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AS IRMANDADES RELIGIOSAS E A MAÇONARIA EM OS IRMÃOS DAS

ALMAS: UMA BUSCA DOS DIREITOS DOS HOMENS

EUFRÁSIA: – Essa é que é a desgraça: não termos medo ao burro, senão depois do coice.1

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens

Os Irmãos das Almas estreou a 19 de novembro de 1844, no encerramento do

espetáculo beneficente em favor do ator José Candido da Silva. Além da comédia, o programa exibiu o drama O Amor de um Padre ou A Inquisição em Roma, de Louis Antoine Burgain, seguido de um número musical desempenhado pelo rabequista português Fernando de Sá Noronha, e de O Judas em Sábado de Aleluia.

A comédia é tecida por três fios dramáticos (o familiar, o amoroso e o religioso) que abordam satiricamente a instituição familiar, a Igreja e a maçonaria. A trama que perpassa todo o enredo, proveniente da tradição cômica, envolve os conflitos domésticos de um casamento e a convivência entre marido, esposa e sogra: Jorge, que desempenha o caractere cômico do marido covarde e medroso, é dominado e humilhado pela esposa, Eufrásia, e pela sogra, Mariana. A peça coloca em cena os conflitos de convivência, em um mesmo lar, entre essas personagens-tipo, que se enfrentam verbalmente e fisicamente, como ocorre na cena 11, construída pelo recurso farsesco da pancadaria:

JORGE (cerrando os dentes de raiva e metendo a cara diante da de Mariana): – Senhora!... Diabo!...

MARIANA: – Ah! (Dá-lhe com o pano de sinapismo na cara. Jorge dá um grito de dor, leva as mãos à cara e sai gritando).

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JORGE: – Estou cego! Água, água!...2

Os Irmãos das Almas apresenta uma grande quantidade de diálogos

caracterizados por uma linguagem de xingamentos e adjetivos depreciativos, responsáveis por gerar a comicidade na maioria das cenas da peça. São várias as ocorrências: "os diabos que as carreguem, corujas do diabo!";3 "pedaço de asno!";4 "grandissíssimo sacripante!";5 "lambisgoia";6 "deslambida".7 Expressões populares, de sentido cristalizado, também são amplamente empregadas: "sou um raio que te parta!";8 "que te leve a breca!";9 "caraminholas que te meteram na cabeça";10 "feito de mim seu gato-sapato";11 "ri-se com gosto quem se ri por último".12

Além da pancadaria e da linguagem popular, Martins Pena também recorre ao recurso farsesco da animalização da figura do marido, da esposa e da sogra, para provocar o humor nos diálogos entre as três personagens. Segundo Propp, a escolha dos animais é determinante para a produção do efeito cômico, por isso é preferível comparar os indivíduos a animais aos quais são atribuídas qualidades negativas.13 Jorge compara a esposa e a sogra a víboras, corujas, tartarugas e lampreias, conferindo-lhes as características negativas desses animais, como a feiura repugnante de uma lampreia e a nocividade das víboras. Devido ao seu comportamento de homem medroso e covarde, Jorge é associado, pela mulher e sogra, à besta, ao sendeiro e ao asno:

EUFRÁSIA: – Sabes tu o que é um marido? É um animal exigente, impertinente e insuportável... A mulher que quiser viver bem com o seu, faça o que eu faço: bata o pé, grite mais do que ele, caia em desmaio, ralhe e quebre os trastes.

2 PENA, 1956, vol. I, p. 179. 3 Ibid., p. 177. 4 Ibid., p. 178. 5 Idem. 6 Ibid., p. 179. 7 Ibid., p. 186. 8 Ibid., p. 178. 9 Idem. 10 Ibid., p. 181. 11 Ibid., p. 189. 12 Idem. 13 Cf. PROPP, 1992, p. 66-67.

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Humilhar-se? Coitada da que se humilha! Então são eles leões. O meu homem será sendeiro toda sua vida.14

A segunda trama de Os Irmãos das Almas é construída por meio da sátira das irmandades religiosas e dos hipócritas da religião. Jorge é um irmão das almas corrupto, que faz uso, em benefício próprio, da verba e prendas que arrecada. Eufrásia participa da Festa dos Ossos não por causa das missas, que acredita serem maçadas, mas porque se trata de uma festividade que reunia muita gente e modelos luxuosos de urnas.

