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3. A VALORIZAÇÃO E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NAS

3.1 A relação entre a política de valorização e de precarização do trabalho

3.1.5 A avaliação de desempenho

Outra questão de destaque nas reformas educativas dos anos de 1990 é a avaliação do desempenho escolar e a avaliação do professor, apresentados nos documentos internacionais como instrumentos primordiais para a melhoria da qualidade do ensino. Contudo, na prática a política de avaliação tem se traduzido em novas formas de controle, de responsabilização e de punição dos professores pelos resultados não alcançados no desempenho dos alunos.

Em estudo realizado por Balzano (2007, p. 25) para a UNESCO, dentre os objetivos do sistema de avaliação estaria o de “[...] elevar a qualidade da docência e, como corolário, do ensino-aprendizagem”. Para tanto, “[...] é necessário criar uma imagem construtiva da avaliação a favor do professor e de sua atuação profissional” (BALZANO, 2007, p. 25).

No que diz respeito à avaliação de desempenho docente, de acordo com a autora supracitada, os países que adotaram esse instrumento utilizam os resultados para: conceder (ou não) promoção horizontal associada a incremento salarial; aumentar (ou não) o salário; usar como critério para progressão vertical; acompanhar a vida funcional dos professores, cujos resultados negativos poderão determinar o afastamento da docência, ao ponto de desligar da função pública professores reprovados certo número de vezes. Quanto ao Brasil, a autora constata que a prevalência de um sistema de progressão exclusivamente no tempo de serviço, em detrimento da avaliação, “[...] traz prejuízo para a educação e para o próprio docente” (BALZANO, 2007, p. 26).

A autora assinala essa questão como um tema polêmico por envolver interesses divergentes e, especialmente, a resistência dos professores e de seus sindicatos. Essa resistência é justificável porque, dentre os propósitos apresentados para a adoção do sistema de avaliação externa de desempenho docente estaria, “[...] utilizar as informações colhidas para classificar ou selecionar docentes e decidir sobre sua vida profissional, com repercussão em seu salário, promoção, ou até definição de seu futuro como docente” (BALZANO, 2007, p. 23).

Entretanto, apesar das resistências, a cultura da avaliação vai redefinindo as formas de trabalho e as relações dos docentes com suas atividades cotidianas. Santos (2004) identifica nessas políticas públicas a criação de novos interesses e valores a partir da cultura do desempenho, ou seja, a busca incessante por resultados quantitativos, a competição e a maior responsabilização ou

accountability32, mediante a divulgação dos dados e prestação de contas.

Nesse sentido, o Estado, agora no papel de avaliador, torna-se cada vez mais vigilante e punitivo e, “[...] valendo-se de argumentos que atraem o interesse público

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Duarte (2010), reportando-se a Pessanha (2007), afirma que accountability está ligado ao controle externo, à responsabilização. A estudiosa aponta como três dimensões importantes da accountability: 1) transparência: divulgação de informações; 2) responsividade: obrigação formal e legal de prestar esclarecimentos e informações; 3) capacidade de sanção/coerção: capacidade formal e legal de quem exige as informações fazer valer essa exigência, por meio de penalidades e incentivos.

pelos seus apelos democráticos, esse tipo de Estado exerce sua função com a adesão de grandes setores da população” (SANTOS, 2004, p. 1151). Como assinala Oliveira (2008), mediante instrumentos elaborados fora do contexto escolar, o desempenho dos alunos passa a ser exaustivamente mensurado, aumentando a responsabilidade dos professores sobre seu êxito; assim esses profissionais têm de responder pelo que fazem, como fazem e para que fazem. Sob essa lógica vai sendo estruturada a cultura da performatividade, a qual

[...] vai sutilmente instilando nos professores uma atitude ou um comportamento em que eles vão assumindo toda a responsabilidade por todos os problemas ligados ao seu trabalho e vão se tornando pessoalmente comprometidos com o bem-estar das instituições (SANTOS, 2004, p. 1153).

Segundo Carvalho (2009, p. 1142), reportando-se a Sennett (2000), “[...] ao trabalhador é atribuída maior responsabilidade pela sua própria eficiência, produtividade ou permanência no trabalho – liberdade/autonomia para controlar seu próprio trabalho”. Assim, por meio dos sistemas de avaliação, vai se introduzindo o agenciamento e o engajamento gradativo desses trabalhadores ao novo modelo gerencial. Nele, o professor, ao ter suas responsabilidades aumentadas para produzir resultados, sujeita seu trabalho à intensificação e, como apontado acima, a docência se torna apenas um item da extensa lista de obrigações assumidas pelo professor contemporâneo.

Ao processo de avaliação do professor soma-se o processo de avaliação da educação, em pleno vigor no país. A educação básica conta com uma série de avaliações de desempenho do aluno que interferem direta ou indiretamente no trabalho docente: ENEM33, Censo escolar34, Prova Brasil e SAEB35, Provinha

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O Exame Nacional do Ensino Médio avalia o desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica (INEP, 2011).

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Levantamento de dados estatístico-educacionais de âmbito nacional realizado todos os anos com a participação de todas as escolas públicas e privadas do país (INEP, 2011).

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Sistema de Avaliação da Educação Básica, realizada a cada dois anos, quando são aplicadas provas de Língua Portuguesa e Matemática, além de questionários socioeconômicos aos alunos participantes e à comunidade escolar (INEP, 2011).

