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CAPÍTULO 1 MARTINS PENA, O TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA

1.3 Os Espetáculos do Teatro de São Pedro de Alcântara: a plateia, os bilhetes e os

Os espetáculos no São Pedro de Alcântara se iniciavam em torno das 19h30 ou 20h00, estendendo-se até a meia-noite. As sextas, sábados e domingos eram os dias típicos de espetáculos, mas também havia representações ao longo da semana, em dias alternados. O teatro oferecia, aproximadamente, 10 programas mensais. Essa quantidade quase duplicava quando uma companhia lírica italiana era contratada. Esta revezava as encenações, igualmente, com a companhia dramática permanente do São Pedro de Alcântara.

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Diário do Rio de Janeiro, 03 de fevereiro de 1841.

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O francês Jean Victor Chabry inaugurou, em 1832, o Teatro de São Francisco, localizado na Rua São Francisco de Paula. Na década de 1840, João Caetano reformou o teatro e o revitalizou na cena teatral da Corte, oferecendo espetáculos semanais. Em 1851, o ator Florindo Joaquim da Silva ali organizou uma nova companhia dramática, com atores demitidos do São Pedro de Alcântara. Sua companhia se apresentou até outubro de 1852. Depois, em 1855, o teatro transformou-se no Ginásio Dramático e permaneceu, até 1861, sob a direção de Joaquim Heliodoro Gomes dos Santos. (Cf. HESSEL & RAEDERS, 1979, p. 279).

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O teatro almejava ser o centro do bom entretenimento na Corte. Por isso, em outubro de 1838, os administradores fecharam as suas portas para reformas de ampliação e decoração. A quantidade de camarotes foi aumentada, e uma seção com cadeiras, instalada. Após as melhorias, o São Pedro de Alcântara passou a oferecer 23 camarotes de primeira ordem, 22 de segunda, 26 de terceira, 30 de quarta, 235 cadeiras e 130 lugares na plateia.34 A reabertura ocorreu a 07 de setembro de 1839, quando o teatro já estava em mãos de particulares, dividido em inúmeras ações vendidas a acionistas cariocas, dentre eles o próprio João Caetano, que investia cada vez mais em sua carreira empresarial. No dia anterior à reinauguração, um cronista publicou suas impressões da sala, cuja decoração era digna das grandes casas de espetáculos europeias:

O teto é admirável de composição, de formas e colorido. As musas em torno do lustre, entregando-se à todos as suas graças e atrativos, formam um variado círculo, à cuja organização e composição presidiu apurado talento. Em torno delas, os bustos dos principais poetas dramáticos e dos mais insignes músicos (...). O pano da base do teatro, assemelhando-se ao dos principais teatros de Paris, é belo e próprio.35

Os espectadores do São Pedro de Alcântara representavam a diversidade da sociedade fluminense do período. O público era constituído por trabalhadores livres (profissionais liberais, assalariados do comércio, funcionários públicos de baixo escalão), pela aristocracia refinada (literatos, diletantes, políticos, famílias com títulos de nobreza e do convívio próximo de D. Pedro II) e, até mesmo, pela própria Família Imperial. O preço variado dos bilhetes, devido aos diferentes tipos de acomodações, possibilitava que os diversos grupos sociais assistissem às récitas, constituindo, assim, uma plateia de composição social heterogênea.

Em 1840, estes eram os valores dos bilhetes para um espetáculo no São Pedro de Alcântara: um assento na plateia custava 640 réis; cadeira, um mil réis; camarote de primeira ou terceira ordem, 2.400 réis; e camarote de segunda ordem, 3.200 réis.36 Os preços não permaneceram congelados. Em março de 1845, o diretor Luiz Manuel Álvares

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Informação obtida em correspondência de um espectador publicada pelo Jornal do Commercio, em 12 de setembro de 1850.

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Diário do Rio de Janeiro, 06 de setembro de 1839.

