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CAPÍTULO 1 MARTINS PENA, O TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA

1.2 O Ator João Caetano e os Diletantes

O período áureo dos espetáculos no São Pedro de Alcântara teve início com a chegada de João Caetano na supervisão da companhia dramática do teatro, em 1834. A boa fase adentrou a década de 1840, quando Luiz Manuel Álvares de Azevedo e José Antônio Tomás Romeiro foram os diretores da casa de espetáculos.24 Em 1851, João Caetano retornou como administrador e primeiro ator da companhia dramática, mantendo-se no São Pedro de Alcântara até a sua morte, em 1863. Ao longo desses 12 anos, o ator-empresário revigorou os espetáculos e os programas, representando peças europeias inéditas, como Os

Nossos Íntimos (Nos Intimes, 1861), do francês Victorien Sardou (1831-1908), e obras de

autores brasileiros, a exemplo de O Fantasma Branco (1851), Cobé (1859) e Amor e Pátria (1859), de Joaquim Manuel de Macedo, e de outros dramaturgos, atualmente desconhecidos e não canonizados.

A trajetória de João Caetano, desde os primeiros anos do decênio de 1830 até 1863, se confunde com a própria história do teatro no Rio de Janeiro. Em 02 de dezembro de 1832, ele estreou profissionalmente no Teatro Niteroiense25 com uma companhia

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Sobre o repertório romântico encenado por João Caetano no Constitucional Fluminense, futuro São Pedro de Alcântara, e em outros teatros cariocas, consultamos a biografia do ator, redigida por Décio de Almeida Prado. (PRADO, Décio de Almeida. João Caetano: o ator, o empresário, o repertório. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1972, p. 35-52).

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Na época, o diretor de teatro exercia múltiplas tarefas: ele era o responsável pela seleção do repertório a ser encenado, submetia as peças à censura do Conservatório Dramático Brasileiro, fiscalizava as receitas dos espetáculos e os preços dos bilhetes.

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O Teatro Niteroiense, edificado em Niterói no ano de 1827, foi reformado na década de 1840 por iniciativa de João Caetano que, como recompensa, obteve o direito de usufruí-lo por 12 anos. A reinauguração ocorreu

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dramática composta integralmente por artistas brasileiros. Fato considerado primordial para a consolidação do teatro nacional, pelo menos em relação aos artistas, já que, até então, duas companhias dramáticas inteiras haviam sido importadas de Portugal.

O público carioca honrava os trabalhos artísticos de João Caetano, devido à sua iniciativa pioneira que contribuíra para o desenvolvimento do teatro brasileiro:

Era justamente nesse tempo em que a populosa cidade do Rio de Janeiro, para ter espetáculos dramáticos, mandava engajar artistas, que (salvos as honrosas exceções) eram pessoas inábeis e grande parte daqueles que no teatro de Lisboa não passavam de puxadores de vistas, iluminadores etc. (...) Sim, hoje, 02 de dezembro de 1852, fazem 20 anos que nasceu a nossa companhia dramática nacional, festejando nesse dia o 7º aniversário natalício de S. M. o Imperador, o Sr. D. Pedro II, em um pequeno teatro na Vila Real da Praia Grande (hoje cidade de Niterói) no mesmo local em que está edificado o Teatro de Santa Tereza. Um jovem brasileiro sem literatura, sem vastos conhecimentos, entendeu que o querer era poder, pondo-se à testa da revolução dramática do seu país como agente principal na sua realização começou a obra da reforma, e nós sabemos quanto de então para cá tem havido de saliente, de harmônico e de progressivo, estendendo este jovem os benefícios dessa revolução até às nossas províncias, por onde hoje se acham disseminados imensos de seus discípulos.26

Dois anos após a estreia profissional, João Caetano se instalou no São Pedro de Alcântara e organizou uma nova companhia dramática, incluindo os artistas brasileiros que já o acompanhavam e alguns portugueses que ali permaneceram e não se transferiram para o Teatro da Praia de D. Manuel, futuro Teatro de São Januário.27 A Companhia Nacional, como foi chamada, encenava um repertório neoclássico e romântico, de origem ibérica e francesa. Além do repertório estrangeiro, João Caetano abriu espaço para as peças de dramaturgos brasileiros: foi sob a sua direção que estrearam as tragédias Antônio José ou O

a 02 de dezembro de 1842 e o teatro passou a ser denominado Teatro de Santa Tereza, em homenagem à noiva de D. Pedro II, a princesa Tereza Cristina Maria de Bourbon. (Cf. HESSEL, Lothar & RAEDERS, Georges. O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II. Porto Alegre: Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1979, p. 285-286).

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Diário do Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1852.

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Em 1833, a companhia dramática de Ludovina Soares erigiu, com apoio governamental, o Teatro da Praia de D. Manuel. No ano seguinte, muitos artistas portugueses, que se apresentavam no Constitucional Fluminense, se transferiram para o novo teatro. Quatro anos depois, a casa de espetáculos se transformou no Teatro de São Januário, em homenagem à princesa Januária Maria, filha de D. Pedro I. Na década de 1840, o teatro esteve sob a direção de João Caetano que, além de diretor, também atuava na companhia dramática. (Cf. HESSEL & RAEDERS, op. cit., p. 279).

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Poeta e A Inquisição (1838) e Olgiato (1839), de Gonçalves de Magalhães, e as comédias O Juiz de Paz da Roça (1838) e A Família e A Festa da Roça (1840), de Martins Pena.

