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AS MUITAS FACES DA VIOLÊNCIA: A PRODUÇÃO HISTÓRICA DE VULNERABILIDADES

Historicamente, os castigos físicos cometidos contra o segmento infanto-juvenil eram compreendidos como formas culturalmente aprendidas e reafirmadas como estratégias de

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educação, para a formação do caráter, da coragem, da honra, do trabalho; na defesa e manutenção dos valores familiares. Em decorrência, os castigos eram tolerados no interior de uma sociedade agrária e patriarcal, cujas perspectivas e expectativas de vida se restringiam ao trabalho agrícola ou pastoril. (ARIÈS, 1978).

Leo Hubermann (1986), Edgard de Decca (2004), Maria S. Bresciani (2004) e Robert Castel (1999) oferecem-nos diversas evidências históricas em que trabalhar passa de condenação e condição de miserabilidade, apregoada pela Igreja Católica medieval, à condição moralizante e dignificante, na qual é a necessidade da disciplina. A elaç oà o à oàte poàdaà atu eza à se alterou dirigindo-se, sobremaneira, à disciplina do tempo útil nos afazeres cotidianos e, sobretudo, no sistema de fábrica.

Ao mesmo tempo há a condenação e criminalização de todo ócio e vadiagem. Assim, o discurso liberal dotará o trabalho de status moral, pois seu praticante se torna digno de respeito e reconhecimento social na medida em que contribui com a riqueza coletiva e passa a não depender da caridade privada ou do poder público para reprodução da sua força de trabalho.

Ao atribuir ao trabalho o caráter de atividade regeneradora, o discurso liberal revestiu-o do caráter policialesco. Na medida em que desempregados, batedores de carteiras, mendigos, migrantes, prostitutas e bêbados se proliferavam pelas ruas das cidades, trazendo insegurança urbana e comprometendo o desenvolvimento econômico, mais casas de trabalho eram criadas conjugando em suas atividades disciplinares educação, ensino religioso e aprendizado de ofícios. ássi ,à oà o t oleà efeti oà dasà de o i adasà populaç esà pe igosas à passa aà pelaà suaà i te aç oà o puls iaà essasà asas à ujoà o jeti oà maior era promover uma higiene social, antagônica às promessas do capitalismo. (CASTEL, 1999; BRESCIANI, 2004). Além desses aspectos, o trabalho também será dotado do elemento preventivo, e aqui reside umas das justificativas para o trabalho infanto-juvenil: ao impor aà is oà deà u do à liberal-burguesa sobre os filhos dos pobres o trabalho fabril preveni-los-ia do contato com os vícios e imoralidades das ruas das cidades, na medida em que estariam ocupados com a manutenção familiar.

Concomitante à prevenção da marginalidade, as exigências do ambiente da fábrica – pontualidade, destreza, produtividade, responsabilidade – se justificaram como sinônimo de atividade moralizadora aoà i t ojeta à um relógio moral no corpo deà adaà ho e (DECCA, 2004, p.15). A fo çaàdesseà el gio àseà i p s,àso e a ei a,àaosàt a alhado esàeàsuaàp ole.à

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Logo, aà fo çaà doà dis u soà daà e essidadeà doà t a alhoà p oduti oà dosà filhosà dosà po es , objetivando a sobrevivência do grupo familiar, legitimava as extensas jornadas diárias de trabalho nas fábricas, os ambientes insalubres, a imposição da disciplina, inclusive por meio de castigos físicos, e de uma rotina produtiva mecânica. Aliado às condições precárias de vida na cidade – habitação, alimentação, condições sanitárias – esse cenário potencializava a morte desses trabalhadores por doenças infecto-parasitárias, ameaçando, sobretudo, crianças e adolescentes. (DECCA, 2004; BRESCIANI, 2004).

Compreendendo as sociedades industriais como reprodutoras do capital por meio das relações sociais de produção, a exigência do trabalho da criança e do adolescente refletiu e reflete as contradições produzidas pelo modo de produção capitalista na medida em que marginalizou e marginaliza um grande contingente populacional do acesso aos frutos do desenvolvimento econômico.

Com o passar das décadas, os castigos físicos e sua vinculação com a educação foram sendo questionados em solo brasileiro: médicos, juristas, filantropos e organizações governamentais e não-governamentais, inspirados por ventos europeus e estadunidenses se olo a àaà e e àeàaàp opo à o asàfo asàdeàedu a àa uelesà ueàse ia à oàfutu oàdaà aç o ,à lhes promovendo outro tratamento.