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de Azevedo aumentou os valores dos bilhetes, usando como justificativa os gastos expressivos com a companhia lírica italiana de Augusta Candiani, que começara a se apresentar no teatro em janeiro de 1844. O reajuste se destinou aos bilhetes de todos os espetáculos oferecidos pelo teatro, tanto os líricos quanto os dramáticos. As vendas de assinaturas, que incluíam 50 espetáculos, recebiam um desconto que variava entre 10% e 20% do valor total, dependendo do tipo de camarote comprado.37 Os preços se mantiveram inalterados até o início de 1851, quando João Caetano assumiu a administração do São Pedro de Alcântara. Nessa época, os valores das cadeiras e da plateia continuaram os mesmos, porém os dos camarotes tiveram um pequeno aumento.38

Comparando as tarifas do São Pedro de Alcântara com as que eram praticadas pelos outros teatros da Corte, percebemos uma diferença apenas nos preços dos camarotes. No Teatro de São Francisco e no Teatro de São Januário, duas importantes salas de espetáculos do Rio de Janeiro, os valores das cadeiras e da plateia geral eram os mesmos cobrados pelo São Pedro de Alcântara: dois mil e um mil réis, respectivamente. Uma pequena variação se dava nos preços dos camarotes, ligeiramente mais baratos no São Francisco e no São Januário. O mesmo pode ser verificado com os valores praticados pelo Teatro Ginásio Dramático, quando este surgiu em abril de 1855: os bilhetes das cadeiras e da plateia custavam dois mil e um mil réis, e os preços dos camarotes também eram inferiores aos do São Pedro de Alcântara.39 No Teatro Provisório, que posteriormente foi renomeado Teatro Lírico Fluminense, onde as companhias italianas passaram a se apresentar a partir de 1852, os bilhetes das cadeiras e da plateia geral custavam, respectivamente, os mesmos dois mil e um mil réis.40 Os valores dos camarotes eram iguais aos do São Pedro de Alcântara, com algumas variações, dependendo da importância do

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Informação presente no comunicado de Luiz Manuel Álvares de Azevedo, publicado pelo Diário do Rio de

Janeiro a 14 de março de 1845.

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Informação obtida na cláusula sétima do contrato firmado entre João Caetano e o Estado, divulgado na íntegra pelo Jornal do Commercio a 20 de janeiro de 1851.

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Valores presentes em anúncio teatral veiculado pelo Jornal do Commercio a 08 de abril de 1855.

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Os bilhetes dos espetáculos circenses também custavam um e dois mil réis, valores praticados, por exemplo, pelo Circo Americano, localizado na Rua da Ajuda.

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espetáculo: em récitas de gala ou em que estrearia uma nova ópera, os preços eram mais elevados.41

Temos uma dimensão dos valores mencionados, quando os comparamos, por exemplo, com os preços de produtos alimentícios. A arroba42 da carne seca custava 2.800 réis; a de toucinho, 3.200; a do açúcar refinado, quatro mil; a do café, 3.700; a saca43 de arroz, seis mil réis.44 Assim, um bilhete de plateia equivalia a 10 Kg de arroz ou a 5 Kg de carne seca. Dois bilhetes de cadeira valiam o mesmo que, aproximadamente, 15 kg de açúcar refinado. Um bilhete do camarote de quarta ordem do São Pedro de Alcântara, que custava quatro mil réis em 1851, ultrapassava em 300 réis o valor de, quase, 15 Kg de café.

Os bilhetes da plateia e das cadeiras, com preços mais baixos que os dos camarotes, poderiam ser adquiridos pelos assalariados do comércio, trabalhadores livres e pequenos funcionários públicos. Conscientes de que precisavam dessa parcela do público, os teatros não alteravam os valores dos bilhetes mais populares. Tal medida garantia que as famílias de baixa renda os frequentassem, pelo menos uma vez por mês, possibilitando as "enchentes" (termo utilizado na época para traduzir "casa cheia") nos espetáculos oferecidos.

Porém, nem todos eram bem-vindos ao São Pedro de Alcântara. Os espectadores monarquistas e tradicionalistas se irritavam com a presença dos criados de D. Pedro II, que se sentavam ao lado do Imperador na tribuna. A irritação com os criados chegou a tal ponto que motivou uma advertência publicada pelo Diário do Rio de Janeiro:

Aos Criados de S. M. I.