A terceira trama da comédia, a intriga amorosa, encena os percalços vividos pelos enamorados Luísa, irmã de Jorge, e Tibúrcio, um maçom. A moça, ao descobrir que o namorado era um membro da maçonaria, sente-se desiludida, pois vê como impossível a sua união com um maçom. No final da peça, desfeitos os enganos e as mentiras, os dois jovens são recompensados e recebem o aval de Jorge para se casarem.

O enredo, de tempo linear, transcorre integralmente na sala da casa de uma família urbana, que habita a capital do Império. O cenário é simples, contando apenas com uma mesa, cadeiras, um armário grande e duas portas, uma liga a sala aos outros cômodos da casa, e a outra dá acesso à rua, de onde vem os dobres fúnebres da Festa dos Ossos e a turba que persegue Felisberto, na cena 14, gritando "pega ladrão!"15

As cenas de Os Irmãos das Almas são construídas pela estruturação farsesca, embasada nos quiproquós, os quais, por sua vez, são tecidos pelo emprego dos diversos recursos cômicos, tais como o esconderijo, o disfarce e o equívoco. O grande armário da sala, descrito na primeira didascália da peça, possibilita que quatro personagens nele se escondam, ocasionando o principal quiproquó do enredo, desenvolvido entre as cenas 13 e 18. O quiproquó é mantido pelo uso de outro recurso farsesco, o disfarce. Travestido de irmão das almas, Tibúrcio consegue adentrar a casa de Luísa, para assim, poder falar com a moça. Esse é o mesmo disfarce que permitirá a Felisberto adentrar as casas e furtar um relógio. 14 PENA, 1956, vol. I, p. 170-171. 15 Ibid., p. 183.

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São três os momentos do enredo: uma situação inicial; o texto ação; e uma situação final.16 As primeiras cenas, de exposição, apresentam as personagens, suas características e ocupações. As cenas isoladas, que exibem os solilóquios das personagens, garantem o desencadeamento da trama, explicando as ações anteriores e prevendo as futuras. A partir da cena 14, inicia-se um processo de encontro dos três fios da peça, que culmina em seu clímax e na concentração das personagens em cena. O processo se constitui pela repetição de situação, que causa um extenso quiproquó: quatro irmãos das almas, dois falsos – Felisberto e Tibúrcio – e dois verdadeiros – Sousa e Jorge –, estão escondidos no mesmo armário. A presença da polícia em cena, que, a princípio, garantiria a resolução dos enganos, provoca mais um equívoco, pois os permanentes prendem a pessoa errada, Sousa, enquanto o real ladrão do relógio, Felisberto, consegue escapar. A cena 21 prepara o final do enredo, no qual Jorge conta uma mentira, afirmando ser um maçom, para assim, submeter sua esposa e sogra aos seus mandos.17

A galeria de personagens de Os Irmãos das Almas combina caracteres típicos da tradição farsesca a elementos sociais do Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX. Luísa é a típica boa moça da tradição cômica, assim como Chiquinha de O Judas em

Sábado de Aleluia. Ambas são virtuosas moças de família que estão à espera de um

casamento. Eufrásia e Mariana representam o papel farsesco da esposa e da sogra interesseiras, que submetem o marido/genro às suas ordens. Felisberto é um homem que "não tem ofício nem benefício",18 um ladrão barato que vadia no Largo do Rocio. Jorge representa o caractere cômico do esposo covarde e medroso. Ele reclama do modo como é tratado por Eufrásia e Mariana, e pelo atrevimento e audácia de Felisberto, que vive de intimidades com Eufrásia. Jorge quer mostrar à esposa e à sogra que é o governador da casa, o senhor de seu lar. Mas, sua condição não lhe é nada vantajosa, já que mora de favor na casa da sogra e teme enfrentá-la:

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Para a análise formal do texto de Os Irmãos das Almas, nos baseamos no modelo proposto por UBERSFELD, 2010, p. 125-155.

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O anexo "Sequenciamento de Cenas de Os Irmãos das Almas" traz uma tabela com os dados referentes à construção formal de cada cena da comédia, marcando as entradas e saídas das personagens e o uso dos recursos cômicos.

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LUÍSA: – E por que o sofre, mano? Não é você o homem desta casa? Até quando há de ter medo de sua mulher?

JORGE: – Medo? Pois eu tenho medo dela? (Com riso forçado) É o que me faltava! O que eu tenho é prudência; não quero desbaratar...