Segundo Décio de Almeida Prado, a técnica de representação de João Caetano era embasada na escola do melodrama, caracterizada pela intensa comunicação com o público e por efeitos emocionais:

A escola do melodrama teve grande importância na formação de João Caetano, explicando as suas qualidades, a fácil e intensa comunicação com o público, e também os seus defeitos, a tendência para o exagero, a busca do patético a qualquer custo. Era uma representação extrovertida, solta, explicitada, de intenções marcadas, de gestos largos, de efusões emocionais, de arroubos oratórios, sem preocupação com a elegância ou com a pureza estilística, romântica na medida em que a espontaneidade e a autenticidade do sentimento contavam mais do que os requintes da técnica.28

Com sua técnica de atuação, que lhe permitiu eternizar no palco os protagonistas de melodramas e dramas românticos, João Caetano acumulou glórias e encantou os diletantes, que enviavam inúmeras correspondências à imprensa, declarando grande admiração pelo ator. Em 1852, um diletante publicou no periódico Diário do Rio de

Janeiro um poema dedicado a João Caetano:

Soneto improvisado no Teatro de São Januário, no dia 20 do corrente, e dedicado ao Sr. João Caetano dos Santos.

Se um nome não tivesses conquistado Que não teme o poder do tempo insano, Este dia bastara (eu não me engano) Para dar-te valor, tornar-te amado. No Kean tu fizeste admirado; Em Otelo sondaste divo arcano; Mas hoje com poder além de humano Te mostras um artista consumado. Ah! Não temas, não temas zoilo infame Que busca marear teu brilhantismo, Embora, qual possesso, irado clame.

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PRADO, 1972, p. 116. Sobre as técnicas interpretativas adotadas por João Caetano, consultamos também a obra João Caetano e A Arte do Ator, de Décio de Almeida Prado. (PRADO, Décio de Almeida. João Caetano

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Despreza as pretensões do pedantismo; Um nobre, um santo orgulho hoje te inflame, Que és rei da cena, e causas fanatismo. Por J. A. C.29

João Caetano também era apreciado pelos críticos teatrais que escreviam folhetins veiculados pela imprensa. Ao destacar os méritos do ator, os cronistas não deixavam de desaprovar a sua postura cênica, tida como exagerada:

Eis o nosso predileto ator! É o melhor que temos tido e, talvez, tão cedo não tenhamos outro igual. Tudo que nele admiramos é natureza! Sua figura é esbelta, seu pisar, elegante, seus acionados, tão magníficos como o som de sua voz cadente e forte; veste-se sempre bem e à caráter; em certos papéis interessa-se tanto, que toca a meta do sublime; entretanto, exagera algumas vezes o caráter das personagens que tem a imitar, cometendo assim um grave erro.30

As manifestações públicas de espectadores e críticos não se limitavam aos temas acerca da atuação de João Caetano nos palcos; fora deles, o ator protagonizou diversas intrigas, polêmicas e competições teatrais, que dividiram, na imprensa, seus simpatizantes e oponentes. A sua demissão do São Pedro de Alcântara, em janeiro de 1841, motivada devido aos desentendimentos com Luiz Manuel Álvares de Azevedo, o diretor do teatro, foi o estopim para uma longa contenda nas páginas dos periódicos da Corte: vários artigos de cronistas e correspondências de espectadores trataram da questão.31 A crônica "Trovoada Teatral" narra o tumulto provocado pelos simpatizantes de João Caetano, durante o espetáculo ocorrido a 24 de janeiro de 1841, no São Pedro de Alcântara. Na ocasião, o ator Germano Francisco de Oliveira havia sido escalado para desempenhar o papel principal – que sempre fora de João Caetano – no drama romântico Os Dois

Renegados (1839), do português José da Silva Mendes Leal (1820-1886):

(...) rebentou a estrepitosa trovoada – Fora o ator Germano! Venha o ator João

Caetano que está em casa pronto para representar! Foram os altos gritos ouvidos

por espaço de meia hora no meio da mais violenta pateada. (...) a pateada

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Diário do Rio de Janeiro, 22 de junho de 1852.

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O Bodoque Mágico, 10 de maio de 1851.

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A imprensa não era apenas um meio de divulgação e crítica teatral, mas também um espaço privilegiado de contendas. Os espectadores e, até mesmo os próprios artistas, emitiam suas opiniões e travavam extensas discussões, em cartas publicadas pelos periódicos.

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continua cada vez mais viva, os foras se reproduzem e as moedas de 40 rs. chovem em abundância sobre o tablado onde se acharam mudos e quedos os infelizes e inculpados atores. (...) o alarido continuou, a desordem progrediu. Ordenaram então as autoridades que descesse o pano e se desse por findo o espetáculo (...). Frustrados assim os seus mais caros desejos, que eram de fazer vir à cena o Talma do Rocio, os admiradores deste gênio entenderam dever vingar-se por qualquer modo: pagou então o pobre lustre as custas, quebrando-lhe uns poucos vidros; as cadeiras sofreram também estrago; os candeeiros dos corredores igualmente mereceram a pública atenção (...).32

Após a "trovoada" no teatro, os simpatizantes de João Caetano organizaram um abaixo-assinado pedindo a sua readmissão pelo São Pedro de Alcântara. Mas de nada adiantou. Juntamente com alguns artistas que o seguiram, o "Talma do Rocio" formou uma nova companhia dramática que passou a se apresentar no Teatro de São Francisco.33 Na segunda metade do decênio de 1840, o ator acumulou a direção do Teatro de São Januário e do Teatro de Santa Tereza. Retornaria ao São Pedro de Alcântara somente em 1851.

1.3 Os Espetáculos do Teatro de São Pedro de Alcântara: a plateia, os bilhetes e os