Roga-se aos criados de S. M. I. que tem de ir hoje ao Teatro de São Pedro de Alcântara, acompanhar seu Augusto Amo, tenham a bondade de se não sentarem na tribuna, como costumam fazer, por ser tal procedimento contrário à etiqueta e ao bom senso. Os criados não se sentam em presença dos amos. No tempo do Sr. D. Pedro I nenhum dos criados ousava preterir estas regras de decência e de respeito.45

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Ver o anexo "Preços dos Bilhetes dos Espetáculos Teatrais no Rio de Janeiro (1840-1855)", que traz uma tabela com os valores dos bilhetes praticados pelos principais teatros da Corte.

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Uma arroba equivale a 14,69 Kg.

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A saca equivale a 60 Kg.

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Valores consultados na seção "Parte Comercial - Pauta Semanal", veiculada pelo Diário do Rio de Janeiro a 18 de novembro de 1850.

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A presença de escravos ou libertos também incomodava alguns espectadores, os quais acreditavam que o teatro não era o lugar de servos. O folhetinista de O Guasca na

Corte narra, inconformado, um episódio no São Pedro de Alcântara, em que um espectador

negro foi hostilizado por membros da plateia:

Existia em um camarote da 4ª ordem um indivíduo de cor preta, com outras pessoas de outras cores, etc., eis que da plateia surdiram gritos de fora, etc., para o dito camarote, que obrigaram o tal indivíduo a retirar-se. Inda repetimos, achamos mui reprovado semelhante proceder dos ditos espectadores... Pois em um país constitucional como o nosso, onde todos são iguais perante a lei, e por consequência com os mesmos direitos, não poderão ir ao teatro os homens de cor preta?46

Esses trechos, recolhidos na imprensa, são indicativos da separação das ordens sociais no interior do São Pedro de Alcântara, o que pode ser comprovado também pelos valores variados dos bilhetes, entre um e 12 mil réis. Na plateia geral e nas cadeiras, se acomodavam os indivíduos de baixa renda, e nos camarotes, as famílias mais abastadas e refinadas. A cada um competia ter a consciência de seu devido lugar. É o que constatamos em uma carta publicada pelo Diário do Rio de Janeiro, na qual seu autor, um frequentador do camarote do São Pedro de Alcântara, roga a João Caetano que suprima os assentos da plateia próximos aos camarotes, para que o público da "parte de baixo" não encarasse as famílias reunidas nos camarotes de primeira ordem:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Com toda a generosidade confirmaremos os elogios que fez o Sr. Progressista na sua publicação do Diário de 07 do corrente, tanto ao Sr. João Caetano, como ao Sr. Sobral; só falta que este rogue àquele para que mande tirar os assentos da plateia que estão próximos aos camarotes, para que se possa por aí transitar livremente; então jactaremos dos melhoramentos para o cômodo público, substituindo aos ditos assentos com aumento de cadeiras, não prejudicará a casa, e evitará que os imprudentes trepados encarem as famílias que se acharem na primeira ordem. O Justo.47

No romance A Moreninha (1844), de Macedo, quando Augusto lê a divertida carta do jovem estudante Fabrício, em que este narra ao amigo sua ida ao São Pedro de Alcântara para "entabular um namoro romântico", ilustra-se perfeitamente o ar aristocrático

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O Guasca na Corte, 26 de junho de 1851.

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dos camarotes.48 Como lhe interessava uma bela moça pertencente a uma família de condição social elevada, que frequentasse o teatro "quatro vezes no mês", Fabrício nem cogita acomodar-se na plateia; ele se dirige à parte superior, isto é, aos camarotes, para ali encontrar sua parceira romântica ideal:

Mas, enfim, maldita curiosidade de rapaz!... Eu quis experimentar o amor platônico, e dirigindo-me certa noite ao teatro São Pedro de Alcântara, disse entre mim: esta noite hei de entabular um namoro romântico (...).

Nessa noite fui para a superior; eu ia entabular um namoro romântico; não podia ser de outro modo. Para ser tudo à romântica consegui entrar antes de todos; fui o primeiro a sentar-me quando ainda o lustre monstro não estava aceso; (...) vi se irem enchendo os camarotes; finalmente eu, que tinha estado no vácuo, achei-me no mundo; o teatro estava cheio. (...) concluí que para portar-me romanticamente, deveria namorar alguma moça que estivesse na quarta ordem.49