LUÍSA (à parte): – Coitado! (...) (Seguindo-o) Meu irmão, por que não fazes um esforço para saíres deste vexame em que vives? Cobre energia! Mostre que é homem! Isto é uma vergonha! Não se acredita! Que fraqueza!

JORGE (parando): – É fraqueza? LUÍSA: – É, sim.

JORGE: – Pois quero mostrar-te para que sirvo. Quero mostrar-te que sou homem e que nesta casa governo eu.

LUÍSA: – Felizmente.

JORGE: – Vou ensiná-las, botar este biltre pela porta a fora! Basta de humilhação! Vai tudo com os diabos! (Caminha intrepidamente e a passos largos para a porta da direita, mas aí chegando, para).

LUÍSA: – Então, paras?

JORGE (voltando): – Melhor é ter prudência. Tenho medo de fazer uma morte. LUÍSA: – Meu Deus, que fraqueza!19

Nas duas últimas cenas da peça, Jorge engana a esposa e a sogra, contando-lhes uma mentira, ao afirmar que era um maçom. A personagem faz uso do imaginário fantasioso e tenebroso que encobria a maçonaria na época, para causar temor em Eufrásia e Mariana. Desse modo, o covarde Jorge consegue submetê-las à sua autoridade:

JORGE: – Até agora não tenho sido homem, mas era preciso sê-lo. E o que havia eu de fazer para ser homem? (Com exaltação) Entrar nessa sociedade portentosa, universal e sesquipedal, onde se aprendem os verdadeiros direitos do homem. (Faz momices e sinais extravagantes com as mãos).

EUFRÁSIA: – O que quer isto dizer? MARIANA: – Ai, o que está ele a fazer?

JORGE: – Estes são os sinais da ordem. (Faz os sinais). MARIANA: – Está doido! (...) Misericórdia!

EUFRÁSIA: – Jesus!20

A partir da mentira, um recurso de construção da comicidade, e da menção ao imaginário popular fantasioso acerca da maçonaria, Jorge assume o governo de seu lar e submete à sua autoridade a esposa e a sogra. No final da comédia, vemos, então, a inversão do poder, que, agora, é passado para as mãos de Jorge, o homem da casa. No entanto, não se trata de um final educativo que buscava reforçar a autoridade paterna no seio familiar. Martins Pena satiriza o paternalismo, ao colocar em cena um homem medroso e covarde,

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PENA, 1956, vol. I, p. 173-174.

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submetido às ordens da esposa e da sogra. Na última fala de Jorge, quando este afirma "Bravo! Sou senhor em minha casa! E eu que pensava que era mais difícil governar mulheres!",21 sua posição não é, de fato, de uma autoridade respeitada e obedecida, mas falsa e frágil. A única forma encontrada por Jorge para ser o senhor em sua casa foi recorrendo ao uso de enganos para amedrontar a esposa e a sogra. Ele usa a tática de plantar o terror e, a partir do medo instalado, governar as mulheres da casa. Jorge não é respeitado por ser uma figura masculina e paternal, o provedor dos recursos financeiros da família. Na cena final da peça, ele não conquista o respeito de Eufrásia e Mariana; pelo contrário, consegue apenas amedrontá-las e, assim, por meio do medo e da ameaça, as submete ao seu poder. Sua autoridade é construída por Martins Pena de forma cômica: ela nasce da sátira da figura paternalista, representada por Jorge, que, ao invés de exibir as características nobres de um homem de família, é covarde, medroso e um irmão das almas desonesto. A autoridade de Jorge depende da manutenção da farsa que ele criou. Para ser visto como homem de poder e temido pelas mulheres de seu lar, ele precisa mentir. Apesar de assumir o governo da casa, ele continua a ser o marido covarde da tradição cômica.

2 O Dia de Finados: religiosidade e festividade

Assim como fizera em O Judas em Sábado de Aleluia, Martins Pena utiliza como pano de fundo de Os Irmãos das Almas uma festa religiosa popular no Rio de Janeiro oitocentista. Sobre a recorrência das festividades religiosas nas peças do autor, Vilma Arêas afirma que elas "foram utilizadas como tempo das comédias pela facilidade de um arremate coerente com música apropriada".22 Contudo, ao analisarmos o contexto do espetáculo de estreia de Os Irmãos das Almas, acrescentamos o caráter circunstancial apresentado pela comédia, tendo em vista a aproximação realizada por Martins Pena entre a temporalidade da ação da peça, cujo enredo se passa no dia 02 de novembro – data anual em que ocorria a Festa dos Ossos em celebração ao Dia de Finados –, e a temporalidade da estreia da mesma,

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PENA, 1956, vol. I, p. 190.

