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3. A VALORIZAÇÃO E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NAS

3.1 A relação entre a política de valorização e de precarização do trabalho

3.1.6 O protagonismo do professor

Outro aspecto a ser apontado nos encaminhamentos das políticas educacionais dos anos de 1990 é o protagonismo dos professores, considerados como um dos principais responsáveis pelo êxito das reformas educativas.

Esse protagonismo decorre do fato de a educação, no atual contexto, passar a ser reconhecida como um fator de desenvolvimento econômico, de combate à pobreza, de promoção do desenvolvimento sustentável, de formação da nova cidadania, de reforço das condições de governabilidade e de promoção da paz mundial (DELORS, 1998). Como se percebe nos documentos, a exemplo dos citados na primeira seção, há interesse por parte dos governos e dos organismos multilaterais que os docentes passem a lidar de forma competente com intempéries dos mais diferentes tipos, ou seja, violência, controle de natalidade, drogadição, preconceitos, saúde, entre outros. Em relação a esse aspecto chama-nos a atenção para a seguinte afirmação da Comissão da UNESCO: “[...] quanto maiores forem as dificuldades que o aluno tiver de ultrapassar – pobreza, meio social difícil, doenças físicas – mais se exige do professor” (DELORS, 1998, p 158).

Assim, diante de tamanha responsabilidade não há como deixar de indagar: quais instrumentos esse trabalhador teria em mãos para lidar com tais dificuldades e responder às exigências a ele impostas? Ou, melhor, o professor teria esse poder de resolver os problemas sociais?

Sobre isso, Evangelista e Shiroma (2007, p. 533) argumentam, “[...] o campo docente não comporta uma ação dessa natureza e, ademais, de que a escola não é território destinado à solução de problemas de ordem econômica e social”. E, os encaminhamentos da política educacional, ao serem balizadas no ponto de vista do capital, desconsideram esta perspectiva e identificam, conforme está presente no próprio Relatório Delors (1998, p.159), o professor como apanágio dos problemas, nesse sentido, o professor: “Para ser eficaz terá de recorrer a competências pedagógicas muito diversas e a qualidades humanas como a autoridade, empatia, paciência e humildade” (DELORS, 1998, p. 159).

Analisando os documentos, consideramos que o protagonismo do professor assume dois sentidos antagônicos: um sinaliza para a pretensão de valorizar esse profissional, alegando a sua indiscutível importância para o sucesso educacional e, outro, no sentido cuidar para que este não apresente barreiras às políticas de reforma40.

Nesses termos, compreendemos ser o protagonismo dos professores um instrumento para torná-los interlocutores legítimos da aplicação das diretrizes educativas apontadas pelas reformas educacionais. Portanto, para além de uma pretensa valorização, esse pressuposto representa uma argumentação utilizada no sentido de ocupar o imaginário político, erigir consensos sociais e legitimar as mudanças propostas para a educação.

Nesse quadro, observa-se o protagonismo como importante instrumento de condução docente ao sobretrabalho. Segundo Evangelista e Shiroma (2007, p. 537), o sobretrabalho se expressa por meio de uma longa lista de situações que prenunciam o alargamento das suas funções:

[...] atender mais alunos na mesma classe, por vezes com necessidades especiais; exercer funções de psicólogo, assistente social e enfermeiro; participar nos mutirões escolares; participação em atividades com pais; atuar na elaboração do projeto político- pedagógico da escola; procurar controlar as situações de violência escolar; educar para o empreendedorismo, a paz e a diversidade; envolver-se na elaboração de estratégias para captação de recursos para a escola.

40 Segundo Evangelista e Shiroma (2007, p.536), “argumenta-se que o professor é corporativista,

obsessivo por reajustes, descomprometido com a educação dos pobres, um sujeito político do contra”.

Pelo exposto, vai se evidenciando que o delineamento de um novo perfil do professor, trazido pela reforma da educação a serviço do capital à qual esta categoria profissional vai se sujeitando, não tem a pretensão de prepará-lo para a formação do homem emancipado, mas, sim, habilitá-lo a preparar os sujeitos para melhor contribuir com o processo de valorização do modo de produção, valorização esta que tem como um dos pressupostos a exploração da classe trabalhadora, à qual os professores pertencem. Seguindo essa lógica, entendemos porque as políticas de valorização do magistério se expressam em forma de precarização das condições laborais desses trabalhadores, portanto, o caráter dessas políticas, embora aparente ser contraditório, é constituído por movimentos que se complementam.

