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4.3 PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS DA SOCIOLINGUÍSTICA

4.5.2 Critérios para seleção dos dados no corpus

4.5.2.1 Tipo semântico do predicador verbal

Para a seleção dos dados, o primeiro critério seguido foi o tipo semântico que seleciona dativo, neste caso, os verbos são classificados conforme Berlink (1996) em: verbos de

transferência material (dar, alugar, devolver, passar, entregar, emprestar, etc.), discendi (dizer,

pedir, falar, mostrar, prometer, sugerir, ensinar, etc.), movimento abstrato (conferir, anexar, enviar, destinar, dedicar, etc.), movimento físico (levar, conduzir, atirar, dirigir, pagar, etc.). Além disso, acrescentei a esse grupo os verbos faciendi (fazer para, comprar para, preparar para, cozinhar para, etc.), conforme Lucchesi e Mello (2009). Os dativos nos verbos de

transferência ou de movimento podem ser, assim, sumariamente apresentados (BERLINCK,

1996, p. 128):

a) O dativo é substituível por clíticos;

b) Existe um OD, que é um objeto transferível ou que pode ser locomovido; c) O dativo pode ser um pronome, nome ou nulo;

82 Apesar de esse grupo de fator ser uma importante variável linguística, resolvi colocar a sua descrição na seção

d) O dativo pode ser topicalizado, mas nunca um sujeito gramatical de uma sentença passiva;

e) A estrutura interna desses verbos, em geral, possui a seguinte organização sintática: {𝐷𝑃 + 𝑉𝑃[𝐷𝑃 + (𝐷𝑃~ 𝒙𝐷𝑃)]}, 𝑠𝑒𝑛𝑑𝑜 𝒙 = 𝑎 ~ 𝑝𝑎𝑟𝑎~𝜃;

f) O dativo pode vir posicionado imediatamente após o verbo, depois do OD ou precedê-lo quando em posição proclítica;

g) O dativo apresenta interpretação semântica de meta ou beneficiário.

Os verbos mais frequentes observados no corpus foram: pagar, pedir, contar, mostrar, apresentar, arrumar, dar, trazer, levar, vender, comprar, entregar, dizer, falar, fazer, ensinar, perguntar, preparar, oferecer. Todos esses verbos encaixam-se nos tipos verbais que exemplifico em (01-05).

(01) Verbos discendi Ela disse: “ô... ô mãe ININT... a curadêra mando

dize a ele p’eu num comê galinha, num comê

ovo, num comê carne de porco, num comê comida salgada, só comê...” acho qu’era galinha só... (SP-07)

(02) Verbos de transferência material É princípo...aí passô o nome do remédio pra mim, ININT, mas agora ININT. (CZ-08)

(03) Verbos de movimento físico É côco tinha mai caregado, heim! ININT Eu ia até panhava uns côco lá em casa. Manué de Viniço argum côco lá no chão. É foi levá pá minha fia, lá na se... lá na Posto da Mata, não. E eu não conversa, não conversa direito cunversa é tudo embaraçado!

(HV-CONTROLE-R)

(04) Verbos de movimento abstrato É, só almoçá mei-dia...daí agora almoçô...rezô as prece...ofereceu a Deus... (CZ-04)

(05) Faciendi DOC: Hum. E ele costuma pagá pra fazê as casa aqui ?

INF: Paga. Ele costuma pagá... ele pagô pa fazê umas aí, pagô pa fazê p'uma mulhé lá no Bananal,

mas quando ele começô já começô já tarde. (RC- 06)

Após esta etapa, conforme seção a seguir, no primeiro momento do trabalho, coletei todas as ocorrências de verbos que selecionam argumentos dativos, sejam realizados por PP, como em (06), por pronome clítico de todas as pessoas, como (07), ou nulos anafóricos ou arbitrários, como em (08), mesmo quando não é possível observar a variação das três estratégias (a, Ø, para) de realização do dativo, conforme o exemplo em (09).

