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4.2 ESTRATÉGIAS NO AUDITÓRIO ITINERANTE

4.2.4 As manifestações a um ouvinte imaginado

A estrutura do programa é concebida através da pressuposição de um receptor. A estratégia de imaginar o ouvinte no auditório e em casa para adaptar às práticas no programa, vem ao encontro do discurso planejado pelo apresentador. A diversidade de práticas comunicativas são adequações do programa às diferentes temporalidades dos ouvintes que estão inseridos no auditório ou em outros ambientes. De acordo com Salomão, (2003) “o receptor pressuposto é uma projeção, uma idealização do campo da oferta em relação ao destinatário da informação”.250 Para Itor Rosa “o ouvinte tem que se sentir satisfeito com a minha voz, com as músicas que aqui tocam. Ele tem que sentir que faz parte do programa, apesar de estar do outro lado do aparelho”.251

O discurso para descrever o que transcorre no auditório montado sofre uma série modificações no decorrer do programa, conforme o feedback que o apresentador tem do público no auditório itinerante. O que se identifica é a clara intenção de tentar prender o ouvinte inserindo-o na fala do apresentador. Enquanto Itor Rosa desenvolve suas práticas discursivas, também analisa a platéia à sua frente. Ele procura captar qual o desejo do auditório, imprimindo um discurso animador e, sobretudo, que satisfaça o público. Quando da percepção de desânimo por parte das pessoas, Itor Rosa aciona as diferentes estratégias que possui para equilibrar a atenção. Ele introduz o sujeito que está no auditório em seu discurso, através de comentários sobre sua vida. De acordo com Fausto Neto, “a noção de recepção é construída pelo campo emissor com base em certas referências que o primeiro recebe do segundo, mediante o jogo de envios e re-envios de signos situados sociodiscursivamente”.252

Não que necessariamente o apresentador conheça o cotidiano das pessoas com quem conversa no auditório, mas ele imagina o dia-a-dia de alguns componentes do público e fala sobre. Itor também faz o mesmo quando se refere a alguma atração ou à alguém que conhece e que, pressupõe estar ouvindo o programa.

250 SALOMÃO, 2003, p. 74.

251 ROSA, 2005. Entrevista realizada no dia 14 fev. 2006. 252 FAUSTO NETO, 1995, p. 198.

Alô pessoal do Bar do Tiririca. Pessoal que ta aí, jogando aquela canastrinha, acompanhado o programa Gente Nossa. Que beleza, hein. Tomando aquela cervejinha gelada do bar do Titirica. Oh Tiririca, guarda uma bem gelada pra depois, to sabendo que tu anda aprontando, é to sabendo, to sabendo menino. Um abraço pro pessoal do bar do Tiririca, que estão sempre ligados no Gente Nossa, este que é o programa dos amigos para os amigos.253

Em algumas oportunidades, o apresentador parece acertar a estratégia que lança, o que pode ser percebido pela mudança do comportamento da platéia. Para o apresentador, tanto o receptor urbano, dos bairros e vilas, quanto aquele do meio rural, quer ouvir música, rir um pouco e ganhar algum brinde. Desta forma, ele produz um discurso desencadeado a partir da pressuposição de estar agradando.

Itor tenta relacionar o programa com o ouvinte, contextualizando o seu cotidiano. O ouvinte em casa também precisa ficar sintonizado, atento.

Você que está em casa, acordou cedo hoje, trabalhou o dia inteiro, já encheu o saco de ficar em casa assistindo aqueles noticiários cheios de tragédia, vem pra cá! Arranca o seu marido daí, pega a monareta, vem com calma, tem tempo, o programa vai até às onze! Vem, engata a segundinha.254

Esta situação pode ser explicada a partir de Fausto Neto. Para o autor, “implica, fundamentalmente, interpelar o trabalho do receptor sobre o texto, com base no seu próprio lugar, a saber: naquilo que o enunciador supõe, implicitamente, ser o universo discursivo constituinte da recepção”!255

Ao idealizar o receptor, e inseri-lo em seu discurso, Itor Rosa define uma série de questões do campo social. As circunstâncias em que o apresentador está fazendo um jogo de adivinhações é uma estratégia para ganhar a simpatia do receptor, pois as situações narradas geralmente são engraçadas. Os estudos de Fausto Neto (1995), podem servir para explicar as estratégias desencadeadas pelo apresentador do Gente Nossa. O autor define como “contratos de leitura”, a existência de dispositivos que “[...] funcionam como espécie de ‘apanhamentos’, ‘assédios’, ‘capturas’ do receptor, feitos no âmbito e na especificidade dos discursos [...]”.256 Quando da narração do que acontece no auditório, o ouvinte que está escutando o programa no aparelho receptor de sua casa ou em qualquer outro ambiente passa a imaginar o que

253 ROSA, 2006. Programa apresentado no dia 27 de janeiro em Linha Cerro dos Bois, zona rural de Venâncio Aires -

RS.

254 ROSA, 2006. Programa apresentado no dia 20 de janeiro, no pavilhão São Sebastião Mártir, centro de

Venâncio Aires - RS.

255 FAUSTO NETO, 1995, p. 207. 256 Ibid., p. 199.

acontece ali, no contexto do programa, baseado na identificação de fatos que pôde reconhecer através do discurso do apresentador. Este processo pode ser explicado por Paiva. Segundo a autora:

Tornando possível uma identificação dos ouvintes com a mensagem veiculada, o rádio reconcilia a vida de cada dia com os grandes acontecimentos dignos de serem notificados. Essa similaridade, quase como um amálgama, que projeta no discurso escutado o vivido, suscita a imaginação e induz a adesão a esse mesmo discurso.257

Por fim, Itor Rosa consegue estruturar seu discurso num sentido que atenda o desejo do ouvinte. Ele se envolve num “[...] jogo discursivo, cuja característica é moldar o discurso com as referências do próprio receptor, este, por seu turno, se vê reconhecido, desde já, naquilo que lhe é enviado”.258 Trata-se de uma manobra da produção do programa, feita de maneira implícita, centralizada no discurso do apresentador, para prender a atenção do receptor.