me proporcionado algo que não teria conquistado com outras opções. Mesmo assim, restou-me a lembrança de detestar as instituições educativas. Se tal sentimento fosse algo puramente particular, não deveria ser lembrado aqui. Ocorre se tratar de um sentimento cada vez mais comum e presente entre as novas gerações.

Na sua última obra, Honneth afirma que talvez a melhor forma de entender uma época não seja mediante pesquisas sociais, mas pela literatura, cinema e arte em geral.

23 O movimento de ocupação das escolas e universidades contraria essa tese. Contudo, refiro-me aqui mais ao funcionamento e organização dessas instituições. Enquanto o movimento de ocupação luta pela garantia dos direitos desses jovens estudantes.

Conhecemos as patologias sociais com mais clareza por meio das manifestações estéticas. Honneth argumenta:

En este sentido, el mejor camino para diagnosticar tales patologías sigue siendo, como en la época de Hegel o del joven Lukács, el análisis de los testimonios estéticos en los que tales síntomas se presentan indirectamente: las novelas, las películas o las obras de arte contienen aún el material a partir del cual obtenemos de manera primaria conocimiento acerca de si en nuestra época se pueden detectar tendencias de una deformación reflexiva, de un nivel superior, del comportamiento social y cuán difundidas están (2014, p. 120).

Existem muitas manifestações estéticas de ódio às instituições educativas ou de experiências educativas fracassadas. Sem falar naqueles relatos de experiências geradoras de patologias psíquicas e até mesmo físicas. O que torna o tema ainda mais interessante é o fato de existirem pouquíssimas manifestações estéticas que defendem ou que expressem elogios às instituições educativas. Este fato, para além dos desafios educacionais das sociedades complexas e plurais, precisa ser pensado com a mesma seriedade e responsabilidade que os outros temas educacionais.

Entre os teóricos da educação é possível encontrar verdadeiros defensores do fim da escola. O caso mais famoso é sem dúvida o de Ivan Illich, com seu livro Sociedade sem escolas (1985). No entanto, esses teóricos falam do fim de uma instituição educacional opressora, antidemocrática, entediante etc. Podemos concordar com eles nesse ponto. Afinal, a literatura, o cinema e as outras artes nos mostram o quanto instituições educativas podem ser responsáveis pela formação de patologias psíquicas e físicas que os indivíduos não conseguem superar nem mesmo na vida adulta.

Existem filmes clássicos e populares que apresentam a escola como um lugar de opressão, de tédio e, é claro, de bullying. Talvez um dos filmes mais marcantes seja The Breakfast Club (na versão brasileira Brasil, Clube dos cinco) dirigido por John Hughes. Esse filme, de 1985, mostra um dia na vida de cinco adolescentes que, por terem se comportado mal na escola, ficam detidos um sábado inteiro, obrigados a redigir um longo texto, com mais de mil palavras, sobre o que eles pensam sobre si mesmos. No final do filme, os cinco alunos apresentam um único texto no qual respondem ao professor. Ao dizerem o que pensam sobre si mesmos, os alunos denunciam algo muito comum nas instituições educativas: a criação de estereótipos sociais.

Outro clássico do cinema é The Wall, filme de 1982 dirigido pelo britânico Alan Parker, baseado no álbum The Wall, da banda Pink Floyd. Embora não trate apenas da escola, o filme ficou mais conhecido pelas cenas alusivas à escola como uma fábrica. Cenas que

seguem a música Another Brick in the Wall do compositor e baixista da banda Roger Waters. Talvez seja uma das mais brilhantes manifestações estéticas sobre a escola. Apesar das cenas fortes beirando o exagero, trata-se, sem dúvida, de uma perspicaz percepção da patologia educacional.

