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2. SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO SINDICAL

2.3. A organização sindical no Brasil

2.3.5. As “Jornadas de junho” e a ponte para o passado

Com uma economia cambaleante, a desfiguração em definitivo da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT era apenas uma questão de tempo, aí se incluindo o golpe de misericórdia no sindicalismo brasileiro.

Em meados de 2013 o Brasil é tomado por manifestações que se principiaram a partir de passeatas na cidade de São Paulo, em decorrência do aumento do preço das

tarifas de transporte público, sob a organização do Movimento Passe Livre - MPL. Jamais se imaginava que esta revolta seria o embrião de um levante social.

Assim, é preciso, inicialmente, que se faça uma contextualização para que se compreenda o que de fato fez eclodir esses movimentos. A bem da verdade, a insatisfação social tem como pressupostos o enaltecimento de uma política neoliberal, especialmente em relação ao capital financeiro, desde os governos de 1995-2002 e com a aquiescência e continuidade nos governos de 2003-2015, que trouxe a reboque a precarização da saúde, a privatização do transporte público superlotado e, em grande medida, a do ensino público já arruinado. Outra questão que acendeu o pavio do descontentamento foi a realização da Copa das Confederações, entre 15 e 30 de junho – exatamente à época das manifestações –, o que indicava aos brasileiros que o país teria sido capaz de construir estádios de futebol de primeira grandeza, ficando relegadas a segundo plano as políticas sociais, configurando assim, como se soube mais tarde, um verdadeiro conluio entre o governo, a FIFA e as empreiteiras. A cerimônia de abertura da Copa das Confederações foi marcada por vaias do público ao presidente da FIFA e à Presidente do Brasil. Essa demonstração de olhar direcionado à camada dos mais ricos insuflou as rebeliões nas ruas, aproximando das manifestações também a classe trabalhadora, em face da precarização do trabalho e do elevado índice de desemprego. À medida que a insurreição se expande percebe-se claramente a imersão de setores considerados à direita, que passam a estigmatizar partidos e movimentos de esquerda. Por essa razão, o MPL opta por sair das manifestações, mas isso não impede a sua continuidade. É a hora da entrada em cena da grande mídia e, a partir daí, as manifestações se transformam num movimento de várias classes sociais.

As centrais sindicais até que tentaram pegar “carona” no movimento, com o propósito de registrar a entrada organizada dos trabalhadores no protesto. Contudo, em decorrência da relação umbilical com o governo, notadamente a CUT, encontram forte resistência dos manifestantes, ocasião em que também rechaçaram a participação de quaisquer partidos políticos, sob o slogan de que se tratava de um movimento apartidário. Aliás, se alguém empunhasse uma bandeira vermelha corria sério risco de morrer. A partir daí as mobilizações tornaram-se multifacetadas, pois a revogação do aumento do preço das passagens de transporte já era bastante para o encerramento das fileiras de

combate, no entanto, a pauta ganhou novos ares e o levante se deu contra tudo e todos. O alvo era tanto o Governo Federal, passando pelos Estaduais e até os Municipais, em especial o do Rio de Janeiro, numa flagrante demonstração de saturação do sistema – precarização dos serviços públicos, hostilização de partidos políticos, corrupção sistêmica, dentre outras.

Com o fim da Copa das Confederações e a violência que tomou conta dos protestos, com a ação dos black blocs – anarquistas vestindo roupas e máscaras pretas –, atacando e depredando bens públicos e particulares, as “Jornadas de junho”, como o movimento ficou conhecido, se arrefeceram.

Em 2014, Dilma Rousseff é reeleita Presidente da República, com apertada vantagem, 51,64% dos votos válidos, contra 48,36% obtidos por Aécio Neves29. Ainda no

mês de outubro de 2014, a estreita margem de votos foi combustível suficiente para que os tucanos entrassem com pedido de auditoria, junto ao Tribunal Superior Eleitoral – TSE, quanto ao resultado das eleições. As “Jornadas de junho” ainda evocavam nas mentes dos brasileiros as mazelas de um Brasil distante da propaganda eleitoral. Estaria dada a largada para apear do poder a Presidente reeleita. Com a gestão conturbada em seu segundo governo, devido às pautas bombas implementadas pelo Congresso Nacional, o impeachment já poderia ser visto no horizonte.

