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5.2 VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS

5.2.1 Distribuição das variantes dependentes pela variável tipo semântico de verbo

A Tabela 3, a seguir, contém a distribuição dos dativos (não) preposicionados por tipo semântico verbal. Vale lembrar que os dados de verbo de movimento concreto são retirados da rodada, haja vista a realização exclusiva da preposição para, 105 ocorrências, revelando que, nas comunidades afro-brasileiras, esse contexto não comporta variação entre as preposições, conforme os exemplos em (04).

(04) Movimento concreto a. Pegava um ônibu, levava po médico (HV-03)

b. Aí no dia que troxe ela pa... pa Rio de Conta ela morreu. (RC-07)

Uma hipótese sobre a alta frequência do para nas comunidades afro-brasileiras é a de que a mudança tenha partido de tipos semânticos mais concretos, como será discutido posteriormente (BERLINCK, 1996b; GOMES, 2003; TORRES MORAIS; RIBEIRO; FERREIRA, 2008; TORRES MORAIS; BERLINCK, 2006; 2015). Além do mais, os verbos de movimento abstrato também foram retirados da atual análise, porque apresentam variação apenas entre as preposições realizadas fonologicamente, a e para, não ocorrendo com a variante apagada: Ø, como nos exemplos em (05).

(05) Movimento abstrato a. É, só almoçá mei-dia...daí agora almoçô...rezô as prece...ofereceu a Deus... (CZ-04)

b. Uma vez escreveu pra mim (HV-03)

Isto posto, os dados revelam a covariação estrita entre as três variantes dependentes, a,

para e Ø, nas comunidades rurais afro-brasileiras se dá apenas em verbos de transferência.

Tabela 3 - Distribuição de preposições pelo tipo semântico de verbo

Ø-DAT a-DAT Para-DAT

Ocor. % Ocor. % Ocor. %

Transferência material 45 27,3% 12 7,3% 108 65,5%

discendi 26 19,1% 33 24,3% 77 56,6%

Total 71 22,6% 46 14,6% 197 62,7%

Fonte: Elaboração Própria

A leitura vertical da Tabela 3 revela que a realização da preposição a é a variante mais favorecida pelo tipo semântico discendi (06), com 24,3%, se comparada ao total de 14,6%; a preposição para reflete a média de uso no tipo transferência material (07), com 65,5% em relação ao total de 62,7% das ocorrências; a variante Ø é a mais favorecida pelo verbo de

transferência material (08), com frequência de 27,3% em relação ao total de 22,6%.

(06) a-DAT com verbos discendi Não. Nessa política agora ele num disse nada a ninguém. (SP-01)

(07) para-DP com verbos de transferência material

É puque é...eles dá pá santo reis, é esmola de santo reis. (CZ-04);

(08) Ø-DP com verbos de transferência material

dava Ø eles purgante... (HV-13)

O resultado da tabela motiva o estabelecimento da hipótese defendida neste trabalho, tendo em vista que, conforme os exemplos (07-08), as variantes Ø e para são mais frequentes nos mesmo contextos, o que demonstra que esses fatores foram relevantes para a entrada do

para em contexto de complementos dativos. É importante ainda mencionar que esse resultado

reflete uma realidade já consolidada no PB, conforme tratam Torres Morais, Ribeiro e Ferreira (2008) a respeito do avanço exponencial da preposição para em construção dativa em consequência da ampliação de funções desse item gramatical e também em decorrência da perda das marcas de dativo no PB. A afirmação da perda da marca pauta-se no desaparecimento do clítico de terceira pessoa lhe/lhes e na redução do uso da preposição a (TORRES MORAIS; BERLINCK, 2006; GOMES, 2003). É válido ressaltar que, neste aspecto, o PB vai em caminho inverso ao Português Europeu (PE), já que na variante europeia, assim como no português culto brasileiro, a preposição a é bastante frequente (TORRES MORAIS, 2007; FREIRE, 2005).

Ao rodar os dados em valores binominais das variantes para e Ø amalgamadas em função de a para obtenção de peso relativo, o programa estatístico Goldvarb 2001 forneceu os seguintes valores na Tabela 4. O tipo semântico de verbo discendi, como dizer, falar, contar etc., mostrou-se relevante no condicionamento da variante a na análise do corpus, favorecendo essa preposição, com peso relativo de 0.661.

Tabela 4 – Uso da preposição a segundo o tipo semântico de verbo em relação às variantes para e Ø

a-DAT

Nº de ocor. % Peso relativo

Transferência material 12/165 7,3% 0.378

discendi 33/136 24,3% 0.661

Total 46/314 14,6% -

Log likelihood = -101.255 Significance = 0.032 Fonte: Elaboração Própria

A apresentação dos pesos relativos autentica o resultado da tabela anterior em que a preposição a é favorecida principalmente pelos verbos discendi, com frequência de 24,3%.

Quando a frequência da preposição a é comparada ao uso apenas da marca Ø91, o resultado é ainda mais significativo. Em argumentação em favor da hipótese de que o processo de expansão da preposição para em contextos dativos de verbos dinâmicos de transferência e movimento teria sido precedido do processo de perda da preposição a e aumento da variante nula no PB afro-brasileiro, observei a variante a em função de Ø, a fim de constatar o contexto semântico de “efeito gatilho” desse processo. Assim, com base nos valores estatísticos input 0.628, log likelihood -49.412 e significance 0.007, o resultado disponibilizado pelo programa consiste em pesos relativos bastante significativos, a saber: o fator transferência material favorece consideravelmente o apagamento da preposição, com peso relativo 0.725 e, por outro lado, o fator verbos discendi desfavorece a variante nulo, com peso relativo de 0.282. Esse resultado demonstra que a variante Ø, hipoteticamente, foi possível a partir de contextos semânticos protótipos, com verbos semelhantes ao verbo dar, isto é, predicadores que relacionem uma transferência de um objeto concreto a uma entidade humana, uma vez que esse tipo de contexto permite facilmente a ocorrência da alternância dativa. Esse fenômeno consiste-se em uma CDP que tem por opção uma contraparte com dativo sem preposição, desde que este esteja em posição adjacente ao verbo, muito comum na língua inglesa (LARSON, 1988; PYLKANNEN, 2002) e línguas crioulas (LUCCHESI, 2001).

Além da rodada estatística a em função de Ø, a variável tipo semântico do verbo também foi selecionada como relevante pelo Goldvarb, ao ser solicitado o cálculo da variante para em função de a, em busca dos contextos de resistência nos dados de fala vernacular da variante padrão. Desse modo, com medidas de confiabilidade input 0.113, log likelihood -83.630 e

significance 0.022, a variante a-DP em variação com para-DP é favorecida pelo fator verbos discendi, com peso relativo de 0.665 e, em seguida, é desfavorecida pelo contexto semântico transferência material, com peso relativo 0.350. Ressalto que, ainda que as duas outras

variantes sejam ambas submetidas em função da variante a-DP, ainda assim, o contexto verbos

discendi é um dos fatores linguísticos favoráveis à permanência dessa variante nas comunidades

rurais afro-brasileiras. Isso é uma evidência de que a noção mais abstrata em torno do contexto da estrutura frasal interfere na probabilidade de aumento da frequência da preposição a92.

91 Na rodada entre a e para, essa variável não foi escolhida como significativa.

92 Trato mais profundamente sobre esse assunto, quando aponto os principais aspectos favoráveis para a hipótese