Mas, como vimos anteriormente, a institucionalização e a legislação do século passado não chegaram às bases de uma sociedade cuja violência foi e tem sido sistematicamente reproduzida, sobretudo, sobre os mais pobres, e dentre esses, crianças e adolescentes. (MINAYO, 2006).

No rol das violências cometidas contra esse público duplamente vulnerável – geracional e socialmente – a literatura chama a atenção para os maus-tratos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), os maus-tratos cometidos contra esse segmento populacional podem ser praticados de diversas formas, dentre as quais: a omissão, a negligência, o abandono, a supressão ou a transgressão dos seus direitos previstos por lei ou por normas culturais. (FERREIRA et al., 2002).

Esse conjunto de violações de direitos ocupa um lugar de destaque seja nos noticiários da imprensa, na pauta de discussões dos formuladores de políticas públicas ou programas sociais e norteia as atividades de muitas organizações não-governamentais. Deste modo, muitos sãos os sujeitos sociais que, articulados em rede ou não, intervêm com vistas à

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prevenção aos maus-tratos. Como vimos anteriormente, o foco principal de ação desse conjunto de sujeitos será a família.

Historicamente, a família fora considerada como instituição responsável pela construção de um indivíduo adequado ao convívio em sociedade, ou seja, a concepção funcionalista considera que essa instituição deva ser alvo dos saberes científicos e das forças policiais a fim de que reproduza a ordem jurídico-moral da sociedade onde se encontra. É o denominado processo de socialização. (DURKHEIM, 1970; BERGER; LUCKMANN, 1978).

Sob esse aspecto, algumas formas de maus-tratos seriam entendidas como estratégias toleráveis, pela própria sociedade, pois o objetivo seria a construção de um indivíduo adaptado e adequado ao convívio social – socializado. Disso podemos supor que violência doméstica, aquela cometida no interior de um mesmo grupo familiar; do homem sobre a mulher e desses sobre crianças e adolescentes, muitas vezes é contida pelaà leiàdoà sil io , um código moral do ambiente doméstico calcado sobre o mito do homem provedor. (MINAYO, 2006; UDE, 2008).

Fato é que a violência doméstica é encontrada em todas as classes sociais, mas é mais percebida nas classes mais pobres devido a fatores demográficos (número de filhos), econômicos (baixos salários ou desemprego) e sociais (acesso a bens e serviços públicos). A literatura aponta que as pressões cotidianas pela sobrevivência terminam por estimular violências, entre as quais os maus-tratos contra crianças e adolescentes. (DESLANDES, 2009; FERREIRA et al., 2002). Há que se ressaltar que os integrantes de arranjos familiares em condições de vulnerabilidade sócio-econômica são os que mais demandam serviços públicos, o que os coloca em evidência nas percepções dos profissionais. (ARAGÃO et al., 2010)

Estamos diante de uma sociedade que reproduz cidadãos de segunda categoria, como afirma Serge Paugam (2003), pois numa realidade sócio-econômica que os vulnerabiliza, vislumbram-se algumas das causas da violência intrafamiliar ou doméstica. A tão propalada fa íliaàdesest utu ada à ueào upaàosàestudos, discursos e ações de vários segmentos sociais e profissionais, ainda inocenta de suas análises e intervenções uma estrutura socialmente violenta e marginalizadora. (MACHADO, s./d.; CASTRO; ABRAMOVAY, 2004; MINAYO, 2006).

O Guia de atuação frente a maus-tratos na infância e na adolescência, publicado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (2001), elaborado em parceria com o Centro Latino- Americano de Estudos de Violência e Saúde (CLAVES) e a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), expõe uma tipologia acerca das violências cometidas contra esse segmento social.

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O Guia apreende a conceituação elaborada por Suely Deslandes (1994) ao caracterizar os maus-tratos pela existência de indivíduos que estejam em condições de superioridade (etária, força física, posição social ou econômica, nível de inteligência e imposição de autoridade). Essa superioridade imposta produz danos físicos, psicológicos ou ainda sexuais na vítima, pois fora cometido sem ou com seu consentimento da criança/adolescente, e se fora conseguido, pode ter sido induzida ou ludibriada.