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representada no palco do São Pedro de Alcântara no mês de novembro. Essa relação de aproximação entre o tempo da ação do enredo e a data de criação da peça no teatro, estabelecida pelo comediógrafo, é significativa, pois tornava o espetáculo mais próximo do cotidiano do espectador fluminense que frequentava o São Pedro de Alcântara. Desse modo, ao lado das influências formais e temáticas da comédia europeia, a referência aos divertimentos populares da capital do Império brasileiro contribuiu para o senso cômico e o sucesso das peças de Martins Pena, uma vez que se tratavam de festividades familiares à plateia do autor.

O senso cômico de Martins Pena, a par de suas influências europeias, deve certamente muito a esses divertimentos populares, que, além de terem provavelmente marcado sua formação, eram familiares a seu público. Suas comédias trazem-lhe nitidamente o cunho. Não só se referem a muitas dessas festas, como ainda as integra na própria estrutura.23

Em Os Irmãos das Almas, Martins Pena não confere uma dimensão descritiva à Festa dos Ossos. Sua principal intenção não é documentar as missas que ocorriam, anualmente, nas igrejas do Rio de Janeiro durante o Dia de Finados. A festa tampouco cumpre apenas um papel de interligação da peça à tradição cômica europeia. Ao colocar em cena uma celebração religiosa popular, a comédia de Martins Pena satiriza costumes e situações envolvendo os hipócritas da religião e suas falsas aparências. Até mesmo os membros de irmandades religiosas não escapam da pena crítica do autor.

Na época de Martins Pena, cada irmandade religiosa do Rio de Janeiro era responsável por organizar as festas em celebração ao seu santo padroeiro, momento em que as esmolas eram pedidas aos moradores da cidade, para financiar as festas e atender aos necessitados. As esmolas poderiam ser em moeda – denominada por Mariana, em Os

Irmãos das Almas, o "vintenzinho"24 – ou em produtos alimentícios.25 Jorge, um desmoralizado irmão das almas, toma posse de parte das esmolas que recolhia em favor dos santos. A personagem defende a sua atitude, moralmente condenável, pois esta garantia a sobrevivência de sua família:

23

MEYER, 1991, p. 97.

24

"MARIANA: – (...) vem o moleque ou a rapariga trazer o vintenzinho..." (PENA, 1956, vol. I, p. 176).

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JORGE: – A colheita hoje é boa. É preciso esvaziar a salva. (Faz o que diz) Guarda metade deste dinheiro antes que minha mulher o veja, que tudo é pouco para ela; e faze-me destes ovos uma fritada e dá estas bananas ao macaco. LUÍSA: – Tenho tanta repugnância de servir-me deste dinheiro...

JORGE: – Por quê?

LUÍSA: – Dinheiro de esmolas que pedes para as almas...

JORGE: – E então o que tem isso? É verdade que peço para as almas, mas nós também não temos alma? Negar que a temos é ir contra a religião, e além disso, já lá deixei dois cruzados para se dizer missas para as outras almas. É bem que todas se salvem.

LUÍSA: – Duvido que assim a tua se salve.26

Apesar de satirizar as irmandades religiosas e expor a corrupção praticada pelos irmãos das almas, a comédia de Martins Pena foi representada no Teatro de São Januário, a 11 de dezembro de 1845, em um espetáculo teatral beneficente em favor da Irmandade do Divino Espírito Santo, da freguesia de Santa Rita.27 Isso nos faz pensar que o responsável por organizar o repertório do programa não foi muito cuidadoso e nem era consciente da mensagem de Martins Pena nesta comédia. Por se tratar de um espetáculo beneficente à uma irmandade religiosa, selecionou uma peça cujo título fazia referência a esse tipo de instituição, para assim, atrair o público e obter uma boa renda com a venda dos bilhetes.

