• Nenhum resultado encontrado

As discussões empreendidas até aqui permitem mostrar que duas áreas africanas foram exploradas pelo tráfico negreiro do Brasil: a Costa ao Norte do equador (área oeste-africana), de onde se retiravam os africanos conhecidos na literatura por sudaneses, ou oeste-africanos, e a Costa ao sul do equador (área austral), de onde eram provenientes os africanos de origem banta. Assim, Bonvini (2008) afirma que, até o século XVIII, os colonizadores europeus frequentavam apenas as áreas costeiras da África, observação que explica o fato de que, em face às 2067 línguas faladas na África conhecidas atualmente (nigero-congolês: 149547; afro- asiáticas: 353; nilo-saariano: 197; coissan: 22), poucas delas alcançaram o Brasil. Divididas por área, são elas, segundo Bovoni:

Área oeste-africana:

1. fula, uólofe, manjaco, balanta (nígero-congolês – atlânticas);

2. mandinga (principalmente), bambara, maninca, diúla (nígero-congolês –

mandês);

3. gurúnsi (nígero-congolês – gur);

4. eve, fon, gen, aja (ou jejê) (nígero-congolês – kwa);

5. ijó (nígero-congolês – ijoide);

6. iorubá (nagô-queto) (nígero-congolês – benue-congo – defoide);

7. edo (nígero-congolês – benue-congo – edoide);

8. nupe (tapa) (nígero-congolês – benue-congo – nupoide);

9. ibo (nígero-congolês – benue-congo – iboide);

47 Pessoa de Castro (2001, p. 28) classifica o nigero-congolês como subfamília da família congo-cordofaniano,

10. hauçá (afro-asiático – chádica);

11. e canúri (nilo-saariano – saariano);

Área austral:

12. quissongo, quissicongo, quizombo, quissundi, quivili, iuoio (fiote), quiombe

(falada em Cambina e Loango) (nígero-congolês – benue-congolesa – congo H10);

13. quimbundo (falada pelos ambundos na região central de Angola – Antigo

reino Ndongo) quissama, quindongo (nígero-congolês – benue-congolesa – quimbundo H20);

14. iaca, imbagala, chinji (nígero-congolês – benue-congolesa – iaca-holo H30);

15. uchôcue, ochinganguela, chilucazi, luena (luvale) (nígero-congolês – benue-

congolesa – chôcue H10);

16. chilunda, urunda (nígero-congolês – benue-congolesa – lunda L50);

17. chiluba-cassai (nígero-congolês – benue-congolesa – lulua L30);

18. omacua (nígero-congolês – benue-congolesa – macua P30);

19. umbundo (falado pelos ovimbundos de Benguela, em Angola), olunianeca

(nígero-congolês – benue-congolesa – umbundu R10);

20. ochicuaniama, cuambi (nígero-congolês – benue-congolesa – cuaniama,

indonga R20);

21. ochiherero (nígero-congolês – benue-congolesa – herero R30).

Em relação ao primeiro grupo de línguas, o autor (p. 30) afirma que, embora haja um maior número de línguas, são tipologicamente muito diferentes, enquanto o segundo grupo, com menor número de línguas, além de serem tipologicamente semelhantes, foram faladas pela maior parte dos cativos trazidos para as terras brasileiras. Esse dado pode evidenciar a influência exercida no PB a partir do contato com as línguas banto, principalmente no que se refere a estruturas gramaticais da língua.

Em consonância com o autor, ao tratar do primeiro grupo, Pessoa de Castro (2001, p. 33-34) destaca a superioridade de falantes da família linguística kwa em relação às demais línguas dos povos oeste-africanos, mais significativamente as línguas iorubá e as do grupo eve-

fon ou gbe, que são faladas na parte oriental da Costa do Marfim, sudeste de Gana, Togo e

Em relação ao segundo grupo linguístico, a autora afirma que “entre os bantos, destacaram-se em superioridade numérica, duração e continuidade no tempo de contato com o colonizador português, três povos litorâneos: 1) bacongo, 2) ambundo e 3) ovimbundos”.

3.3.1 AS LÍNGUAS BANTAS

Lucchesi e Baxter (2006) defendem que a somatória total do número de africanos traficados para o Brasil, nos três séculos de comércio escravo, resulta em um predomínio de africanos oriundos das zonas bantas da África média, do grupo niger-congolês, principalmente na Bahia, já no século XVII. Quanto às línguas mais evidentes no Brasil, destacam-se, conforme exibe mapa abaixo, as das zonas H, R, A, L, K, P, S, B. E, segundo Pessoa de Castro (2001), as línguas mais frequentes encontradas no Brasil são: Bantos da zona H48, como o Quimbundo e o Quincongo; da zona R49, como o umbundo; da zona A50; da zona L51; da Zona K/R/H52; da zona P/S53 e da zona B/H54, conforme a tipologia de Guthrie (1948 apud SCHADEBERG, 2003) observada na Figura 1.

