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5.2 VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS

5.2.2 Distribuição das preposições dativas e a estrutura do VP

Nesta seção, trato da variável dependente segundo essas construções, inclusive as duas principais construções dativas que compõem o fenômeno de alternância dativa existente nas línguas: a COD conforme em (09), e a CDP, conforme em (10).

Devido ao fato de que a presente pesquisa tenha por objeto as estratégias de introdução do dativo, codificaram-se também ocorrências que considerassem a forma de realização do OD, a fim de se verificar se a não realização fonética ou mesmo sua configuração sintática, se pronominal, nominal ou sentença, interfere na ausência/presença da preposição dativa, a saber: a) V OD93 DAT; b) V DAT OD c) V (ACCNULO) DAT (OD94NULO); d) V DAT ODsentença, conforme tabela 5, a seguir. Dada a premissa discutida em Lucchesi (2001) e o fato de Lucchesi e Mello (2009) terem encontrado um número considerável de ocorrências de COD, espera-se que haja uma frequência maior de dativos sem preposição em estruturas como em (09), e por representar a estrutura padrão CDP, maior frequência de para e a na configuração V OD DAT, como em (10).

Considerando as três rodadas binominais de cada variante em relação às demais, o programa estatístico selecionou a variável estrutura do VP como significativa em todas as rodadas. Na descrição da variável, coloco na Tabela 5 tanto os valores de frequência quanto de peso relativo.

93 ACC – Accusative / acusativo.

94 Para Larson (1988), se a estrutura é uma COD, a posição do DAT em relação ao ACC é a mais alta, logo, este

pode se ligar a uma anáfora ou a um pronome possessivo anafórico no ACC mais baixo; se é uma CDP, o DAT não pode se ligar a uma anáfora dentro de ACC, porque este não pode servir como referente para anáfora, dado que está hierarquicamente em uma posição mais baixa. Assim, por não ser realizado foneticamente, muito menos por não haver a possibilidade se realizar testes de gramaticalização de c-comando assimétrico, nos termos de Larson (1988), com os falantes da comunidade, a representação da estrutura sintática do VP nesta tabela prevê ambas as posições do OD nulo na sentença.

Tabela 5 – As estratégias de introdução do dativo e a configuração sintática da estrutura do VP 95

Ø-DAT a-DAT para-DAT

Ocor. % Peso relativo Ocor. % Peso relativo Ocor. % Peso relativo V OD DAT 5/72 6,9% 0.264 10/72 13,9% 0.577 57/72 79,2% 0.656 V (ACCNULO) DAT (ACCNULO) 43/198 21,7% 0.517 23/198 11,6% 0.433 132/198 66,7% 0.554

V DAT OD 16/23 69,6% 0.840 2/23 8,7% 0.822 5/23 21,7% 0.168 V DAT OD SENTENÇA 7/21 33,3% 0.743 11/21 52,4% 0.767 3/21 14,3% 0.077 Total 71/314 22,6% 46/314 14,6% 197/314 62,7% Input 0.134 0.092 0.656 Log likelihood -116435 -101255 -147866 Significance 0.024 0.032 0.043

Fonte: Elaboração Própria

Na Tabela 5, a partir da leitura horizontal das frequências, observa-se que as ocorrências em que o dativo preposicionado está posposto ao OD (09) são mais recorrentes quando o dativo é introduzido pela variante dependente para, isto é, quando o dativo é a parte preposicionada da configuração padrão da CDP, a frequência corresponde a 79,2% dos dados em relação ao total de 62,7%. Na configuração em que o dativo está adjacente ao verbo e o OD está nulo (10), a preposição para é também mais frequente nesse contexto, com 66,7% dos casos.