A comédia de Martins Pena satiriza também os indivíduos que frequentavam as celebrações religiosas mais por exercício de sociabilidade e divertimento que por sentimento e devoção religiosa, a exemplo de Eufrásia:

EUFRÁSIA: – Dizem que este ano há muitas caixinhas e urnas em S. Francisco e no Carmo, e além disso, o dia está bonito e haverá muita gente.

LUÍSA: – Sei o que perco. Bem quisera ouvir uma missa por alma de minha mãe e de meu pai, mas não posso.

EUFRÁSIA: – Missas não hei de eu ouvir hoje; missas em dia de Finados é maçada. Logo três! O que eu gosto é de ver as caixinhas dos ossos. Há agora muito luxo.28

Daniel Parish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901), dois missionários norte-americanos que visitaram o Rio de Janeiro no século XIX, anotaram em seus diários que, durante as celebrações e procissões religiosas, "poucas pessoas parecem

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PENA, 1956, vol. I, p. 171.

27

Informação obtida em anúncio publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, a 11 de dezembro de 1845.

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olhar a procissão com sentimentos elevados. (...) Parece haver pouca solenidade ligada a essas cenas".29

A presença de uma festa religiosa popular no enredo de Os Irmãos das Almas, provavelmente, chamou a atenção da plateia de Martins Pena, assim como ocorrera com as representações de O Judas em Sábado de Aleluia. Nas duas peças, o autor atrai o olhar de seus espectadores para um elemento que lhes é comum e vivenciado no cotidiano da Corte: as festas religiosas. No entanto, estas não se constituem no tema central das comédias. Elas se configuram em um artifício utilizado pelo comediógrafo para fazer a sua plateia ver representados no palco, por meio de um viés cômico, assuntos relacionados ao modus

vivendi e ao regime político do Brasil Imperial, baseados na união entre o Estado

Monarquista e a Igreja Católica. O gênero da comédia popular em um ato, de inspiração francesa e portuguesa, que apresenta, geralmente, uma festividade, permitiu a Martins Pena harmonizar o assunto abordado com a forma dramática adotada. Desse modo, O Judas em

Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas recriam o modelo formal da comédia farsesca

em um ato, a partir da representação de elementos sociopolíticos da capital do Império. De forma cômica, Martins Pena encena no palco do São Pedro de Alcântara situações que problematizam as leis civis e criminais no cotidiano do Rio de Janeiro.

3 As Irmandades Religiosas, a Maçonaria e os Direitos dos Homens

Vilma Arêas acredita que a motivação primeira do enredo de Os Irmãos das

Almas seja a penúria econômica das personagens.30 Da situação financeira desfavorável em que se encontram, sem oportunidades de trabalho e de uma renda mensal que lhes garanta o sustento, elas têm os seus direitos civis mais elementares à vida desrespeitados e não

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FLETCHER, James Cooley & KIDDER, Daniel Parish. O Brasil e Os Brasileiros. São Paulo; Rio de Janeiro; Porto Alegre: Nacional, 1941, p. 167 apud SCHWARCZ, Lilia Moritz. "Viajantes em meio ao Império das festas". In: JANCSÓ, István & KANTOR, Iris (Orgs.). Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. Vol. II. São Paulo: Hucitec: Edusp: FAPESP: Imprensa Oficial, 2001, p. 612.

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garantidos pelo Estado Imperial. Assim, são motivadas a procurar soluções, moralmente ou legalmente condenáveis, para contornar as situações adversas em que vivem.

Felisberto, um jovem desempregado, invade uma casa e furta um relógio. Ele comete atos puníveis pelo Código Criminal de 1830: os Artigos 209 a 214 da "Seção VI - Entrada na casa alheia"31 estipulam os casos que figuram como invasão de domicílio; e os Artigos 257 a 268 do "Título III - Dos crimes contra a propriedade"32 descrevem as ações ilícitas classificadas como furto.

Jorge e Tibúrcio encontram nas ordens das quais são membros uma forma de sobrevivência. Martins Pena aborda, satiricamente, dois exemplos de instituições estruturadas na coletividade e na fraternidade entre os seus integrantes: as irmandades religiosas e a maçonaria. Os Irmãos das Almas mostra a corrupção instalada no seio das irmandades religiosas, que abusavam das crenças dos habitantes da cidade, ao passo que a maçonaria é envolta por um imaginário popular fantasioso.

As irmandades religiosas do Rio de Janeiro oitocentista foram descritas pelos viajantes Kidder e Fletcher. Estes destacam as diferentes funções sociais que as ordens