A abertura do 12º Congresso da CUT, em 13 de outubro de 2015, contou com a presença da Presidente da República. Recebida por 2.500 sindicalistas e trabalhadores, no Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo, proferiu discurso contundente acerca de todo o processo, conforme anota Rodrigo de Almeida (2016), seu Secretário de Imprensa, à época:

O que antes era inconformismo se transformou num claro desejo de retrocesso político. Isso é um golpismo escancarado. (...) Na busca incessante de encurtar seu caminho ao poder, tentam dar um golpe. Querem construir de forma artificial o impedimento de um governo eleito pelo voto direto. (...) A sociedade brasileira conhece os chamados moralistas sem moral. E conhece porque o meu governo e o governo do presidente Lula proporcionaram o mais enfático combate à corrupção de nossa história. Eu me insurjo contra o golpismo. Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa para atacar a minha honra? (ALMEIDA, 2016, p. 30/31)

É possível vislumbrar, portanto, como já se disse, as vantagens auferidas pelos denominados “sindicatos fortes alinhados ao poder público”, (vide subtítulo 2.3.4) que, nas palavras de Pereira Neto (2017), atende aos anseios de seus representados e, de quebra, permite ascensão política pela visibilidade que oferece e pela proximidade com o poder público.

Em 07 de dezembro de 2015, o Vice-presidente da República, na sede da Federação do Comércio de São Paulo, apresenta o que ele denomina de “Plano Temer” para empresários, que nasceu originalmente sob a nomenclatura de “Uma ponte para o futuro” (ou seria para o passado?):

O vice-presidente encomendara a Moreira Franco, presidente da Fundação Ulysses Guimarães, ligada ao PMDB, um programa com propostas para o país. (...) O documento continha propostas na área econômica, como a

flexibilização das leis trabalhistas, o fim da indexação do salário dos

aposentados ao salário mínimo e o fim das chamadas vinculações constitucionais no Orçamento – o carimbo obrigatório de despesas destinadas à saúde e educação. Era música para os ouvidos de grande parte do empresariado. (Op. cit., p. 124, sem destaques no original)

O resultado, como é cediço, foi a cassação do mandato da Presidente da República, em 31 de agosto de 2016, e não tardou a aparecer as primeiras impressões do novo governo, à vista da apresentação da PEC n.º 241/2016 que resultou na EC n.º 95 do mesmo ano, implementando o teto para os gastos públicos federais, ou seja, um novo regime fiscal para vigorar nos próximos 20 anos. A PEC do teto de gastos trouxe nefastos cerceamentos aos direitos fundamentais, que jamais poderiam estar à mercê de contingências políticas e econômicas, notadamente aos da saúde e da educação, fazendo ampliar a desigualdade de acesso de oportunidades à população mais empobrecida e favorecendo o setor privado, ao controlar quem terá acesso aos serviços básicos. Ricardo Antunes (2018, p. 293) dá a exata dimensão da verdadeira razão de ser da norma: “para garantir o superávit primário necessário para a remuneração do sistema

financeiro por meio dos juros da dívida pública, esse sim um dos verdadeiros flagelos que assolam o país”.

E assim, após o flagelo dos direitos fundamentais à saúde e à educação, o próximo alvo são os direitos sociais. Delineada a pavimentação do caminho, pelo

impeachment, o governo sucessor põe em marcha a construção da “ponte para o

vitória da elite financeira, do patronato e dos apaniguados de primeira hora do novo governo. Era o momento oportuno para levar a efeito uma reforma jamais vista.

Ainda no ano em que assumiu a Presidência da República, mais precisamente no dia 22 de dezembro de 2016, através da Mensagem n.º 688, o Poder Executivo encaminha ao Congresso Nacional um projeto de lei propondo alterações na CLT e, a reboque, mudanças na lei sobre o trabalho temporário – Lei n.º 6.019/1974 –, que, a propósito, também sofreu alterações pela Lei n.º 13.429/2017, que dispôs sobre a prestação de serviços a terceiros. Oportuno dizer de passagem, que o Executivo Federal apenas deu o pontapé inicial, sendo certo que a ementa do PL era bem mais localizada e cirúrgica, já que propunha alterar sete artigos da CLT e oito da lei sobre o trabalho temporário, e assim consistia em: "dispor sobre eleições de representantes dos

trabalhadores no local de trabalho e sobre trabalho temporário”, se comparada ao seu

resultado, quando da aprovação da nova lei.

Noutras palavras, bastou lançar a ideia e o Poder Legislativo se encarregou de alargar o seu alcance e demolir direitos arduamente conquistados ao longo de décadas. Surpreendentemente, bastou 161 dias, pouco mais de cinco meses, para o desmonte dos direitos trabalhistas, período compreendido entre a data da constituição da Comissão Especial pela Câmara dos Deputados, em 03 de fevereiro de 2017, e a transformação na Lei Ordinária n.º 13.467, em 13 de julho de 2017, tema do próximo capítulo.

Compreendido como e o porquê do modelo de organização sindical brasileiro se manteve incólume nos momentos mais marcantes, desde as décadas de 1930 e 40, atravessando o período de 1964 a 1985, os embates na Assembléia Nacional Constituinte e quando da chegada de um partido com viés sindicalista ao poder, até à oficialização das centrais sindicais, busca-se, analisar, doravante, como a queda de um e a ascensão de outro à Presidência da República tiveram, com a reforma trabalhista de 2017, o condão de impingir novas idiossincrasias à classe trabalhadora, notadamente ao direito coletivo do trabalho.