Nesse movimento, o cumprimento das novas incumbências tem exigido do professor o domínio de novas práticas, novos saberes e a convivência com novas relações de emprego. No que se refere ao último aspecto, segundo Oliveira (2008), houve perdas de direito nos seguintes aspectos: aumento dos contratos temporários nas redes públicas de ensino, arrocho salarial, embates no piso salarial nacional, inadequação ou mesmo ausência de planos de cargos e salários, perda de garantias trabalhistas e previdenciárias. Desse modo, os programas de reforma “[...] expressam muito mais um discurso sobre a prática do que a própria realidade” (OLIVEIRA, 2008, p. 45).

Nos termos de Milani e Fiod (2008), os contratos temporários, amparados pela legislação, por colocarem os professores à mercê da solicitação das instituições educacionais e da dispensa de tempos em tempos, gera uma situação, a qual, além de impossibilitar a previsão de futuro, conduz esses profissionais a pertencer a um contingente de desempregados, de trabalhadores potenciais e, como tais, ora são atraídos, ora repelidos pelo mundo do trabalho, por consequência, compelidos a aceitar quaisquer condições de trabalho (MILANI;FIOD; 2008).

No estudo, feito por Gasparini, Barreto e Assunção (2005), a respeito dos afastamentos profissionais da educação básica do trabalho, por motivos de saúde, é possível identificar os fatores citados pelos professores como agravantes dos seus problemas: a quase inexistência de projetos de educação continuada que os capacite para enfrentar a “nova” demanda educacional; o elevado número de alunos por turmas; a infraestrutura física inadequada; a falta de trabalhos pedagógicos em equipe; o desinteresse da família em acompanhar a trajetória escolar de seus filhos;

a indisciplina cada vez maior; a desvalorização profissional e os baixos salários; as situações que fogem de seu controle e preparo; os sentimentos de desilusão e o desencantamento com a profissão. Essa exposição de motivos demonstra-nos que as atuais políticas educacionais não somente sobrecarregam os docentes retirando- lhes seus direitos, como também articulam condições facilitadoras ao seu adoecimento.

Assim, as novas relações de emprego e trabalho, oriundas também das políticas pretensamente voltadas à valorização do magistério, têm repercutido na saúde dos professores, tanto que pesquisas têm revelado a elevação no número de afastamentos desses profissionais da sala de aula devido ao stress, depressão, fadiga, síndrome do pânico. Essa situação é interpretada por Codo (1999), como efeitos não apenas da sobrecarga de trabalho, mas do sentimento de frustração ante a incapacidade de resolver o quadro de insatisfação da sociedade com a educação pública no país e:

[...] quanto maior a defasagem entre o trabalho, tal como prescrito nas reformas, e o real cotidiano escolar, maior vem a ser o esforço dos professores, a necessidade de elevado investimento cognitivo, emocional e, portanto, maior o seu sofrimento, principalmente pela falta de reconhecimento social (OLIVEIRA, 2008, p. 45,46).

Nessa perspectiva, as reformas vêm ocorrendo a um custo muito alto para os professores. As novas modalidades de contratação e as novas exigências de ensino, que acompanharam as alterações nas relações deste trabalho, fazem com que eles sofram “[...] diretamente as conseqüências de ter de realizar sob as condições mais adversas um trabalho de grande responsabilidade e muitas exigências técnicas e afetivas” (OLIVEIRA, 2002, p. 9).

Importante perceber que muitos dos fatores citados anteriormente estão entre os aspectos sobre os quais a OIT/UNESCO (2008) depositam atenção e incumbem as autoridades competentes de pensar soluções. Conforme propalado por essas agências, o exagerado número de alunos, o aumento excessivo do número de horas de trabalho dos professores, seria incompatível com as finalidades e objetivos da educação e prejudiciais aos alunos. Também é contemplada a proposta de criação de políticas e códigos de conduta para desenvolver a saúde física, psicossocial e emocional de professores (OIT/UNESCO, 2008).

Contudo, na pesquisa de Gasparini, Barreto e Assunção (2005), os professores mencionaram como fatores agravantes dos seus problemas de saúde justamente aqueles que a OIT/UNESCO (2008) recomendam tornar-se alvo de políticas. Assim, o que poderia se traduzir em efetiva valorização docente conforme reivindicado pela categoria, não tem ultrapassado o plano do discurso.