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2. SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO SINDICAL

2.2. A organização sindical no Direito comparado

2.2.2. O modelo norte-americano

De início, pode-se afirmar que uma das principais características do modelo sindical norte-americano é a democracia. Isso significa dizer que cabe aos empregados, e somente a eles, através de eleição secreta, pelo voto da maioria, decidirem se desejam, ou não, serem representados por um sindicato e qual seria ele. Desse modo, o critério da representatividade é o majoritário. De se anotar ainda que ao sindicato eleito é dada exclusividade para representar e negociar em nome dos empregados. Dito isso, tem-se que o modelo estadunidense vai ao encontro do que preconiza a Organização Internacional do Trabalho – OIT, no que toca à liberdade sindical (SARCEDO, 2011, p. 65).

Num breve histórico, percebe-se que houve uma evolução do movimento sindical nos Estados Unidos da América, à medida que o país reconhece a passa a regulamentar as atividades sindicais em 1935. Antes disso, conforme relata Cristiana Lapa Wanderley Sarcedo (2011), os norte-americanos, num primeiro momento, proíbem, pela via judicial, toda e qualquer movimentação de atividades sindicais, enquadrando-a como crime de

conspiração. Somente no final do século XIX é que os tribunais deixam de considerar tais atividades como criminosas e começam a restringi-las no âmbito civil, por meio das chamadas injunctions, que equivalem, no direito pátrio, a uma ordem judicial de obrigação de não fazer, de acordo com a citada pesquisadora. Entre a primeira fase (de proibição) e a terceira (de regulamentação), houve uma outra intermediária, que consistiu em uma fase de neutralidade do Estado no relacionamento entre capital e trabalho (ibidem, p. 66/67).

Enquanto no Brasil, sob o governo de Getúlio Vargas, florescia uma política de enquadramento dos sindicatos, por meio do Decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931, nos EUA era aprovada a Wagner Act ou National Labor Relations Act – NLRA, em 1935, incentivando as atividades sindicais.

Oportuno reproduzir o dispositivo constante da Seção 7, da lei supra, por evidenciar a liberdade conferida aos trabalhadores:

Empregados terão direito de se organizarem, de formarem organizações, de se associarem ou de ajudarem organizações trabalhistas, de negociarem coletivamente por meio de representantes de sua própria escolha e de

tomarem parte em outra atividade combinada, visando negociações coletivas ou outras formas de ajuda mútua ou proteção (...). (ibidem, p.67, com destaques acrescentados)

De acordo com Shieber (1988, p. 23, apud SARCEDO, 2011, p. 67/68) a lei americana traz em seu bojo, desde a fundamentação, a ideia de consenso entre capital e trabalho, haja vista que, em sua exposição de motivos

declara-se a necessidade do reconhecimento da atividade sindical e da garantia da negociação coletiva, como forma de evitar a realização de greves e outros meios de pressão que prejudicariam o livre-comércio. Portanto, o principal objetivo desta lei seria buscar a estabilidade nas relações sociais entre trabalhadores e indústria, o que, inclusive, foi mencionado em uma decisão judicial da Suprema Corte em 1939: “A política fundamental da lei é salvaguardar os direitos à auto-organização e negociação coletiva, e assim remover obstáculos à livre corrente do comércio pela promoção da paz industrial” (V. NLRB x Fansteel Metallurgical Corp. 306 US. 240 (1939).

De se salientar que, no início do século XX o capitalismo experimentou a sua pior crise, com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, de modo que o incentivo às negociações coletivas, com a promulgação da lei NLRA, visava melhor distribuição de riqueza e, por consequência, alavancagem do crescimento da economia norte-americana (SANTOS, 2005, p. 19, apud SARCEDO, 2011, p. 68).

Após o advento da lei NRLA, os sindicatos se fortaleceram e passaram a praticar condutas sindicais irregulares, o que levou parte da classe política a se irresignar, resultando, em 1947, na promulgação da Talf-Hartley Act ou Labor Management

Relations Act – LMRA, que alterou a lei anterior, proibindo algumas condutas sindicais.