Outro filme, esse mais recente e baseado em fatos reais, é Freedom Writers de 2007 (no Brasil Os Escritores da Liberdade) dirigido por Richard LaGravenese. Neste filme, a professora Erin Gruwell assume uma turma de alunos problemáticos de uma escola que não está disposta a investir ou mesmo a acreditar naqueles adolescentes. Como em outros filmes similares, a professora assume a tarefa de educar e civilizar aquela turma estigmatizada como “os sem-futuro” pelos demais professores. Neste filme também podemos identificar algumas das principais patologias do ambiente educacional.

Ainda poderíamos citar outros filmes como Ao mestre com carinho dirigido por James Clavel, de 1967, e Sociedade dos Poetas Mortos, dirigido por Peter Weir, de 1989. A meu ver, os inúmeros filmes que tratam dessa questão podem ser classificados em duas categorias. Na primeira categoria estão os filmes mais populares que representam a escola como um ambiente profundamente opressor e tedioso. São filmes que ignoram que opressão e tédio são sintomas de problemas mais complexos. A solução encontrada pelos alunos nesses filmes, metafórica e fisicamente, é destruir a instituição educativa e tudo o que ela representa. O professor e a instituição são inimigos. Os jovens entendem que é preciso guerrear para tornar a vida dentro das instituições educativas suportável.

Na segunda categoria estão os filmes nos quais um único professor transforma toda a realidade de uma instituição. Nesses casos, o professor tem o papel de salvador ou libertador. Ele encontra uma realidade adversa e aos poucos consegue a transformação completa dessa realidade. O professor consegue vencer os obstáculos, por exemplo, os colegas reacionários e acomodados, uma direção ausente ou comprometida com outros valores e as dificuldades trazidas de casa pelos alunos. Ou seja, o professor é um herói.

Poderia mencionar muitos outros filmes excelentes, mas para os fins da minha exposição, julgo estes exemplos suficientes. Mesmo sendo de categorias diferentes, estes filmes mostram um fato muito importante: a instituição educativa, mesmo em épocas distintas, sempre esteve marcada por um ambiente profundamente autoritário, opressor e tedioso. Com menor ou maior propriedade, as películas mostram um ambiente escolar marcado principalmente pelo autoritarismo e pelo tédio.

No entanto, naqueles filmes em que a realidade se transforma, a mudança ocorre mediante soluções mágicas. Geralmente, partem da hipótese de que um único educador

consegue resolver todos os problemas de um ambiente educacional. Alguns filmes inclusive alimentam uma tradição pedagógica que poderíamos chamar de espontaneista. Ou seja, qualquer estratégia inventada serve para transformar a realidade, mesmo que isso signifique uma formação desqualificada dos jovens em questão, que representam, na linguagem cinematográfica, todos os jovens de uma geração. Os espontaneistas enfrentam apenas uma das patologias, o tédio. Em nome do prazer e da alegria, decidem deixar nas mãos das novas gerações a sua própria educação.

Na literatura não é muito diferente. Existem livros das duas categorias citadas acima. Na literatura internacional chamam atenção, a título de exemplo, os livros da série Diary of a wimpy kid (no Brasil com o título Diário de um banana), escrita e ilustrada por Jeff Kinney. Nos livros, Greg, o personagem principal, conta as desventuras de sua vida escolar. Em busca de um pouco de popularidade, o jovem garoto se envolve em uma série de dificuldades que procura resolver de maneira muito particular. Independente da qualidade dos textos, faz sentido lembrar aqui que se trata de uma série de livros traduzida em 28 idiomas, inclusive com versão para o cinema.

Boa ou ruim, a história de Greg é mais uma das tantas histórias estereotipadas de abordar o tema da escola. O texto descreve um menino buscando popularidade em uma instituição opressora, autoritária e entediante. Fala de alguns desafios da adolescência e da convivência familiar. Mesmo assim, a série tem presença garantida nas listas dos livros mais vendidos. Numa época em que as novas gerações têm optado mais pelas tecnologias e menos pelos livros, sua aceitação pelo público adolescente ainda é considerável. Em suma, para o personagem principal, o ensino fundamental é a coisa mais idiota possível.