Segundo Minayo (2006), uma corrente explicativa da violência na área da saúde te àsidoàaà ueàsuste taàaà iol iaà o à esulta teàdeà e essidadesà iol gi as à p. .àU aà das explicações para o comportamento violento dos indivíduos é que esses seriam inerentes à natureza humana. Embora os comportamentos violentos possam carregar uma parcela genética, segundo a autora, não se pode omitir os determinantes culturais, aquilo que é aprendido socialmente ou ainda, como a subjetividade dos sujeitos fora construída no universo relacional. Considerando as colocações da autora, somos favoráveis à concepção exposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde (Portaria n.737, 16/05/2001). O documento da OMS expõe a violência como:

[...] o uso da força física ou do poder real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. (KRUG et al., 2002, p.5)

O documento brasileiro também expõe o caráter da intencionalidade, ou seja, a violência é um atoà e i e te e teà hu a o,à à u à fe e oà so eà oà ualà e iste responsabilidade dos sujeitos individuais e coletivos, uma vez que as ações violentas se realizam por meio das pessoas dentro deà suaà ultu a (MINAYO, 2006, p. 70). Ora, se a iol iaà a egaà o sigoàoàfu da e toà ultu alàdaà e essidade àeàdaà li e dade ,àa osà podem ser considerados como indicadores de que ela, a violência, é um fenômeno que pode ser alvo de investigação, análise, intervenção e, sobretudo, de superação histórico-dialética.

Ao mesmo tempo, essa conceituação da OMS revela, segundo Dahlberg e Krug (2006), que os sujeitos dispõem de diferentes graus de poder entre si, como exposto por Azevedo e Guerra (2000) e Deslandes (1994) relativamente aos maus-tratos. Desse modo, não apenas o uso da força física geraria situações de violência, haja vista não resultarem apenas danos físicos, mas também em danos psíquicos. Assim, ameaças e intimidação expõem outra face das relações de poder, cujo uso da força física está associado aos atos de

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omissão ou de negligência sobre quem depende de outrem para seus cuidados ou proteção. Para as autoras, incluem-seà a uià di e sosà tiposà deà a uso,à o oà oà físi o,à se ualà eà psicológico, bem como o suicídio e outros atos auto-inflingidos à eà i lui, ainda, i jú iaà psi ol gi a,àp i aç oàeàdese ol i e toàp e io .à DAHLBERG; KRUG, 2006, p. 1165).

Como se pode observar, as reflexões sobre a violência podem – e devem – ser pensadas para além dos cenários de guerra propriamente ditos ou das mortes anunciadas nas favelas quando ocupadas pelas forças policiais, pois produzem morte, invalidez ou ferimentos físicos. Em decorrência, as populações refugiadas ou os moradores de áreas de conflitos experimentariam uma redução histórica nos seus níveis de saúde. [...] Assim, definir as consequências somente em termos de ferimento ou morte limita a compreensão total da violência em indivíduos, nas comunidades e na sociedade em geral . (DAHLBERG; KRUG, 2006, p. 1165).

Os muitos contextos de precariedade e ausência de condições de existência podem ser considerados como violentos, ou seja, a combinação de aspectos biológicos e sociais o st ià pe so alidadesà eà su jeti idades,à i lusi eà asà ueà seà o side a à iole tas .à (MINAYO, 2006, p. 79). Desse modo, o debate sobre a violência adquire amplitude e complexidade se entendida como um processo dialético no qual estão presentes subjetividades, determinações sociais bem como escolhas por parte dos muitos sujeitos envolvidos.

O Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da OMS apresenta uma classificação das manifestações empíricas da violência (auto-inflingida, violência interpessoal e violência coletiva) e procura estabelecer uma relação dessas manifestações relativas à natureza da violência (física, sexual, psicológica e maus-tratos/negligência). (KRUG, 2002).

As violências auto-inflingidas se relacionam com os comportamentos de auto- extermínio e os auto-abusos. De um lado estão os pensamentos e as tentativas de auto- extermínio, por outro, as auto-agressões entendidas como automutilação. Segundo o mesmo Relatório, esse tipo de violência comporta três das quatro naturezas da violência: física, psicológica e maus-tratos/negligência. (DAHLBERG; KRUG, 2006).

As violências interpessoais se apresentam no viver em sociedade, moldam subjetividades, reproduzem estruturas de exploração, trazem impactos sob o sistema público de saúde, além, é claro, da perda de vidas. (MINAYO, 2006; 2009). A violência interpessoal pode ser compreendida como forma de relação e de comunicação entre

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sujeitosà deà di e sosà g uposà so iaisà ueà seà esta ele e à po à eioà daà p epot ia,à daà intimidação, discriminação, raiva e vingança [e que] costuma produzir danos morais, psicológicos, físicos, inclusive morte (MINAYO, 2009, p.34).