48 A zona H banta contempla as áreas geográficas de de Angola, Congo, Cacongo, Cabinda, Muxicongo, Ambriz,

Ambrizete, Molembo, Libolo, Jaga, Ganguela, Monjolo, Loango.

49 Benguela e Moçamede. 50 Gabão e Balunda 51 Balundo 52 Quioco e Amboim 53 Moçambique e Quelimane 54 Anjico

De acordo com Pessoa de Castro (2001), a classificação mais utilizada das línguas bantas pelos estudiosos é a de Guthrie (1948 apud SCHADEBERG, 2003)55, baseada em traços linguísticos comuns e proximidade geográfica. Esquematicamente, nessa proposta de classificação, a zona é determinada por uma letra, o grupo, pelo primeiro algarismo numérico, e a língua, pelo segundo, como, por exemplo, o quicongo (H16), da zona H, grupo 1, numeração 6; o quimbundo (H21), zona H, grupo 2, numeração 1; e o umbundo (R11), zona R, grupo 1, numeração 1 (NURSE; PHILIPPSON, 2003; PESSOA DE CASTRO, 2011). As zonas são divididas por Guthrie por uma tipologia linguística pautada por um estudo comparativo entre as línguas bantas, que identificou correspondências sonoras e significados idênticos em conjuntos de palavras e morfemas.

Lucchesi e Baxter (2006) comentam que a semelhança existente entre as línguas bantas que aqui chegaram, de maneira significativa, nos séculos XVI e XVII, deve ter favorecido a formação de línguas gerais africanas nas senzalas e quilombos, sendo de base do quimbundo ou quicongo. No entanto, essas línguas caíram em desuso, com o avanço do português popular, mantendo-se apenas em contextos bastante restritos:

55 Também utilizada por Bonvini (2008), Pessoa de Castro (2001), Petter (2015) e mapas linguísticos com

http://glottolog.org e http://wals.info/.

Figura 1 - Zonas de Guthrie

Essas línguas chegaram até os nossos dias, em comunidades rurais negras, que as conservam como língua secreta, e também como uma forma de afirmação de sua identidade étnica. Tal é o caso da falange, descoberta recentemente na comunidade do Cafundó, em São Paulo, e da língua do negro da Costa em Tabatinga, Minas Gerais, ambas empregam um léxico de base banto (sobretudo quimbundo) com as estruturas gramaticais do português. (LUCCHESI; BAXTER, 2006, p. 187)

Lucchesi (2009a, p. 182) demonstra que várias palavras de origem banta podem ser observadas no PB, como, por exemplo: cacunda, caçula, fubá, angu, jiló, carinho, bunda,

quiabo, dendê, dengo, samba, etc.

Conforme Pessoa de Castro (2001), as línguas bantas são pertencentes à família nigero- congo, do ramo benue-congo. O termo “banto” significa “homens” e designa o grupo de línguas

bantoid, atualmente faladas por cerca de 190 milhões de pessoas no mundo, principalmente por

aquelas da região subequatorial do continente africano, conforme demonstrado no mapa de distribuição das línguas bantas, gerado no site http://glottolog.org (Figura 2):

Figura 2 Distribuição das línguas bantas na África

São países falantes de línguas bantoid: Angola, Namíbia, Gabão, República Popular do Congo (Congo-Brazzaville), República Centro-africana, República democrática do Congo, Camarões, Guiné Equatorial, Malauí, Zâmbia, Moçambique, Burundi, Ruanda, Uganda, Quênia, Zimbábue, Botsuana, Lesoto e África do Sul.

Pessoa de Castro (2001) apresenta a seguinte delimitação: é falante do quicongo o povo

bacongo. A língua é falada nacionalmente nos países da República Popular do Congo, Congo

Brazzaville e República Democrática do Congo e à Noroeste de Angola. Ainda de acordo com a autora, quando se tratava de Reino Congo, foram traficados para Lisboa os primeiros bantos escravizados provenientes dessa localização, em grandes lotes. São falantes do quimbundo os

ambundos, os quais se agrupam na região central de Angola, entre a sua capital, Luanda,

Malanje, Bengo, Cuanza Norte até Ambriz. A autora diz que, com a queda do antigo reino do Congo, Angola passou a ser ponto de referência no século XVII para a comercialização de escravos para o Brasil. Por fim, são falantes do umbundo os africanos ovimbundos. A língua é falada no sul de Angola, nas províncias de Bié, Huambo, Benguela.