Em seguida, com o intuito de frear ainda mais os poderes dos sindicatos, em 1959, foi promulgada a Landrum-Griffin Act (Labor-Management Reporting and Disclosure Act – LMRDA), passando a exigir, dentre outras disposições, a divulgação de informações financeiras dos sindicatos. Assim, essas três normas (NLRA, LMRA e LMRDA) regulam até hoje o sistema sindical norte-americano. Além desse arcabouço legal, é importante destacar a influência das centrais sindicais no desenvolvimento histórico desse sindicalismo, que conta com a AFL-CIO – sua maior central sindical –, proveniente da fusão entre a American Federation of Labor (AFL) e a Committee for Industrial

Organization (CIO) (SARCEDO, 2011, p. 68/70).

Assim, tendo em vista que o modelo norte-americano reconhece apenas um único sindicato como representante exclusivo de um determinado grupo de trabalhadores (critério majoritário), foi preciso regulamentar a forma pela qual se dá a escolha desse sindicato. Desse modo, pela NLRA, foi a criada a Comissão Nacional de Relações de Trabalho (Board) – órgão administrativo do governo federal americano, que intervém no processo de escolha quando não há consenso entre sindicato e empregador, pelo método informal do livre reconhecimento, ou ainda, quando algum sindicato rival discorde desse reconhecimento voluntário. Além disso, uma outra etapa integra esse processo de eleição do sindicato representativo, que é a unidade de negociação apropriada

(appropriate bargaining unit), cuja finalidade é a de delimitar qual grupo de empregados

o sindicato pretende representar (todos, algum setor ou algumas empresas) e, assim, agregar os interesses em comum para facilitar a negociação coletiva. De se registrar que o modelo estadunidense também sofre críticas, uma vez que há evidente decréscimo das negociações coletivas em solo norte-americano, estando sua legislação a exigir um processo de revisão, haja vista que a taxa de sindicalização caiu de aproximadamente 35% do setor privado nos anos 1950 para menos de 8% em 2011(ibidem, p. 74, 76 e 84).

Para Charles J. Morris (2005, p. 5/6 e 140/141, apud SARCEDO, 2011, p. 84) há que se discutir o critério majoritário e a exclusividade de representação no sistema

sindical norte-americano, a fim de que também a minoria tenha voz para entabular negociações coletivas:

em unidades onde ainda não tenha sido reconhecido um agente exclusivo de negociação, mediante escolha majoritária, todos os empregados têm direito de ser representados coletivamente por meio de sindicatos da sua própria escolha. Portanto, ainda que não exista um sindicato que presente todos os empregados de uma determinada unidade de negociação, os sindicatos podem negociar coletivamente em nome dos seus membros. (...) para fundamentar a sua tese, o autor cita a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998 da OIT, que teve o apoio da delegação norte-americana quando da sua aprovação e que elencou a liberdade sindical e a negociação coletiva como um direito fundamental dos trabalhadores.

Ressalte-se, por fim, que, embora os EUA não tenham ratificado as Convenções n.º 87 e 98, o modelo de representatividade adotado é aceito pelos órgãos de controle da OIT, eis que garantem a liberdade sindical e a efetividade da negociação coletiva.

Como se pode constatar, os modelos francês e norte-americano se diferem, essencialmente, no que tange à representatividade, pois, enquanto neste prevalece o critério majoritário, naquele tem-se a presença plúrima de entidades sindicais. De outro lado, em ambos os países é baixa a taxa de sindicalização (Na França, em torno de 8% e, nos EUA, 12,5%), resultante das mudanças no método de produção, globalização e aumento da informalidade, cujos fatores implicam num amplo processo de descoletivização das relações de trabalho e, por consequência, na redução da atividade sindical (SARCEDO, 2011, p. 136/137).