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2. SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO SINDICAL

2.2. A organização sindical no Direito comparado

2.2.1. O modelo francês

O modelo francês se caracteriza pela pluralidade sindical. Melhor dizendo, significa que essa característica está presente tanto na formação de diversos sindicatos, como na pluralidade de sindicatos nas negociações coletivas, de modo que são reconhecidas diversas organizações sindicais a um só tempo. De início, percebe-se que há uma diferença em relação ao modelo norte-americano, que prima pelo critério majoritário – tema do subtítulo seguinte –, e uma flagrante contraposição ao modelo brasileiro, que adota a unicidade sindical. As fases mais importantes do sindicalismo francês podem ser resumidas em proibição, tolerância, reconhecimento e

regulamentação. Inicialmente, o agrupamento de trabalhadores foi considerado perigoso pela Lei Le Chapelier, de 1791, o que teria sido reforçado pelo Código Penal francês, ao reprimir movimentos grevistas. Somente em 1864 é que foi abolido o delito de coalizão. Todavia, a greve continuou sendo considerada uma inadimplência contratual. Em, 21 de março de 1884, com o advento da Lei Waldeck-Rousseau, foi expressamente reconhecida a possibilidade de existirem organizações sindicais e, três anos depois, foi garantido o princípio da liberdade sindical, de modo que os sindicatos poderiam se constituir e funcionar livremente (liberdade coletiva), assim como os trabalhadores e empregadores também passaram a gozar da liberdade de se filiarem livremente aos sindicatos (liberdade individual) (SARCEDO, 2011, p. 85/88).

Em linhas gerais, pode-se afirmar que a organização sindical francesa, que também difere da estadunidense neste ponto, organiza-se em diversos âmbitos, por conta dos níveis de negociação (nacional, regional, por empresa, etc.). Importante observar que a base da organização sindical francesa é a liberdade de constituição de sindicatos – frise-se, em qualquer nível geográfico –, e quaisquer classes de empregadores e trabalhadores. Outra particularidade do modelo francês é a possibilidade das associações patronais (e não apenas de sindicatos) participarem das negociações coletivas, já que o Código do Trabalho francês assim o permite. Prevalece ainda neste sistema, o sindicalismo por profissão, no sentido amplo da palavra, uma vez que não há limitação no sentido de que apenas trabalhadores com vínculo empregatício possam se filiar. Assim, os estagiários, por exemplo, por fazerem parte da profissão têm o direito de aderir a um sindicato (SARCEDO, 2011, p. 97/100).

O Código de Trabalho francês também assentou a possibilidade de se constituir uniões sindicais em diferentes formas e níveis, o que significa dizer que os sindicatos podem livremente se unir para a defesa dos seus interesses. Essa união se dá vertical (entre federações), horizontalmente (uniões interprofissionais, ou seja, há permissão para que sindicatos de profissões diferentes possam se reunir) e por meio de ambas ao mesmo tempo. Embora a organização sindical francesa se revele mais complexa, se comparada ao modelo brasileiro, de se observar que a permissão dessas uniões propicia um melhor desempenho quando das negociações coletivas, o que, provavelmente, não

se concretizaria caso fosse apenas com a participação dos sindicatos de base isoladamente (SARCEDO, 2011, p. 101-103).

Como o sistema francês garante a liberdade, a pluralidade se efetiva desde a base até a cúpula do movimento sindical. Assim, uma das questões a ser enfrentada foi a conciliação dessa pluralidade com a outorga de poderes às organizações sindicais. A solução encontrada foi a de estabelecer critérios de representatividade e reconhecer a pluralidade também na negociação coletiva, autorizando todas as organizações sindicais tidas por representativas a negociar coletivamente. Dada a pluralidade de sujeitos, em geral, as negociações são realizadas por intermédio de comissões de negociação. Importa anotar que, recentemente, em 20 de agosto de 2008, a Lei n.º 789, dentre outras alterações, extinguiu a representatividade presumida naquele país (SARCEDO, 2011, p. 105-119).