(06) PP Chegô aqui q'eu entreguei a Miguel que é... é Miguel que é funerário que abre a seputura ININT dexô a guia... aí foi qu’ele marcô lá... quano foi oiá foi poro... foi poromonia. (RC-06) (07) Clíticos a. INF: Então me dá esse cinco, tome? Eu sei que você

que ININT resultado, heim.(HV-CONTROLE-Q) b. T’ensino bordá, (SP-09)

c. Eu vô lhe dá um... um... um num saquim e... e chegá lá me... me parte e faz (RC-24)

(08) Nulo arbitrário Mêi dia! Entrô dez hora, quande foi doze hora nós saiu. Aí na saída a gente ficô lá um pouco assim na saída tinha assim uns...uns bar que vendia [DAT NULO] áugua [DAT NULO], coisas gelada assim, né? (CZ-01)

(09) para ele me levô umas duas vez lá pá igreja...cum a moto...dispois que eu chegava...ele me carregô umas duas vez... (CZ-10)

Sob esse critério foram comutadas 4049 ocorrências, conforme Tabela 1 a seguir:

Tabela 1 - Distribuição Geral dos dados

Nulos PP DP Clíticos Total

324283 447 74 286 4049

Fonte: Elaboração Própria

Após o levantamento exaustivo de ocorrências e primeira quantificação dos dados, realizei um refinamento nos critérios de seleção dos dados para constituição do corpus base desta pesquisa, cujo objetivo é buscar evidências de que a variante para, considerada inovadora no PB como introdutora de dativos, tenha sido implementada para preencher a lacuna deixada pela queda da preposição nas estruturas de COD, gramaticalizando-se84. Assim, foram selecionadas apenas as ocorrências em contexto de variação como em (10-11):

(10) para-DAT em contextos

de transferência material

o fazendêro depois vendeu pá firma. (HV-09)

(11) para-DAT em contextos

de verbos discendi

Eu desconfiei, minha fia, eu desconfiei, sem... sempe eu dizia pas amiga, mas a s amiga num... (SP-05)

Assim, considerando-se a existência de pelo menos dois tipos de dativo, obrigatório e não obrigatório, os dados em (10) e (11) são exemplos de dativos obrigatórios, e têm por uma das características ser recuperados semanticamente pelo discurso, como em (12), de acordo com a definição de Pujalte (2007) e ser previstos pelas propriedades semânticas do verbo, conforme a concepção de Campos (1999). Além disso, Armelin (2011) também nota que os dativos meta que são preposicionados por a, quando não explícitos, somente o dativo este pode ser recuperado no contexto conversacional.

Esse tipo de complemento dativo é parte de uma estrutura argumental de um verbo que apresenta uma configuração sintática com dois lugares para objetos sintáticos. Hoecke (1996) designa esse tipo de dativo como dativo propriamente dito, porque representa a pessoa a quem é dada alguma coisa (ou enviada, dita, trazida, etc.) e também porque ocorre principalmente com verbos do tipo “dar”. Conforme observa Armelin (2011), no PB, as preposições a e para são introdutoras desse tipo de dativo e, no dialeto da Zona da Mata Mineira (SCHER, 1996), é apenas nesse contexto que a preposição pode ser apagada, conforme (12).

(12) Dativo Obrigatório a. Onoque pegô, vendeu prum Tezim que tem ni Pranalto, né? Agora Tezim mora lá, mas labuta aqui (CZ-12)

84 Concebe-se aqui a noção de gramaticalização quando uma forma mais lexical se torna mais funcional, na

b. Não, eu vendi pro próprio cara criá, poque...eu achei negóço...só comecei criá e vendi [Ø-DAT] logo também. (CZ-03)

c. Chegô aqui q'eu entreguei a Miguel que é... é Miguel que é funerário que abre a seputura ININT dexô a guia... aí foi qu’ele marcô lá... quano foi oiá foi poro... foi poromonia. (RC-06)

d. tá chamano, que veio, ele entregou [Ø] Pequeno chave, coreu e ficou aí ói... deitado (HV-CONTROLE-R)

