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As limitações do pensamento de Marx e o resgate do pensamento marxiano, por Lyra

2.1 O PENSAMENTO DE ROBERTO LYRA FILHO

2.1.4 As limitações do pensamento de Marx e o resgate do pensamento marxiano, por Lyra

Lyra Filho age da forma acima enunciada, ou seja, de forma crítica com a negativa, em determinados momentos, de atribuição de um papel revolucionário ao direito, por parte de Marx, reconhecendo, portanto, algumas limitações do trabalho desenvolvido pelo filósofo alemão, porque o impulso crítico da dialética de Marx é aplicado aos limites da própria obra do filósofo germano. Nesse contexto, Lyra Filho adota o pensamento marxiano também de maneira dialética e, no mesmo viés, opta por conjugar o pensamento de Marx ao de Hegel, pois Lyra Filho percebia essas limitações do pensamento do primeiro, porém considerava que o pensamento do último, em especial as suas considerações sobre a dialética, poderia oferecer uma saída a essas limitações, principalmente uma saída ao limite imposto ao papel revolucionário social que o direito poderia exercer em uma comunidade. Nesse ínterim, Lyra

Filho, imbuído de sua crítica e da negação a todo e qualquer tipo de apropriação, segundo ele, dogmática de Marx, resgatou alguns pressupostos da dialética hegeliana.

A tarefa de juntar esses dois filósofos, em muitos círculos intelectuais – os mais dogmáticos, “vinculados à experiência histórica que se seguiu a revolução bolchevique” (KOPITTKE, 2010, p. 19), na perspectiva de Lyra Filho –, é considerada proibida. Porém, por reconhecer os limites tanto de um pensamento quanto o de outro, Lyra Filho julgava-se apto a realizar essa associação e, assim, oferecer subsídios práticos a que uma verdadeira revolução social pudesse ganhar corpo.

Não cuido de “hegelianizar” Marx, nem de fazer revisão profunda, global e intrínseca da dialética marxista. Não haveria razão para reconduzir totalmente Marx ao modelo de Hegel nem aqui existe o necessário espaço para ajustar contas com a dialética marxista. Em princípio, caberia repensar tanto uma, quanto outra, sem que exista a obrigação de negar toda alternativa (mantida a dialética) e de ser um neo- hegelino idealista ou um neomarxiano de materialismo bitolado (LYRA FILHO, 1983b, p. 61).

Lyra Filho afirma que, por mais que Marx e Engels não tivessem abordado, de maneira sistemática, a questão jurídica (LYRA FILHO, 1983b, p. 12),12 assim como sistematizaram

conceitos fundamentais sobre economia e desenvolvimento histórico, seria possível, resgatando o conceito de dialética hegeliana, aprofundar o próprio pensamento de Marx sobre o direito. É diante disto que Lyra Filho, muito embora possua um trabalho destinado a análise da sociedade sob as lentes do pensamento marxiano, não se definia como marxista. Ou seja, por fundir aos domínios do marxismo outros domínios filosóficos, como o hegeliano, Lyra Filho define-se como não marxista (KOPITTKE, 2010, p. 41), mas adepto a um marxismo sem dogmas: “Diremos finalmente, a marxistas e antimarxistas que a Nair não é nem uma coisa nem outra, mas simplesmente não marxista, embora não incompatível com um ‘marxismo’ sem dogmas; e que renda a Marx um tributo equilibrado – o único, afinal que exigiu em sua obra” (LYRA FILHO, 1983a, p. 37). Assim, era que Lyra Filho buscava superar Marx, ou, no mínimo, superar os limites da obra de Marx.

A recomendação de Lyra Filho para a leitura e o estudo da teoria marxiana é o de utilizá- la como um guia de leitura, e não como um entendimento inflexível. A obra de Marx, ainda, não deveria ser vista como uma teoria completa da história, pois que possui suas limitações, nem como algo absoluto ou mesmo como “a oitava maravilha do mundo” (LYRA FILHO, 1983a, p. 38-39).

12 Não se acha em Marx uma teoria ou doutrina do Direito. Há sim, enunciados (...) concernentes ao Direito, mas

não existe meio de reduzi-los à unidade e muitos menos de considerar a soma deles uma doutrina constituída, dispensando integração e necessitando apenas explicitação e repetição ortodoxa (LYRA FILHO, 1983b, p. 12).

