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3. A VALORIZAÇÃO E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NAS

3.1 A relação entre a política de valorização e de precarização do trabalho

3.1.7 As mudanças do perfil de trabalho do professor

Sublinhamos que as políticas promovidas para o magistério a partir da década de 1990 atribuíram um novo perfil aos docentes “[...] para acompanhar os avanços tecnológicos e os desafios dos chamados ‘novos tempos’” (SHIROMA e EVANGELISTA, 2004, 529). O perfil do professor enquanto transmissor do conhecimento foi substituído pelo professor reflexivo, mediador do conhecimento, multifuncional ou polivalente, ou seja, aquele que realiza inúmeras funções que extrapolam a sala de aula.

Shiroma e Evangelista (2004) assinalam que o “novo” perfil docente deveria estar sintonizado com a “economia do conhecimento”, nesse sentido, tudo aquilo que constitui o “que-fazer” docente – métodos e conteúdos de ensino, fórmulas de avaliação, relações afetivas, ações em equipe, entre outros – teria de ser modificado. As autoras (2004, 527) afirmam: “[...] a aparência que se quer produzir é a da consecução do sucesso econômico do aluno por meio de uma escolarização de qualidade, a ser produzida por professores e gestores eficazes”.

O novo perfil docente, ao mesmo tempo em que restringe as condições de reflexão aprofundada sobre o próprio trabalho e sobre as múltiplas determinações que o circundam, sugere ser possível a solução de problemas como fome, violência, gravidez precoce, drogas, pobreza, desemprego, dentre outros, apenas por meio de novas práticas pedagógicas e administrativas. Nesse campo, difundem-se discursos apregoando que a solução de problemas deste tipo, bem como o alcance da eficácia da escola, adviria simplesmente de gestores competentes. Conforme assegura Lück (2009), defensora da gestão compartilhada no sentido mais amplo, envolvendo professores, alunos, funcionários e pais de alunos, um ambiente favorável ao trabalho educacional depende da forma com que a escola é gerida e, afirma ainda,

que uma estrutura de gestão debilitada contribui para a formação de pessoas indiferentes em relação à sociedade. A autora considera alarmante o apelo destrutivo dos jovens se envolvendo em arruaças, gangues e usando drogas, e interpreta que isso se daria pela falta de modelos e a escola seria a instituição que deveria oferecê-los. Nesse sentido, cabe lembrar Shiroma e Evangelista (2004) quando afirmam:

Nas reformas dos anos de 1990, no Brasil e em outros países, a denominada competência docente é instalada a extrapolar as fronteiras da sala-de-aula sem alçar vôo para além dos muros escolares. Nesse processo, de alargamento-restrição das atribuições docentes, verifica-se o fechamento do espectro político do professor que deve se preocupar apenas com o que diz respeito aos resultados de seu ensino e à sua atuação escolar, abstraindo-os das condições político-econômicas que os produzem, embora, contraditoriamente, essas mesmas condições abstraídas sejam chamadas para justificar as reforma de sua formação (SHIROMA, EVANGELISTA, 2004, p. 526, 527).

De nossa perspectiva, essa mudança é portadora de novas possibilidades de exploração, intensificação e precarização da categoria. E, uma vez que a categoria toma para si uma quantidade de responsabilidades que não condiz com a sua condição de cumpri-las, acontece o que Nóvoa (1999) considera como situações de dificuldade e de desvalorização social e profissional. Para o autor, os professores, ao se deixarem tentar pelo sobre-dimensionamento das suas funções, assumem como seu o discurso trazido por especialistas, intelectuais e políticos. Com isso, também assumem responsabilidades desmedidas, ambição que acaba por se virar contra eles. O autor adverte:

É evidente que nenhum grupo profissional pode ser indiferente à sua imagem pública. E esta estratégia procura valorizar socialmente o seu papel. Mas ela é particularmente perigosa e tem constituído um fator importante do mal-estar docente. A escola e os professores não podem colmatar41 a ausência de outras instâncias sociais e familiares no processo de educar as gerações mais novas. Ninguém pode carregar aos ombros missões tão vastas como aquelas que são cometidas aos professores e que eles próprios, por vezes, se atribuem. (NÓVOA, 1999, p. 7)

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O cumprimento de tantas obrigações exigiria, no mínimo, a oferta efetiva de condições estruturais, de tempo e de trabalho para o docente. Entretanto, na prática vem se manifestando a intensificação do trabalho, exemplo disso, a não remuneração do tempo a mais de trabalho, exigido do professor para tratar de tantas tarefas, revela a incoerência entre o discurso de valorização e as condições precárias de trabalho com a qual o docente convive cotidianamente.

A respeito de tais considerações, vale mencionar as afirmações de Oliveira (2008, p. 59):

O acréscimo de tarefas, projetos, atividades, disciplinas, conteúdos, carga horária e programas, o excessivo número de alunos em sala de aula – somados as várias turmas, os turnos e as escolas onde leciona o desgastam e exaurem suas energias. Os professores ficam, muitas vezes, impossibilitados de refletir sobre o sentido e o andamento de sua prática, o que provoca uma relação de alienação com o seu trabalho. Dessa forma, seu trabalho vai perdendo significado como atividade vital concreta – como satisfação da condição humana na sua capacidade de criação, planejamento e execução.

Uma vez que as novas determinações sobre as atividades e o emprego docente se configuram em variadas e concretas formas de precarização, pode-se dizer que as políticas de valorização que as instituíram, por um lado, revelam seus limites no sentido de contemplar os itens mínimos que compõem a pauta de luta das representações da categoria do magistério. Por outro, ao atender o ponto de vista do capital, tais políticas, apresentadas em forma de adorno, tão somente ordenaram as modificações que alteraram substancialmente este trabalho, desenhando sobre ele novas características de precariedade.