(09) V OD DAT pá me ajudá, porque...eu num podia trabaiá mais minha mãe, aí foi, [dei [a roça] [a ela]], ela tá ajudano... (RC-21)

(10) V (ODNULO) DAT (ODNULO) Desse modo, dero de [V vendê [ACCNULO] [DAT

nós] [ACCNULO]] e nós fomo

bataiano...bataiano...bataiano, anté...e o resto cê tá ajudano nós... (CZ-12)

Em análise vertical, na Tabela 5, com base nos valores estatísticos: input 0.641, Log

likelihood -164.840 e significance 0.042, os valores de peso relativo demonstram que as

configurações sintáticas V OD DAT e V (ACCNULO) DAT (ACCNULO) favorecem principalmente a

95 Para a elaboração dessa tabela, foram reunidos os resultados de diversas rodadas em única tabela, da seguinte

realização da preposição para, com o peso relativo de 0.656 e de 0.554, respectivamente. Isso mostra que, em comparação à configuração da COD, a configuração com o OD nulo não é resistente ao uso do para como introdutor de dativos, desfavorecendo, inclusive, a configuração padrão CDP, com peso relativo de 0.168.

No sentido oposto aos contextos de favorecimento da variante para, o comportamento das variantes a e Ø parece ter contextos bastante definidos nas configurações cujo dativo está posicionado adjacente ao verbo:

i) na configuração padrão da COD, V DAT OD, cujo OD é um DP lexical (pronominal ou nominal) (11), a variante mais frequente é o Ø-DAT, com 69,6% dos casos em relação ao total de 22,6% de dativos sem preposição;

ii) Inversamente ao resultado da análise de frequência da variante nula, a variante a- DAT ocorre sobretudo quando o dativo se realiza em estruturas com ordem V DAT OD SENTENÇA (12), apresentando-se com frequência de 52,4% das ocorrências em relação ao total de 14,6% dos dados com preposição a.

(11) V DAT OD a. A gente foi [V pedino [DAT a Deus] [OD a proteção de Santa Luzia]] e... nesse dia reuniu (CZ-07)

b. Quande chegô na hora, [V deu [DAT o japonês] [OD vinte mil]] e, não, não, não! (HV-20)

(12) V DAT ODsentença Mah, eu num [V tô dizeno [DAT a você] [OD sentença que meu

sofrimento é grande?] (CZ-10)

Em leitura vertical, notam-se algumas diferenças concernentes ao favorecimento dos fatores linguísticos. Com os valores estatísticos fornecidos pelo programa: input 0.134, Log

likelihood -116.435 e significance 0.024, os resultados demonstram que a configuração sintática

V DAT OD favorece a variante dependente Ø-DAT em relação às demais variantes, com peso relativo de 0.840, seguida da configuração sintática V DAT OD SENTENÇA, com peso relativo de 0.743. Além disso, com base nos valores estatísticos: input 0.092, Log likelihood -101.255, e

significance 0.032, nota-se que os valores de peso relativo dos fatores que favorecem a variante a-DP são os mesmos da variante dependente Ø, com peso relativo de 0.822 em construções

com a configuração V DAT OD, e peso relativo de 0.767 em construções com a configuração V DAT OD SENTENÇA.

Ao observar a descrição da Tabela 5, verifica-se a confirmação da hipótese de que o apagamento da preposição seria principalmente condicionado pela configuração V DAT OD. O resultado dos dados foi além do esperado, visto que as duas estruturas que contém os dois complementos realizados fonologicamente, V DAT OD e V DAT OD SENTENÇA, apresentam o dativo sem preposição em posição sintática adjacente ao predicador, ou seja, ambas as configurações exibem a estrutura COD. Além disso, a configuração V OD DAT é o fator que mais favorece a preposição para, porém, por outro lado, essa preposição ocorre também quando o complemento acusativo está nulo na sentença.

A respeito da realização da preposição a, contrário à hipótese inicial, esta aparece nos mesmos contextos da variante Ø, de modo que esse comportamento pode ser um indicador de que a variante da língua alvo da norma culta resiste em contextos sintáticos prototípicos das construções dativas, com ambos os complementos realizados, que permite a alternância entre uma posição adjacente ao núcleo verbal e uma posposta ao complemento acusativo e também o apagamento da preposição. Essa proposição explica também o contexto linguístico que favorece o apagamento da preposição. De acordo com Lucchesi e Mello (2009), a ocorrência de dativo como DP é resultado do processo de reestruturação gramatical por qual essas comunidades passaram no decorrer do contato entre línguas. Assim, acrescento a essa afirmação dos autores a hipótese de que esse apagamento da preposição dativa ocorre, sobretudo, dentre os mais velhos, em decorrência de uma reconfiguração sintática da construção aplicativa já existente na variedade europeia (PYLKKÄNEN, 2002; TORRES MORAIS, 2007), em que a preposição a é expressão morfológica de caso estrutural. Essa hipótese torna o fenômeno do apagamento em posição adjacente uma consequência da influência estrutural do substrato africano, nos termos de Baxter, Mello e Santana (2014). A hipótese que proponho aqui reforçada a partir do fato de haver preferência do uso da preposição para quando o complemento acusativo está nulo na sentença, haja vista que a não obrigatoriedade da realização de ambos os complementos, devido à expansão do complemento acusativo nulo no PB, inclusive na variedade afro-brasileira (CYRINO, 1997; FIGUEIREDO, 2004; 2009), é evidência sintática da queda das construções aplicativas dativas (PYLKKÄNEN, 2002; TORRES MORAIS, 2007) no PB afro-brasileiro e, consequentemente, a inserção do para como variante inovadora em contextos dativos.

