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4.2 ESTRATÉGIAS NO AUDITÓRIO ITINERANTE

4.2.5 Do comportamento à maneira de se vestir: a personificação de um produto

Como se pode observar, a intenção de “vender” o programa como um instrumento de sociabilidade e entretenimento passa pela incessante atividade do apresentador. Do início ao final do programa, Itor Rosa explicita através de seu rosto, gestos com as mãos, o caminhar e mesmo através da fala, as suas manifestações de comportamento. Neste sentido, Flora Davis (1979) diz que “o próprio corpo, eventualmente, comunica. E não somente por intermédio do movimento ou da posição que assume. A própria forma do corpo pode ser uma mensagem e até mesmo a maneira como os traços do rosto se organizam”.259

Analisar a comunicação de Itor Rosa é considerar que se pode atribuir ao apresentador uma “estratégia bem clara de construção de efeitos de subjetividade no discurso”.260 Estes efeitos de subjetividade relacionam-se diretamente a um processo de personalização do apresentador, através do qual a intenção é causar simpatia com o ouvinte que está no auditório, e mesmo com aquele que ouve em casa.

257 PAIVA, 1995, p. 23.

258 FAUSTO NETO, op. cit., p. 207.

259 DAVIS, Flora, Comunicação não-verbal. São Paulo: Summus, 1979, p. 45.

260 BRITO, Yvana Carla Fechine de. Estratégias de personificação dos apresentadores do SPTV: uma abordagem

semiótica do problema. In: FAUSTO NETO, Antônio; HOHLFELDT, Antônio; PRADO, José Luiz Aidar; PORTO, Sérgio Dayrell. Práticas midiáticas e espaço público. Porto Alegre: EDIPUCRS: 2001. (Coleção Comunicação, 10. Compós; v. 1). p. 209.

Itor Rosa aparece, freqüentemente, aos olhos do auditório, muito mais como um eu individual do que propriamente um eu impessoal, apenas destinado à enunciação os fatos que ocorrem. “Este eu, destinador implícito da enunciação (fonte do discurso), só possui existência frente a um tu, destinatário implícito da enunciação (destino do discurso)”.261 Nos programas observados, o apresentador tece alguns comentários pontuais, propositadamente na primeira pessoa. Para iniciar o programa, ele diz de sua impressão pessoal, cobrando, num tom de conclamação, mais atitude do público. “Eu tô achando isso aqui tá muito parado minha gente. O Gente Nossa já começou. Vamos alegrar esta noite, minha gente. Eu quero um Boa Noite bem forte.! Não se esqueçam, minha gente, eu tratei de trazer uma atração especial esta noite. Os Três Xirús cantam no programa”!262

Itor Rosa parece saber explorar, de maneira consciente, expressões faciais valorizadas pelo cameraman que amplia suas “caretas” em planos fechados, mesclados com planos médios e abertos de imagem. Analisando o comportamento de Itor Rosa a partir de Davis, obtém-se a explicação de que “até certo ponto, o homem é capaz de controlar o rosto e de usá- lo para transmitir mensagens. Neste rosto também reflete seu caráter, já que as expressões habituais ali deixam seu traço”.263 O modo como utiliza seu próprio corpo, é notadamente, uma maneira de chamar a atenção. Seus gestos com os braços dão a impressão de querer levantar o público presente. Enquanto fala, ele costuma ficar com os braços à altura do abdômen, com se estivesse, o tempo todo, interpelando as pessoas à participação. Neste propósito, conforme o entendimento de Davis, “grande parte da gesticulação comum vincula- se, na verdade, ao discurso, como uma forma de ilustrar ou sublinhar o que se diz”.264

Quando do término das apresentações musicais, Itor costuma aplaudir e olhar para o público e, com um gesto facial, abrindo os olhos e baixando a cabeça, intenciona que todos sigam o seu exemplo, aplaudindo com morosidade e satisfação. De acordo com Davis, “a maioria das pessoas percebe a gesticulação alheia, mas, em geral, ignora-a, não lhe atribuindo nenhum sentido. Contudo, esses gestos comunicam. Às vezes, eles ajudam a esclarecer, quando a mensagem verbal não é muito clara”.265 Segundo a autora, sem os elementos não- verbais que compõem a comunicação humana, a troca de mensagens verbais não seria possível.