3.3.2 AS LÍNGUAS OESTE-AFRICANAS

De acordo com Pessoa de Castro (2001), as línguas oeste-africanas são faladas, ao longo da costa atlântica ocidental africana, nos seguintes países: Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Serra Leoa, Libéria, Burquina-Fasso, Costa do Marfim, Gana, Benim, Togo e Nigéria. A autora destaca a supremacia numérica, no Brasil, dos falantes do grupo linguístico

ewe-fon ou gbe e iorubá (defoid), conforme mapas gerados no site http://glottolog.org (Figuras

3 e 4).

Figura 3 Distribuição das línguas da família Kwa no norte da África

Figura 4 Língua Iorubá no norte da África

De acordo com Pessoa de Castro (2001), são cerca de 10 milhões de falantes das línguas pertencentes ao grupo ewe-fon. No Brasil, tais falantes ficaram conhecidos como jejes, minas,

aladás, uidás, mahis, mundubis, savalus, anexôs (ou minas), pedás e foram trazidos ao Brasil,

no século XVII, para o Recôncavo baiano, Minas Gerais, Pernambuco, Maranhão e Rio de Janeiro. As principais línguas faladas desse grupo, segundo a autora, são: ewe, fon ou fongbe,

gun, mahi, e mina – todas pertencentes à família kwa.

Em relação ao iorubá (nigero-congolês do ramo volta congo), língua falada na Nigéria ocidental, a autora relata que seus falantes eram conhecidos como africanos nagôs, de maneira genérica, já que eram grupos distintos (egbás, oiós, ijexás, ijebus, ifés, ondos, ibadãs, oxobôs e

ànágôs). Fato importante é que, na última fase do tráfico africano, foi trazido ao país um número

considerável de africanos nagôs, devido à queda do império de Oió em 1830, conquistado por hauçás maometanos. Os nagôs estabeleceram-se, principalmente, na cidade de Salvador, zona urbana, para trabalhos na cidade e também domésticos (NINA RODRIGUES, 2010 [1933]; PESSOA DE CASTRO, 2001).

A autora destaca, ainda, outro grupo de línguas da família kwa proveniente da Nigéria:

Nupe (tapas), registrada em Salvador, no século XIX, por Nina Rodrigues (2010 [1933]); Bini,

do estado de Benim; ibô, que é, conforme a autora, uma das três maiores línguas do país; Calabari; e Hauçás, também registrada por Nina Rodrigues, língua falada por cerca de 20 milhões de pessoas, especialmente em Togo, Benim e Gana. Pessoa de Castro (2001, p. 40-43)

afirma que, no início do século XIX, um grande número de falantes dessa língua aportou em Salvador para executarem serviços urbanos e domésticos, e, por sua concentração e crença islâmica, promoveram diversas revoltas na capital, sendo uma delas Revolta dos Malês (1830), conforme se verifica no trecho a seguir:

Essas revoltas de que o estudo pouco aprofundado dos historiadores pátrios não tem feito mais do que explosões acidentais do desespero de escravizados contra a opressão cruel e tirânica de senhores desumanos, tem assim a alta significação da mais acabada sucessão histórica. Elas se filiam todas às transformações políticas operadas pelo Islamismo no Haussá e no Iorubá sob a direção dos Fulos ou Fulahs.

[...] no conhecimento dos levantes, ia de 1813, data a que chegavam as insurreições conhecidas dos Haussás, até 1826, quando começaram as dos Nagôs. (NINA RODRIGUES, 2010 [1933], p. 45; 50)56

Pessoa de Castro (2001, p. 47), ao ilustrar um mapa do Brasil com a distribuição por grupos étnicos, demonstra que, enquanto o grupo banto, assim como os jejês-mina, foi distribuído pelo estado da Bahia, incluindo a zona rural, os grupos iorubanos e hauçás permaneceram na capital, cidade de Salvador, zona urbana. Esse fato evidencia a forte presença do banto nas comunidades rurais afro-brasileiras, que se concentrou, portanto, nas grandes fazendas e engenhos.

Até os dias atuais, segundo Lucchesi e Baxter (2006), é possível observar, no dialeto falado nos terreiros de candomblé em Salvador, capital da Bahia, um rico vocabulário nagô: como reforça Lucchesi (2009a, p. 182), 65,7% do léxico observado na liturgia desses terreiros de candomblé são de origem sudanesa.