Além disso, o presente resultado corrobora a análise dos dados de Baxter, Mello e Santana (2014, p. 297), os quais observam que a variante para predomina em todo o corpus afro-brasileiro e mostram que a não realização da preposição ocorre evidentemente na configuração V DAT OD. Os autores ainda comentam que essa preferência do falante em

apagar a preposição em posição adjacente ao verbo é semelhante ao que ocorre nas línguas niger-congo, em que a posição sintática adjacente ao verbo é mais frequente com os dativos com traço [+humano] sem preposição, posição em que recebe Caso diretamente do complemento dativo. Na presente análise a respeito do contexto de covariação estrita, não é possível afirmar que o traço [±humano] favorece ou não a posição adjacente, porque o traço corresponde a 81% das ocorrências levantadas. Apesar disso, é possível verificar os contextos de resistência da preposição a e expansão da preposição para. Diante desse cenário, evidencia- se nas comunidades rurais em análise o fenômeno de alternância dativa, que, segundo a hipótese de Lucchesi (2001), é consequência de uma atualização das construções dativas, a partir de um processo de reconstrução gramatical devido ao contato linguístico. Sobre isso, Cavalcante e Barros (2012) chamam atenção ao fato de que a alternância dativa nos moldes do inglês somente é possível ser verificada no dialeto de Helvécia-BA, por ser a única dentre as demais a não apresentar ocorrências de dativo sem preposição na configuração V OD DAT, sendo, por conseguinte, a omissão da preposição decorrente de um processo alternativo de atribuição de caso sintático.

Por fim, concluo a seção, estabelecendo três generalizações importantes para esta análise:

i) considerando-se a hipótese de que o processo de mudança da preposição introdutora de dativo teria iniciado a partir da queda do uso da preposição a, e o surgimento da variante Ø, dentre as configurações da estrutura do VP, é aspecto potencializador do apagamento da preposição adjacência ao verbo, uma vez que é o traço comum e que prevalece em todas as configurações em que a variante Ø- DAT ocorre96;

ii) a hipótese de que a preposição para teria iniciado o processo de expansão funcional em contextos dativos de verbos dinâmicos de transferência e de movimento, a partir de contextos sintáticos semelhantes, como a estrutura de verbos faciendi e sentenças com para final, por exemplo, é reforçada com base

96 Ao ser comparada com a variante a, os resultados obtidos através do programa estatístico demonstram que, em

termos de contexto sintático, o fator V DAT ACC foi mais favorável no que tange à queda da preposição em contextos dativos. Com base nos valores estatísticos input 0.628, Log likelihood -49.412 e significance 0.007, a rodada de a em função de Ø obteve o seguinte resultado: fator V ACC DAT apresenta peso relativo de 0.072; V (ACCNULO) DAT (ACCNULO), 0.598; V DAT ACC, 0.631; e V DAT ACC SENTENÇA, 0.537.

nos resultados obtidos na Tabela 5, dado que seu principal fator condicionante é a configuração sintática V OD DAT97;

iii) levando em conta o resultado observado em relação à variável tipo semântico de

verbo e, além disso, o favorecimento da preposição a em relação ao fator V DAT

OD SENTENÇA, atesta-se que os contextos de resistência da variante a-DP é claramente aqueles que envolvem verbos discendi, cuja ideia é de transferência de uma noção abstrata, geralmente, sintaticamente representada por uma sentença

pesada98.