No grupo dos dativos não obrigatórios85, por outro lado, não podem ser recuperados quando não se verifica uma realização fonológica no discurso do falante, haja vista que não são previstos pela configuração estrutural do verbo. Esse tipo de construção ocorre com verbos do tipo faciendi, como no exemplo em (13), e, conforme apontam os estudos de Lucchesi e Mello (2009), Mello (2013) e Baxter, Mello e Santana (2014), ocorrem categoricamente com a preposição para. A esse tipo de dativo preposicionado, Campos (1999) chama de dativo de

interesse, porque, ainda que não sejam previstos pela configuração semântica do predicador

verbal, expressam a pessoa que é beneficiada ou prejudicada pelo evento descrito pelo predicador verbal. Na análise dos contextos em variação, os dativos não obrigatórios não foram incluídos.

(13) Dativo não obrigatório DOC1: Pisá o café?

INF: ININT Vô pisá agora? O quê Mariinha? CIRC: Vai pisá?

INF: Vô pisá um poquinho, qu’eu tenho que fazê café pas

menina que disse que qué bebê esse café que é... café bom.

(SP-07)

Os estudos de Armelin (2011) sobre as construções dativas no PB mostram que a obrigatoriedade ou não obrigatoriedade dos dativos é um fator determinante na escolha do falante em relação à preposição, se a ou se para. Por exemplo, nem todas as preposições para de dativo obrigatório apresentaram-se em contexto de variação, como o caso daquelas que

introduzem dativo inanimado, em verbos de movimento concreto – nos termos de Berlinck (1996): “não é fácil de ser substituído por clítico e possui valor claro de locativo”, como em (14).

(14) Verbo de movimento concreto com dativo inanimado

Levei...assim...ela me mordeu, no mesmo dia me levaro pra Valença (SP-03)

Por fim, destaco que são retiradas da análise de covariação estrita as ocorrências em contextos tanto de verbos de movimento físico, como levar, trazer, conduzir, etc., e quanto de verbos faciendi, como fazer X para Y, construir X para Y, por serem contextos categóricos em relação à presença da preposição para nesses contextos, como se vê nos exemplos em (15) e (16), respectivamente. No entanto, essas ocorrências servem também à análise que investiga os contextos que serviram como base para a entrada da preposição como introdutora de dativos.

(15) para-DAT em contextos de

verbos de movimento concreto

Trôxe caju pa mim. (HV-19) Trôxe caju *a mim

(16) para-DAT em contextos de

verbos faciendi

Que tudo também eu fazia pra ela (RC-11) Que tudo também eu fazia *a ela

Porém, a fim de verificar os contextos linguísticos favoráveis à ocorrência da preposição

para, eventualmente, incluo as ocorrências de dativos introduzidas categoricamente por essa

preposição, buscando investigar em qual tipo semântico observa-se maior frequência dessa preposição, tendo em vista a hipótese de Oliveira (2003), como exemplo em (17), que aponta as construções ditransitivas com sentença infinitiva e valor de finalidade como contexto sintático favorável ao uso da preposição para em dativos no PB.

(17) {V DP [PARAFINAL [IP (DP) V]]} a. eu pedi a eles assim: pra semana que cê fô, você vai... vai falá po... po médico dá um atestado pa você encostá, pa ficá me aguentano sem trabaiá. Porque ele trabaia de

enxada e ele num guenta trabaiá por causa das perna (SP-05)

b. É... quem colocô ela no hospital foi eu. Coloquei até o dia que o médico falô pra ela

vim embora

A seguir, descrevo e exemplifico as ocorrências que foram excluídas da descrição e análise dos dados de preposições dativas.