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3.1 Representações de escola e sua função na “preservação” da germanidade

3.1.1 As Kolonieschulen [escolas rurais]

Conforme classificação de Fräger505, as Kolonieschulen [escolas rurais] ou

Pikadenschulen [escolas das picadas] compreendem a maior parte das escolas alemãs-

brasileiras, podendo-se encontrar ao menos uma em cada colônia alemã. Eram, segundo ele, na sua maioria, unidocentes. Às vezes, os alunos mais velhos freqüentavam as aulas pela manhã, e os mais novos, pela tarde. Um mesmo professor, por vezes, atendia uma escola pela manhã e outra pela tarde.

Até a década de 1930, os 15 artigos referentes às Kolonieschulen tratam predominantemente sobre metodologias de ensino das disciplinas de Português e Alemão; uniformização de plano de curso para essas escolas; falta de livros específicos para as mesmas.

A partir de 1930, em 24 artigos, os articulistas continuam abordando os temas citados, mas está em pauta a formação dos professores das escolas rurais, o ensino de História e Matemática. Destinam mais espaço a discussões em torno da função e das condições dessas escolas e de seus professores. Acrescenta-se, então, a representação

dessas escolas como o “cerne do Deutschbrasilianertum”, por se situarem nas colônias, onde estava a massa da população descendente de alemães, conforme prega Holder. Prevalece, nos artigos do ALZ, uma imagem negativa em relação às Kolonieschulen: são consideradas atrasadas e precárias no que se refere às condições físicas, à formação dos professores, à freqüência escolar (entre 2 e 4 anos em média), aos aspectos pedagógicos e ao material didático, bem como à função, também a elas atribuída, de fomentar a germanidade.

As Kolonieschulen, assim como os Kolonielehrer [professores das escolas rurais],

são tema de congressos organizados pelo LDL – Landesverband Deutsch-Brasilianischer Lehrer. No 2. Deutschbrasilianischer Schultag [2. Congresso Escolar Alemão-Brasileiro],

ocorrido de 2 a 4 de janeiro de 1922506, em Porto Alegre, trata-se, dentre outros assuntos,

dos planos de aula para as Kolonieschulen, que deveriam ser uniformes, compondo conteúdo para quatro anos de freqüência escolar, possibilitando assim aos seus egressos a freqüência de escola complementar: “Os planos de aula das Kolonieschulen devem ser organizados de forma uniforme para um período escolar de quatro anos, de tal forma que seja possível a transição da escola rural para o nível seguinte, a escola da vila”507 .

Na década de 1930, temas relacionados às escolas rurais [Kolonieschulen] são mais discutidos do que nas décadas anteriores, o que atribuímos, de um lado, às mudanças na política educacional brasileira, colocando a escola comunitária em discussão e exigindo dela adequação às mudanças. Por outro lado, devemos levar em conta as alterações de rumo na política cultural e externa da Alemanha após a República de Weimar, no Terceiro Reich, quando o poder passa às mãos do nacional-socialismo. Como as escolas rurais eram

505 FRÄGER, Paul. Untersuchungen über das deutsch-brasilianische Schulwesen. In: ALZ, v.30, n.12, dez. 1933, p.5-10.

506 Apesar de constar, junto ao título do artigo ou relatório sobre o evento, “vom 2-4 Januar 1923 in Porto Alegre”, constatamos que se trata de 1922.

507 Die Lehrpläne der Kolonieschulen sollen einheitlich für einen vierjährigen Schulbesuch eingerichtet werden

und zwar so, daß von den Kolonieschulen der Uebergang in die nächste gehobenen Schule, die Schule der Villa, möglich ist. Die 2. Deutschbrasilianische Schultag. In: ALZ, Santa Cruz, v.19, n.1, jan. 1922, p.2-3.

maioria508, também continuam sendo o centro das discussões em torno de condições

adequadas no que diz respeito às principais questões, como germanidade, formação do professor e material didático.

A preocupação com as Kolonieschulen é também tema do 5. Deutschbrasilianischer

Schultag [5. Congresso Escolar Alemão-Brasileiro], realizado em Porto Alegre, de 4 a 7 de

janeiro de 1931. Há preocupação com o que é considerado o centro do sistema escolar: a escola simples da colônia [einfache Kolonieschule]. A discussão gira em torno de maior auxílio a elas, pois compunham, segundo o relatório do congresso, o centro do sistema escolar “alemão-brasileiro”:

A simples Kolonieschule constitui o cerne de todo o nosso sistema escolar. Em centenas de colônias ela tem uma existência miserável, como novamente fica claro a partir do rico material disponível por meio dos questionários; além disso, em inumeráveis pequenas colônias falta até mesmo esse humilde auxílio para a preservação de nossa língua e de nossa consciência étnica. 509

Considerando função da escola a manutenção da índole, dos costumes e da língua alemã categorias essenciais para que os descendentes de alemães no país pudessem ser cidadãos brasileiros, na ótica dos articulistas do ALZ, Plöger enfatiza a necessidade de maior atenção às escolas rurais, para evitar seu atraso neste sentido:

Cuidar e preservar essa valiosa maneira de ser de nossos concidadãos também é tarefa de nossas escolas. Mas nossas escolas também precisam acompanhar o tempo e não podem ficar para trás; precisamos trabalhar com todas as forças para erguer o nível educacional também de nossas escolas rurais. Nossa associação de professores fornecerá livros e material didático com esse fim.