No contexto da guerra fria, qualquer leitura crítica das obras de Marx era considerada traição ao Estado soviético. Portanto, o acréscimo da influência da dialética hegeliana seria também considerado traição a uma pretensa leitura rigorosa da obra de Marx. O pensamento de Marx era, assim, envolto em nuvens de um fanatismo quase religioso, no qual se apregoava um núcleo invariável do pensamento marxiano (KOPITTKE, 2010, p. 23). Esse tipo de posicionamento, todavia, constituía uma simplificação do pensamento de Marx e uma negação de suas premissas dialéticas.

Reduzir a isto os problemas da ciência e da filosofia ou achar que nisso se contém, virtualmente, as soluções de toda questão cosmológica, ontológica, gnosiológica, axiológica, epistemológica, ética, estética, jurídica, política, econômica ou que mais perguntas vem atenazando o espírito humano, há tantos séculos; e que basta achar e aplicar ao assunto focalizado o texto marxiano corresponde, com adaptação mais ou menos forçadas – pode ser exemplo de fervor comovente, porém, escapa ao bom senso e desanda em fanatismo, em mística deslocada ou até mesmo em uma e simples simplificação, além de contrariar as premissas e fundamentos dialéticos do próprio marxismo (LYRA FILHO, 1983a, p. 25).

Se durante o seu período de produção e maturação Marx promoveu uma constante revisão de si mesmo, então caberia continuar essa revisão. Esse constante revisionismo constituía, segundo Lyra Filho, o fundamento da dialética. Desse modo, Lyra Filho acreditava ser autorizado a si promover acréscimos à obra de Marx ao conjugá-la com a de outros filósofos e a realidade brasileira social e jurídica.

Marx e Engels foram os constantes “revisionistas” de si mesmos. Prestamos homenagem maior, e até mais fiel, ao gênio marxiano retomando o itinerário, não porque sejamos mais inteligentes do que Marx, e sim porque estamos um século adiante (LYRA FILHO, 1983b, p. 9).

Segundo Kopittke (2010, p. 23) existiam duas tendências ideológicas no pensamento marxista. A primeira, derivada do período clássico do marxismo, é influenciada pela produção teórica de Stuchka e Pachukanis. Nela se definia o direito como uma derivação do modo de produção burguês, logo o socialismo seria não apenas a superação do direito burguês, mas a superação de todo o direito. Essa vertente, portanto, localizava o direito somente na superestrutura do fenômeno social. A segunda corrente ideológica, constante do período sovietista-stalinista, influenciada pela produção teórica de Vychinski, Golunski e Strogovitck, definia a vontade do Estado socialista soviético como o exato reflexo da vontade da massa proletária.

Sobre ambos os grupos delineados por Kopittke, Lyra Filho (1983b, p. 10) devotou a pecha de serem discípulos imaturos de Marx, de serem fanáticos seguidores, entre outras coisas:

(...) criar um mecanismo angusto, no tratado do Direito, reduzido a epifenômeno superestrutural, com sua posterior elaboração, principalmente sob o ponto de vista de leis (estatais) e mores da classe dominante” e relembra a crítica que Engels fazia a Barth e outros “que liam mal a teoria materialista da história como se

fosse um positivismo, de modelo economicista, e concluía: “o que falta a todos esses senhores é a dialética”. Para eles, é como se Hegel não houvesse existido e acabam formulando conceitos de “razão pura”, dita “científica” (LYRA FILHO, 1983b, p. 14).

Por saber que na obra de Marx não existia uma doutrina sistematizada do direito é que Lyra Filho tomará dois posicionamentos. O primeiro deles é, por saber que a obra de Marx, no que tange ao direito, é um sistema inacabado, o que, por sua vez, impossibilita a dedução de muitos conceitos, tomar a obra de Marx em todo o seu conjunto, sem dividi-la em fases, o que o levará não a uma reflexão sobre Marx, mas sim a refletir com Marx. A segunda atitude é justamente complementar, devido a esse inacabamento, a leitura de Marx com a de Hegel, resgatando alguns pressupostos do hegelianismo, principalmente da dialética.

Lyra Filho não somente faz essa junção, como via cintilações no próprio Marx dessas junções, confirmando, assim, a necessidade de um diálogo com Hegel. “É em Marx que a verdadeira e própria teoria dialética do Direito ainda informe, porém já denunciada, em muitas cintilações preciosas do diálogo com Hegel” (LYRA FILHO, 1983b, p. 28-29). Portanto, pode- se concluir que Lyra Filho reconhecia a importância de Marx, mas prezava por uma interpretação do marxismo.