Como se disse, o modelo francês admite a negociação coletiva em diferentes níveis, de modo que não existe apenas uma esfera de negociação, por categoria ou por empresa, por exemplo. Desse modo, a negociação numa determinada esfera não impede a negociação em uma outra, ora se complementando, ora se sobrepondo umas às outras. Nesse sentido, têm-se as negociações nacionais/interprofissionais, por ramos de atividade e por empresa. A primeira, visa o conjunto de todos os setores e empresas e sua principal função é a de fazer com que os atores sociais participem do processo evolutivo do Direito do Trabalho, no preparo de futuras alterações legislativas ou na criação de sistemas de proteção, ou seja, possui natureza regulamentadora. A negociação coletiva por setor econômico/ramo de atividade (semelhante ao modelo brasileiro – por categoria econômica/profissional) pode ser nacional e/ou em nível inferior (regional ou departamental). São entabuladas, por meio das comissões constituídas (que são paritárias, com membros da classe trabalhadora e dos empregadores. Podem ainda ser mistas, com a participação do governo), de um lado, pelas federações representativas dos trabalhadores de determinado setor e, de outro, pelas entidades sindicais patronais ou das associações civis que representam as empresas daquele setor. Objetivam harmonizar as condições sociais e minimizar os efeitos da concorrência entre as empresas no que tange às condições de trabalho dos empregados. Já as negociações de empresa são feitas por um representante da empresa de um lado e, de outro, por

todos os sindicatos tidos por representativos na empresa, no estabelecimento ou no grupo econômico. Para que sejam válidas, ainda que não haja participação efetiva de todos os sindicatos, é preciso que todos eles sejam convidados a participar da negociação (SARCEDO, 2011, p. 124/127).

Há que se destacar ainda, outras duas diferenciações em relação aos modelos brasileiro e francês. Trata-se do conceito de convenção e acordo coletivo de trabalho. Enquanto no Brasil são considerados os sujeitos da negociação, na França, o que importa é o seu objeto, de modo que o acordo coletivo cuide de uma ou algumas questões específicas e a convenção trate do conjunto das condições de emprego, de trabalho e das garantias sociais. A outra diferenciação tem a ver com o periodicidade desses acordos/convenções, eis que no Direito Francês, em regra, são elaborados por um período indeterminado, com adaptações por aditamentos e anexos, enquanto no Brasil são limitados ao prazo de dois anos (SARCEDO, 2011, p. 127/128).

Por fim, vale anotar que, a validade de um acordo no modelo francês, seja ele nacional/interprofissional, setorial ou por empresa

passou a ser subordinado à assinatura dele por uma ou diversas organizações sindicais que tenham obtido ao menos 30% dos votos nas eleições profissionais das organizações reconhecidas como representativas nesse âmbito e desde que não tenha a oposição de uma ou diversas organizações que tenham obtido a maioria dos votos. (SARCEDO, 2011, p. 131)

De mais a mais, oportuno salientar que, também a França, a exemplo do Brasil, no mesmo ano de 2017, implementou alterações nas relações de trabalho, ainda que lá a supressão de direitos tenha sido menos drástica do que a efetivada por aqui. Curiosamente, os legisladores de ambos os países se utilizaram de argumentos semelhantes para defenderem as mudanças, consistentes na geração de empregos, combate ao desemprego, crescimento econômico e melhoria da renda e das condições de trabalho. As reformas na legislação trabalhista se dão diante de um verdadeiro paradoxo, na medida em que incentiva a coletividade, a prevalência do negociado sobre o legislado e ao mesmo tempo fragiliza os sindicatos, reduzindo seu protagonismo nas tratativas entre patrões e empregados (CARDOSO; AZAÏS, 2019, p. 307/308).

Cardoso e Azaïs (2019) traçam um paralelo entre as reformas trabalhistas e os mercados de Brasil e França, a fim de demonstrar o comportamento dos indicadores de

precariedade e vulnerabilidade nesses países. Do lado brasileiro, afirmam que a reforma, na verdade, está associada com o aumento da precariedade do mercado de trabalho:

não podemos afirmar que houve impacto relevante da reforma na melhoria das condições de inserção das pessoas no mercado de trabalho brasileiro. O desemprego continuou alto, a informalidade aumentou com a retomada do crescimento, as chances de um desempregado estar ocupado não tiveram variação significativa mesmo em meio ao (leve) crescimento econômico iniciado em 2017, e as chances de um trabalhador informal em um ano estar em melhor posição no ano seguinte tampouco variaram substancialmente, permanecendo muito baixas, tanto para homens quanto para mulheres. (ibidem, p. 315)

Já na França, durante o governo de Emmanuel Macron, Cardoso e Azaïs (2019) destacam que há uma lenta e contínua deterioração dos contratos de trabalho de uma pequena parte dos trabalhadores franceses. E concluem, afirmando que as razões de ser das reformas propostas constituem-se numa verdadeira falácia: O desemprego não foi

revertido, a informalidade cresceu, as chances dos jovens no mercado de trabalho não melhoraram e a chance de um desempregado num ano encontrar um emprego no ano seguinte tampouco melhorou (ibidem, p. 321), cuja abordagem, em relação ao cenário

brasileiro, será retomada no capítulo 3 deste trabalho.