508 Conforme levantamento estatístico de Fräger, no início dos anos de 1930, de 119 escolas, 93 econtravam-se em meio rural, e 26, em meio urbano. In: ALZ, 1934, n.5, p.5 (a partir do texto Untersuchungen über das

deutsch-brasilianische Schulwesen, de Studienrat Paul Fräger, Stein a/Oder, früher Direktor des Deutschen Ev.

Lehreseminares in São Leopoldo, Rio Grande do Sul, BR. Aus “Der Auslanddeutsche”).

509 Die einfache Kolonieschule bildet das Kernstück unseres gesamten Schulwesens. Sie fristet in hunderten von

Siedlungen ein kümmerliches Dasein, wie aus dem jetzt vorliegenden reichen Material an Fragebogen wieder einmal deutlich zu ersehen ist, und in ungezählten kleinen Siedlungen fehlt auch dieses bescheidene Hilfsmittel zur Erhaltung unserer Sprache und unseres Volksbewußtseins. FOUQUET, Dr. Karl. Der 5. Schultag in Porto Alegre. In: ALZ, v.28, n.3-4, mar./abr. 1931, p.2-3.

Senhores! Se não tomarmos em nossas mãos a tarefa de erguer o nível de nossas escolas, podemos ter certeza de que nosso governo, mais cedo ou mais tarde, tomará conta de nossas Kolonieschulen, mais do que as comunidades gostariam.510

Nesse contexto, os articulistas agregam outro argumento para reforçar a importância da escola “alemã-brasileira” no meio rural. Baseiam-se em teorias dos ideólogos do nacionalismo alemão, então reapropriadas pelo nacional-socialismo alemão, e transplantadas para o Brasil. Trata-se da idéia de que “a continuidade e o futuro do Volkstum está baseado no vigor do campesinato”511. Como já aponta Grützmann (1999), o

ideário germanista considerava o camponês enraizado na terra um guardião do Volkstum.512 Como no Brasil a maior parte das escolas encontra-se no meio rural513, argumenta Holder,

também o futuro do Volkstum depende

[…] do quanto nossa população da colônia preservar as forças sadias da nossa maneira de ser étnica, e do uso que ela fizer dessas forças a serviço de sua nova terra natal. Se essa questão for solucionada de forma clara e enérgica, então sobre essa base também o sistema escolar secundário terá um solo firme e poderá prestar um trabalho tanto mais frutífero quanto vantajoso para a germanidade e para o Estado ao mesmo tempo.514.

Outra função atribuída à escola rural [Kolonieschule], já encontrada nos anos de 1920, é reafirmada em artigo de Karl Köbler: “Ela deve fornecer ao aluno um domínio seguro da língua alemã e da língua portuguesa, que o capacite, como bom cidadão brasileiro, a

510 Diese wertvolle Eigenart unserer Mitbürger zu pflegen und zu erhalten ist auch die Hauptaufgabe unserer

Schulen. Aber unsere Schulen müssen auch mit der Zeit mitgehen und dürfen nicht rückständig bleiben; wir müssen mit allen Kräften daran arbeiten, auch unsere Kolonieschulen zu heben. Bücher und Lehrmittel zu diesem Zwecke wird uns unser Lehrerverein besorgen. Meine Herren! Wenn wir eine Hebung unserer Schulen nicht ernstlich in die Hand nehmen, ist mit Sicherheit damit zu rechnen, daß sich unsere Regierung über kurz oder lang mehr um unsere Kolonieschulen kümmern wird, als den Gemeinden lieb. PLÖGER, W. Ansprache auf

der Distriktsversammlung in Boa Vista. In: ALZ, v.28, n.3-4, mar./abr. 1931, p.14.

511 Bestand und Zukunft eines Volkstums auf die Kraft des Bauerntums sich gründet. Idem, ibidem.

512 GRÜTZMANN, 1999, p.292. Cf. também MOSSE, p.176: o papel do mundo agrário na cultura nacional alemã.

513 “[...] Schulwesen, das die breite Masse des Bauerntums, des Kerns vom Deutschbrasilianertum, erfaßt.” Dr. H—R [HOLDER]. Zukunftsfragen des deutsch-brasilianischen Schulwesen. In: ALZ, v.31, n.2, fev. 1934, p.6. 514 [...] wie sich unsere Kolonie-Bevölkerung die gesunden Kräfte ihrer völkischen Art erhält und wie sie sie in dem

Dienst der neuen Heimat verwendet. Ist die Frage klar und tatkräftig gelöst, dann wird auf dieser Grundlage auch das höhere Schulwesen einen festen Boden haben und um so fruchtbarer eine Arbeit tun können, die Volkstum und Staat in gleicher Weise zustatten kommen. Dr. H—R [HOLDER]. Zukunftsfragen des deutsch-brasilianischen

preservar sua germanidade. A própria razão de ser da escola depende da execução dessa tarefa” 515.

Os discursos formulados em relação à escola rural deixam antever as representações sobre escola que poderemos encontrar sob a égide do ideário nacional- socialista trazido para o Brasil e as negociações a serem feitas com o nacionalismo brasileiro em meio à nacionalização do ensino promovida por Vargas.