Os bilhetes para todos os tipos de assentos (plateia, cadeiras e camarotes) eram vendidos na bilheteria do São Pedro de Alcântara. Os espectadores que não se antecipavam à compra, ficavam à mercê dos cambistas que, na época, agiam na Praça Tiradentes, e esgotavam rapidamente os bilhetes, revendendo-os a preços abusivos. O Estado e a polícia da Corte não conseguiam impedir tal atividade e nem se esforçavam para adotar medidas eficientes de combate. Na imprensa, os críticos teatrais condenavam a ação dos cambistas, a exemplo do cronista de O Bodoque Mágico:

Judas são esses malditos cambistas teatrais que ferram de unha o pobre povo, e atravessam um dos mais inocentes divertimentos públicos, privando a certas classes da sociedade desta honesta e útil distração; por isso, que nem todos podem dar cinco e dez mil réis por um bilhete de cadeira, e três e quatro por um de geral; não falando dos camarotes, cujas comissões sobem até às nuvens.50

Em correspondência veiculada pelo O Montanista, o espectador "O admirador dos teatros" narra um episódio em que os cambistas esgotaram, em poucas horas, os bilhetes de um programa especial em comemoração ao aniversário da Imperatriz:

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Andrea Marzano usa a mesma carta do romance para demonstrar que o teatro era um espaço elegante de "flerte aristocrático". (MARZANO, Andrea. Cidade em Cena: o ator Vasques, o teatro e o Rio de Janeiro (1839-1892). Rio de Janeiro: Folha Seca: FAPERJ, 2008, p. 45-46).

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MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Ática, 1995, p. 21-22, (grifos meus).

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Senhores que entendem das obrigações de administrações teatrais! Porque será, que no dia do espetáculo pelo aniversário natalício de nossa Imperatriz, se achavam tantas pessoas queixosas por não haverem à venda no teatro às dez horas da manhã desse dia, bilhetes de camarotes, e para poderem outras pessoas, em grande número, obterem plateias, precisavam empurrarem e atropelarem-se uns aos outros; sendo o resultado dessa logração ao respeitável público, os cambistas do teatro serem bem aquinhoados na partilha, e rirem-se dos que não tiveram bilhetes... Por que será? – As administrações dos teatros devem muito ao respeitável público, que de boa fé esperam a observância das leis teatrais, para evitar-se o – porque será que os cambistas não deixam o saguão do teatro? O Admirador dos Teatros.51

Em uma versão manuscrita da comédia O Judas em Sábado de Aleluia, Faustino afirma que não pudera comparecer a um espetáculo no teatro por causa da ação dos cambistas, que esgotaram os bilhetes colocados à venda. Martins Pena mostra preocupação com os problemas que envolviam a atividade teatral de sua época e não hesita em colocá-los em cena, sem abandonar o seu costumeiro humor:

FAUSTINO: – E finalmente, se não fui ao teatro no dia em que lá estiveste, foi por não achar um só bilhete. Os cambistas tinham comprado todos. Mas tranquiliza-te, que também já lhes declarei guerra. Ontem comprei dois meirinhos e ao sair daqui comprarei um cento para darem com toda essa súcia na cadeia, com suas mulheres, seus filhos e seus escravos.52

2 Um Comediógrafo Brasileiro no Teatro de São Pedro de Alcântara

Martins Pena iniciou sua carreira dramática quando o São Pedro de Alcântara ocupava posição de destaque na cena teatral da Corte, constituindo-se como o centro do entretenimento, onde os habitantes do Rio de Janeiro assistiam ao repertório neoclássico e romântico europeu, às peças de autores nacionais, aos artistas portugueses, italianos e brasileiros. É em meio a esse panorama que o autor construiu sua trajetória no palco do São Pedro de Alcântara, estreando 19 peças entre 1838 e 1846, as quais, seja pelas temáticas, seja pelas cenas ou personagens, dialogam com o contexto cultural do teatro.

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O Montanista, 19 de março de 1851.

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Entre os oito anos em que contribuiu como dramaturgo dessa casa de espetáculos, destacamos três fases de representações de suas obras: o début, de 1838 a 1840, caracterizado pelas criações das comédias roceiras; a fase de transição às inúmeras estreias, em 1844, com as peças O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas; e o momento mais prolífico, entre 1845 e 1846, quando estreou a maior parte de suas peças cômicas em um ato, a primeira comédia em três atos, O Noviço, e o primeiro e único drama encenado, Vitiza ou O Nero de Espanha.