261 PORTO, 2001, p. 210.

262 ROSA, 2006. Programa apresentando no dia 20 de janeiro, no pavilhão São Sebastião Mártir, centro de

Venâncio Aires - RS.

263 DAVIS, 1979, p. 59. 264 Ibid., p. 83.

Itor Rosa, sem constrangimento, costuma descer do palco para caminhar em meio às pessoas, cumprimentá-las com um aperto de mão e até sentar no colo de senhoras idosas. Através do contato físico, Itor Rosa tenta se sentir mais à vontade entre a platéia e,ao mesmo tempo, deixar a platéia mais á vontade para interagir, para posterior incursão de diálogos com alguns que considera mais simpáticos à sua personalidade. Ele trata de afirmar constantemente sua posição de centralizador do discurso e que “dita as regras do jogo”. Ao ler os comerciais, enfatiza que é cliente dos patrocinadores e que em seu exemplo o ouvinte pode confiar. O movimento personifica o apresentador em manifestações de indignação ou mesmo de alegria, ou de relato de experiências. “Eu tô bôbo com o que tem de gente bonita aqui nesse pavilhão hoje à noite. Só o Gente Nossa consegue reunir tanta gente bonita num lugar, né. Oh que eu tava cansado de vê gente feia nesse programa” 266 ou “você já deu uma passadinha na Lietê Confecções. Se você ainda não passou, vê se passa logo, senão a promoção acaba, menino. A Lietê tá com uma promoção de dá gosto. Eu já passei lá e comprei aquela camisa, rapaz. Lá eu encontro as roupas pra toda a minha família. Minha esposa também compra na Lietê, é! Lietê Confecções, na Osvaldo Aranha, bem no centro da cidade”.267 Deste modo, através de comentários sobre a vida particular, é preciso admitir que, ao fazer uma referência direta a si próprio, ele evidencia ainda mais sua estratégia de personificação.

Quanto à sua aparência pessoal, a imagem traduz o próprio objetivo da identificação. Barrigudo e careca, Itor Rosa não se diferencia da maioria das pessoas, do sexo masculino, que comparecem no programa. É espalhafatoso e brincalhão. Outra tentativa de se parecer com o seu receptor é a forma de se vestir. Ele possui inúmeras camisas especialmente adquiridas para uso durante as apresentações. São extremamente coloridas, representando a intenção de instaurar simpatia e alegria. Quando da apresentação musical, Itor Rosa aproveita para trocar de camisa. Sua intenção é chamar a atenção, deixar as pessoas surpresas e não compreender como sua vestimenta mudou de cor de um minuto para outro. A intencionalidade do apresentador do Gente Nossa, pode ser analisada através de Castillo. Segundo o autor, “no hay gesto, vestido, color, que no este calculado en función del impacto

que puede producir en el receptor”.268

Neste sentido, o processo de personificação ainda pode ser observado quando da interpelação do apresentador a alguns integrantes do auditório e destes para o apresentador.

266 ROSA, 2006. Programa apresentado no dia 20 de janeiro, no pavilhão de São Sebastião Mártir, centro de

Venâncio Aires - RS.

Ibid.

Exemplo disso pode ser configurado quando de um comentário direcionado à atração musical na edição de 20 de janeiro deste ano.

Quero ouvir uma música bem bonita, agora! Afinal, o objetivo deste apresentador é trazer a alegria às comunidades que visita. O pessoal tá querendo animação né? Vocês também querem uma música bonita? O ouvinte em casa também tá esperando! Vamos lá gaiteiro que a gente está querendo uma bem bonita prá agitar o programa.269

Considerando o discurso com um todo, observa-se que este recurso é utilizado em grande parte das enunciações do apresentador, com frases que permitem uma natural identificação entre emissor e receptor. O auditório itinerante, a escolha do tipo de música tocada pelas atrações musicais, as brincadeiras e a distribuição de brindes, junto com o discurso radiofônico popular constituem a prática de personificação permanente do apresentador como um meio de persuadir o público do programa. O programa é uma idealização do apresentador, daí que todo o “retrato” do Gente Nossa é desenhado por ele.