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2. SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO SINDICAL

2.3. A organização sindical no Brasil

2.3.2. O sindicalismo sob tutela no período de 1964 a 1985

O golpe de Estado de 1964 atacou o sindicalismo em dois flancos. De um lado, revigorou ainda mais o controle estatal sobre as organizações sindicais e, de outro, reprimiu toda e qualquer manifestação combativa daqueles sindicatos que destoavam do “peleguismo”. O propósito era justamente desmantelar a classe operária e com isso trazer alento às exigências do capital.

Assim, persiste o modelo sindical inaugurado na década de 1930, por Getúlio Vargas, ou seja, sindicatos absolutamente atrelados ao Estado, a forma de sindicato único e, por último, o motor propulsor para essa longevidade, consistente na contribuição sindical obrigatória. Percebe-se, desde logo, que o Estado continuaria a agir como se fosse o superprotetor dos trabalhadores em face do patrão – “inimigo” e explorador. A partir dessa estratégia, o distanciamento entre a base e os entes sindicais torna-se corriqueiro, até porque não há espaço para qualquer mobilização que viesse afrontar a organização sindical existente. E, bem por isso, a filiação sindical é considerada peça totalmente supérflua, ante a imposição da contribuição compulsória. Privilegia-se a verticalização da estrutura sindical em detrimento da horizontalização.

Mariany Gregório (2007) resume o controle exercido pelos militares sobre as atividades sindicais:

Os sindicatos foram banidos da arena política; às suas responsabilidades foram delegadas tarefas burocráticas e atividades assistencialistas com as quais o governo já não queria se ocupar. Como conseqüência de tal estrutura, o governo dispunha de condições para destituir as lideranças dos trabalhadores e assegurar o controle das eleições sindicais. A partir daí a atuação política dos sindicatos cai em estado de prostração, com seus principais líderes presos ou perseguidos pela repressão. As entidades sindicais foram convertidas em órgãos de colaboração com o Estado, cabendo às suas funções servir como mediador entre governo e trabalhadores. (GREGÓRIO, 2007, p. 117)

Nessa esteira, o governo militar edita a Lei n.º 4.330/1964, chamada de Lei de Greve que, em seu art. 5º16 enuncia que o exercício do direito de greve estaria

condicionado à autorização da assembleia geral do sindicato, cuja funcionalidade estava inteiramente sob o controle estatal.

Na prática, a lei tornou impossível uma greve “legal” e, ao mesmo tempo, que cumprisse seu papel de resistência com eficácia, o que significou o esvaziamento da autonomia dos sindicatos, ante à excessiva regulamentação, conforme anota Duarte (2007, p. 36/37):

Era um golpe violento na autonomia dos sindicatos e em sua principal arma de luta: a greve. Devemos esclarecer aqui, uma posição acerca do seu direito de exercício. Incluí-la nas garantias fundamentais do trabalhador exclui a necessidade de uma excessivamente esmiuçada regulamentação. Em muito assemelha-se ao direito à desobediência civil, que é considerado legítimo quando

16 Art 5º O exercício do direito de greve deverá ser autorizado por decisão da assembléia geral da entidade

sindical, que representar a categoria profissional dos associados, por 2/3 (dois têrços) em primeira convocação, e, por 1/3 (um têrço), em segunda convocação, em escrutínio secreto e por maioria de votos.

a ordem legalmente estabelecida fere a dignidade humana ou exige um comportamento considerado abominável. O direito à greve se expressa como sendo um direito de resistência ao que não se pode exigir do trabalhador, como que viva em condições de penúria para alimentar o buraco negro que é a acumulação patrimonial de um grupo que se restringe. A positivação do direito de greve, nos moldes em que se realizou no Brasil, significa seu cerceamento, porque materialmente acontece fora e apesar da existência de uma ordem normativa que legitima e protege a exploração de que é vítima o operário, e não a partir dela.

Pouco tempo depois é criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, pela Lei n.º 5.107/1966. Nasce assim as figuras do empregado optante e não optante ao novo regime17. Na prática, havia tão somente o empregado optante, já que a partir de sua

admissão era-lhe apresentado o formulário para que anuísse com o novo regime, já que empregador algum aceitaria a contratação daquele que optasse pela estabilidade no emprego. A opção, portanto, ficava a cargo do patrão, e não do empregado. Essa situação perdurou até a Constituição de 1988 (art. 7º, III18), ocasião em que o regime do

FGTS passou a ser o único no ordenamento.

O regime do FGTS criado no governo do Marechal Castello Branco tinha dois objetivos implícitos bem definidos, quais sejam, a facilitação para demitir trabalhadores e o financiamento da construção de imóveis. O fim da estabilidade no emprego visava, sobretudo, aproximar o Estado brasileiro dos anseios dos investidores internacionais. A oposição escancarou a real intenção do Governo Militar, conforme se depreende do pronunciamento do senador Aurélio Viana na tribuna do Senado Federal:

Na sessão de 24 de agosto de 1966, que se estendeu até as primeiras horas da manhã seguinte, o senador Aurélio Viana (MDB-Guanabara), foi à tribuna atacar o projeto. Para ele, o ministro Roberto Campos queria agradar ao capital internacional, que exigia, segundo ele, o fim da estabilidade como condição para investir no Brasil: - É público e notório que o senhor ministro do Planejamento vem defendendo essa tese que interessa aos grupos estrangeiros no sentido de extinguir o cerne da legislação social do Brasil, que é o instituto da estabilidade – disse ele, de acordo com documentos históricos guardados no Arquivo do Senado. (FONTENELLE, 2017)

17 Art. 1º Para garantia do tempo de serviço ficam mantidos os Capítulos V e VII do Título IV da

Consolidação das Leis do Trabalho, assegurado, porém, aos empregados o direito de optarem pelo regime instituído na presente Lei.

§ 1º O prazo para a opção é de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, contados da vigência desta Lei para os atuais empregados, e da data da admissão ao emprêgo quanto aos admitidos a partir daquela vigência.

18 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua

O governo de Figueiredo põe fim à ditadura militar no Brasil (1964 – 1985), e dá início ao processo de redemocratização. Contudo, nem mesmo uma nova Assembleia Nacional Constituinte foi capaz de alterar o modelo sindical arquitetado na década de 1930, deixando, assim, de romper por completo com os laços ditatoriais. Inauguram-se novos tempos, norteados pela legitimação de um estado democrático de direito, porém, o Estado brasileiro não se liberta, não rompe com as ideologias dos velhos tempos, em que o autoritarismo, esse sim, passeou livremente.

Dito isso, oportuno dedicar-se à análise da figura da unicidade sindical, insculpida e perpetuada na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, conforme dispõe o inciso II, do art. 8º, aí se incluindo as exposições de motivos que resultaram no atual texto constitucional. Como já se disse, o que teria levado o legislador constituinte a inaugurar um novo tempo, proclamando que o Brasil, enfim, seria uma nação instituída sob um estado democrático de direito e, na mesma medida, ainda que subliminarmente, guardaria relação com seu passado sombrio, ditatorial, dominador e sem liberdade. Esse é o objeto de estudo do subtítulo seguinte.

2.3.3. O impasse entre unicidade e pluralidade na Assembleia Nacional Constituinte