Segundo o Relatório da OMS, e como aludiu Minayo (2009), as violências interpessoais podem se desenvolver em dois âmbitos: intrafamiliar e comunitário. A primeira é a que ocorre entre os membros de um mesmo grupo familiar, íntimos entre si, que podem prescindir de consanguinidade, aqui chamamos a atenção para as violências no interior dos novos arranjos familiares e, sobretudo, em condições de vida vulnerabilizadas. Nesse cenário estão as agressões ou abusos contra crianças, idosos, contra a mulher ou homem, ou como assevera Walter Ude (2008 ,à àaà iol iaàdoà aisàfo te àso eàosà aisà f a os àdoàg upo,àouàseja,àalgu àouto gaàpa aàsiàoàdi eitoàdeài por suas vontades sobre os demais, um tipo de violência queàoàauto àde o i aà deàg e o ,à ua doàseà olta àso eàoà sexo feminino. Por exemplo, se o homem é o provedor econômico do grupo, tem o direito legítimo de abusar sexualmente dos mais fracos ou agredi-los fisicamente e contar com o silêncio destes. (MINAYO, 2009).

As violências comunitárias seriam as violações perpetradas por pessoas externas e conhecidas do núcleo ou arranjo familiar ou ainda, de sujeitos estranhos ao grupo familiar. A violência comunitária é tipicamente social e perpetrada de múltiplas maneiras contra diversos grupos ou indivíduos. No rol da violência comunitária estaria, como descreve Mi a oà ,à aà iol iaà i i al,à poisà estaà à p ati adaà po à eioà daà ag ess oà g a eà sà pessoas, por atentado à sua vida e aos seus bens e constitui objeto de prevenção e repressão por parte das forças de segurança pú li a à p. .àDe t eàasàfo asàdeà iol iaà criminal que afetam direta e indiretamente a comunidade estão a violência juvenil sob a forma de gangues; os ataques e as redes de exploração sexuais; o tráfico de drogas, armas e seres humanos, o trabalho infanto-juvenil, estariam nesse rol.

Outra forma de manifestação da violência é a que se desenvolve no âmbito institucional e que também traz impactos sobre a comunidade. Seriam as violências escolares, ueà es a oteia à iolaç esà deà di eitosà e à o eà daà o al à da escola; das instituições de acolhimento, que negligenciam cuidados de higiene ou afetivos; dos locais de trabalho, que restringem ou impedem a promoção profissional; das instituições de longa permanência, que impõem regras relativas ao uso da aposentadoria; das prisões e os regimes disciplinares; dos programas públicos de benefícios, cujo burocratismo dificulta o

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acesso aos benefícios públicos. Em resumo, a violência institucional reproduz lugares de exploração e de dominação por meio de regras, de processos burocráticos e de políticas. (MINAYO, 2006; 2009). Aqui estariam presentes as quatro naturezas da violência, classificadas por Krug (2002): física, sexual, psicológica e maus-tratos/negligência.

As violências coletivas se expressam nos âmbitos macrossociais, políticos e econômicos e caracterizam a dominação de grupos e do Estado. Socialmente observam-se organizações criminosas ou atos terroristas. No campo social estariam as iniquidades e as desigualdades sociais; no político, citamos as guerras e os genocídios. Comporta, ainda, crimes econômicos que atentam contra a soberania de um dado povo com intenção de dominá-lo. (MINAYO, 2006; DAHLBERG; KRUG, 2006).

A partir da classificação da natureza das expressões da violência observa-se a sua complexidade relacional. Desse modo, não se pode admitir explicações simplistas ou superficiais para compreender suas expressões e tampouco as causas geradoras.

Embora a classificação da OMS pareça dar conta da complexidade das violências em seus múltiplos espaços relacionais, cabe, ainda, refletirmos sobre suas naturezas: física, sexual, psicológica e maus-tratos/negligência.

A violência de natureza física pressupõe o uso da força para produzir injúrias, feridas, dor ou incapacidade em outrem, limitando o alcance da vítima às muitas formas de denunciar o sofrimento. Lembrando que essa pode desenvolver-se nos diversos espaços de sociabilidade: famílias, escolas, hospitais, empresas, etc.. Embora possam reproduzir relações de poder e de dominação, configuram-se, ao mesmo tempo, como violência de natureza psicológica. (MINAYO, 2006; 2009).