No Brasil, o livro Como se tornar o pior aluno da escola, do apresentador e comediante Danilo Gentili24, chegou rapidamente à lista dos mais vendidos, dos mais amados e dos mais odiados. Nele, o autor ensina, de forma irônica, como ser o pior aluno e, ainda assim, se dar muito bem. Sua crítica irônica ao sistema escolar é repleta de estereótipos. Certamente, o autor ignora ou desconhece o fato de que a comédia e o sarcasmo têm a força de perpetuar os estereótipos e os preconceitos. Afinal, por se tratar de comédia, o autor imagina que as piadas são inofensivas ou, na vontade de fazer render sua popularidade, nem se importa com isso.

Mas há também livros de literatura com excelentes reflexões sobre o cotidiano educacional, como os que irei usar no decorrer do presente capítulo. O primeiro se chama Mal

de escuela, de 2007, de Daniel Pennac. Nesse livro, o autor fala da educação e da escola desde sua experiência. Para além dos estigmas e dos rótulos, Pennac nos faz refletir sobre a educação e as instituições educativas desde a perspectiva de quem era considerado um mau aluno. Uma obra com histórias que têm em comum a angústia vivida por muitos de nós, em nossos tempos de escola.

O outro livro é uma antologia, intitulada Tempos de escola, de 2015, traz nomes da literatura brasileira de distintas épocas, tendo em comum a seleção de memórias, contos e crônicas sobre as delicadas impressões do período escolar. Autores como Carlos Drummond de Andrade, Moacyr Scliar e Machado de Assis nos ajudam a pensar, desde perspectivas muito diferentes, as relações e o dia-a-dia educacional com seus contos e crônicas capazes de estimular a reflexão sobre determinadas práticas e comportamentos perpetuados no interior das instituições educativas.

Bem ou mal avaliados esteticamente, todos esses filmes e livros têm em comum a percepção da instituição educacional como opressora, autoritária, discriminatória e entediante. Para além dos estereótipos e dos rótulos, essas obras manifestam um descontentamento com a instituição educacional que remete sempre ao fato de ser um ambiente antidemocrático e enfadonho.

Está muito claro que a instituição educacional precisa lidar com dificuldades que são antigas. Gerações anteriores já experimentaram o que os jovens de hoje ainda vivenciam nas instituições educacionais. Não podemos mais ignorar perguntas repetidas há muitos anos por diferentes gerações, como, por exemplo, “qual o sentido desse conteúdo?”. Trata-se de pensar a educação e as instituições educativas de forma tal que possamos transformar democraticamente o cotidiano educacional e priorizar a emancipação e o pensamento.

Isso não significa defender a educação e as instituições educativas como centros de lazer e prazer. Aliás, é comum ouvirmos discursos que, embora bem intencionados, defendem práticas pedagógicas apenas lúdicas e prazerosas, esquecendo que elas sempre têm seu lado de esforço, disciplina e trabalho. Em nome de bandeiras como o amor, o respeito, o prazer, o jogo, o lazer etc., defende-se um modelo de educação que resulta pior do que o modelo tradicional. Geralmente, esses projetos pedagógicos encantam muitos pedagogos num primeiro momento, mas, a médio e longo prazos, seus resultados são frustrantes.

Minha tese parte do pressuposto de que é necessário arquitetar uma viragem nos processos formativos. Uma educação capaz de enfrentar os desafios colocados desde há muito tempo, e também aqueles típicos das sociedades complexas e plurais, deve se orientar pela democracia, pela emancipação e pelo pensamento crítico. Nos próximos itens tentarei

esclarecer esses três elementos e mostrar como eles se entrecruzam. Com a ajuda de algumas categorias da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth, pretendo defender uma educação embasada na exploração do potencial transformador dos incontornáveis conflitos que habitam, por definição, o processo formativo, sobretudo no contexto complexo e plural da sociedade contemporânea.

4.2 As instituições educacionais e a igualdade de inteligências ou reconhecimento