Brasil36, IDEB37, ENCCEJA38, PISA39, Prova Docente. Essa última, ainda em discussão, vem sendo considerada pelo MEC como uma iniciativa de valorização dos profissionais do magistério no país, como forma de contribuir para que a educação básica ganhe professores cada vez melhor qualificados e com melhores condições de exercer com excelência sua profissão. Entre as utilizações previstas dessa prova está a possibilidade de ela servir como requisito exigido nos editais de concursos públicos. Conforme os Artigos 1º e 2º, da Portaria Normativa n°14/2010, dentre os seus objetivos estão: a “[...] avaliação de conhecimentos, competências e habilidades para subsidiar a contratação de docentes para a educação básica no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”; “Oferecer um diagnóstico dos conhecimentos, competências e habilidades dos futuros professores para subsidiar as políticas públicas de formação continuada”; “Construir um indicador qualitativo que possa ser incorporado à avaliação de políticas públicas de formação inicial de docentes”.

Observa-se que o necessário monitoramento do progresso em direção à melhoria educacional, conforme indicado pelo PREAL, não só foi implantado no Brasil, por meio dos sistemas de avaliação da educação, como também, divulgados os seus resultados, estaria fortalecendo na sociedade a cultura da responsabilização dos professores.

No âmbito dessa política, as ações empregadas não só apresentam novas condições de exploração, conforme descrito anteriormente, mas também têm inserido no trabalho docente “[...] hábitos da produção privada, e de suas sensibilidades comerciais e “moral utilitária”” (BALL, 2004, p. 1105). Ancorados

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Avaliação diagnóstica do nível de alfabetização das crianças matriculadas no segundo ano de escolarização das escolas públicas brasileiras, acontece no início e no término do ano letivo (INEP, 2011).

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Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) - reúne num só indicador dois conceitos considerados básicos para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações (MEC, 2013).

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O Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), avaliação voluntária e gratuita visando aferir competências, habilidades e saberes adquiridos tanto no processo escolar quanto no extra-escolar (INEP, 2011).

39Programa Internacional de Avaliação de Alunos – é uma avaliação internacional que mede o nível educacional de jovens de 15 anos por meio de provas de Leitura, Matemática e Ciências, realizada a cada três anos pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com o objetivo de produzir indicadores que contribuiriam para a discussão da qualidade da educação básica e para subsidiar políticas nacionais de melhoria da educação (INEP, 2011).

nessa perspectiva, percebemos serem comuns nos discursos sobre o trabalho docente, exigências por responsabilidade, excelência, produtividade, melhorias, qualidade, eficiência, as quais se tornam atributos que fragilizam e reduzem o trabalho dos professores ao cumprimento de objetivos e metas.

As exigências de cumprimento de metas são, de certa forma, incorporadas pelos sistemas de avaliação e servem de parâmetros ao Estado avaliador. De acordo com Ball (2004, p. 1116), o Estado consegue estar presente monitorando sem parecer fazê-lo e, governando à distância, faz com que “[...] o trabalho com conhecimento das instituições educativas transforme-se em “resultados”, “níveis de desempenho”, “formas de qualidade”. Cabe observar que, quando não corresponde às metas estabelecidas, o professor acaba por estar entre os principais responsáveis pelo fracasso da educação e dos indivíduos.

Outra dimensão dos sistemas de avaliação é a distribuição de recursos financeiros para a educação. Oliveira e Melo (2009), ao analisar os sistemas nacionais de avaliação argentino e brasileiro, afirmam que os financiamentos educacionais estão de forma direta ou indireta a eles vinculados. Por conseguinte, no entendimento das autoras, somente medir resultados e mensurar desempenho tem se revelado estratégia insuficiente para melhorar a qualidade de ensino.

Ao desconsiderar as interdependências políticas, econômicas e sociais constituintes da organização da escola e do trabalho educativo, a publicidade dada aos resultados das avaliações tem servido, sobretudo, para responsabilizar socialmente os professores pelo insucesso escolar. Conforme Oliveira e Melo (2009), não é raro os professores se sentirem responsáveis e culpados pela falta de êxito de suas práticas e pelos maus resultados no ensino, quando, na realidade, as causas estão nas políticas adotadas pelos governos e, por que não dizer, na própria condição social dos sujeitos.

Nessa perspectiva se, de um lado, a implantação de sistemas de avaliação de desempenho educacional foi apresentada pelo Banco Mundial (1996) como importante fonte de informações para as ações docentes, de outro, sua operacionalidade ofereceu subsídios à sociedade para esta responsabilizar a categoria pelos baixos resultados, como também para precarizar as suas condições de trabalho, explicitando a relação entre os dois lados dessa política. Ball (2005) nos ajuda a compreender melhor esse mecanismo que se institui e determina novas condicionalidades sobre o processo de trabalho docente quando afirma que o

alargamento das necessidades, expectativas e indicadores educacionais, obriga os professores a prestarem contas continuamente e a serem constantemente avaliados, com isso eles se tornam inseguros por não saberem se estão fazendo o suficiente, fazendo a coisa certa, fazendo tanto quanto os outros, fazendo tão bem quanto os outros. Essa busca em atender a longa lista de exigências, além de acarretar o sobretrabalho, acaba por gerar o que Ball (2005) define como práticas inúteis ou mesmo danosas, a fim de satisfazer os requisitos de desempenho integrantes do âmbito das avaliações, comparações e incentivos relacionados com o rendimento, os indivíduos e as organizações.