A violência sob a forma sexual, por sua vez, está relacionada:

[...] ao ato ou ao jogo sexual que ocorre nas relações hetero ou homossexual e visa estimular a vítima ou utilizá-la para obter excitação sexual e práticas eróticas, pornográficas e sexuais impostas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças. (MINAYO, 2006, p. 82)

É patente que o abuso sexual não está isento de violência física e/ou psicológica e/ou negligência, pois suas estratégias supõem ameaças, privações ou castigos como forma de obter aquilo que o agressor deseja, no caso, da criança ou do/da adolescente. (MINAYO, 2009).

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Mas a violência sexual ainda comporta a exploração sexual ou a prostituição infanto- juvenil como salientam Azevedo e Guerra (s./d.). O que caracterizaria essa expressão de violência não seria a atração ou a busca pelo prazer imediato do adulto, mas a satisfação do poder de dominar, de envolver e mesmo de convencer a criança ou a adolescente (em sua maioria, do sexo feminino) à prostituição, tornando-seà oà e p es ioàdaàe plo aç oàse ualà deàsuasà íti as .à FE‘‘IáNI;àGá‘BIN;à‘IBEI‘O,à ,àp. .

Na compreensão das mesmas autoras, ainda que o adulto não se torne o e p es io à aà ia çaà ueà est à so à a usoà se ualà possuià algu asà o diç esà ueà pode à conduzi-la à prostituição.

[...] O aniquilamento da auto-estima, o sentimento de que ela só pode ser amada, ou pelo menos notada, se obedecer às ordens do adulto, a cumplicidade que foi obrigada a desenvolver tornam a criança prostituível. [...] isto é, o adulto desenvolve na criança sentimentos que impedem ou, no mínimo, dificultam uma atitude de desafio, caminhando na direção da denúncia do agressor, sentem-se aprisionadas e com medo, além de muitas vezes sentirem-se culpadas pela ocorrência da violência. (FERRIANI; GARBIN; RIBEIRO, 2004, p.47)

Outra manifestação é a violência de natureza psicológica, que se caracteriza por agressões verbais ou gestuais, visando aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima, restringir sua liberdade ou, ainda, isolá-la do convívio social. Algo que o abuso sexual também pressupõe, pois se agressor deseja a garantia do silêncio da criança abusada esta deve estar sob constante vigilância, sendo silenciada, menos pela força física e mais pela manipulação. (SOUZA; MELLO JORGE, 2004; UDE, 2008; BAZON, 2008).

Por sua vez, a negligência está relacionada à ausência ou recusa de cuidados a alguém que deveria receber tais cuidados, sendo essa última considerada como expressão extrema de negligência ou privação. Se na primeira os adultos privam a criança de cuidados si osà pa aà seuà dese ol i e toà físi o,à e o io alà eà so ial ,à aà out aà h à p i aç oà deà medicamentos, falta de atendimento à saúde, o descuido com a higiene, ausência de proteção contra as inclemências doàte po,à o oàoàf ioàeàoà alo àal àdeàdes o ti uidadeàeà abandono da frequência escolar. (SOUZA; MELLO JORGE, 2004, p.25; MINAYO, 2009)

Como se pode observar, a violência é caleidoscópica, ou seja, multifacetada em suas múltiplas causalidades. Cenários que não permitem construir li hasàdi is ias àe t eàu aàeà outra natureza da violência, seja em suas expressões, sejam em suas implicações sobre os

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sujeitos individuais ou coletivos, especialmente crianças e adolescentes. Fato é que a violência em territórios social e programaticamente vulnerados, potencializa processos de adoecimento individual e coletivo, indo além dos aspectos biológicos.

Sob essa mesma temática, Boaventura de Souza Santos enfatiza que esses indivíduos se convertem em

[...] receptáculos passivos de estratégias de produção, enquanto força de trabalho; de estratégias de consumo, enquanto consumidores; e de estratégias de dominação, enquanto cidadãos da democracia de massas. (SANTOS, 2003, p. 240)

Para Santos a reprodução da violência em suas múltiplas expressões numa sociedade estruturalmente violenta, como afirma Minayo (2006), contribui com a reprodução de indivíduos, politicamente isolados ou coletivamente frágeis ante as determinações da economia de mercado; reconhecidos apenas enquanto consumidores,