• Nenhum resultado encontrado

As mulheres do roteiro em contraponto com as mulheres do romance

SOM DA MÁQUINA DO TEMPO SOM DE PASSOS SOM DE PORTA ABRINDO SOM DE INTERRUPTOR SENDO LIGADO.

3.2 ESTUDOS DE GÊNERO

3.2.2 As mulheres do roteiro em contraponto com as mulheres do romance

No romance The Time Machine, o protagonista, conhecido como O Viajante do Tempo, em uma de suas viagens ao futuro, interage com uma raça conhecida como Eloi. É nessa raça que temos uma personagem mulher, Weena, que convive com o protagonista durante o tempo que ele passa em um período específico da trama, intitulado como Era Dourada.

Primeiramente, temos conhecimento de Weena em uma cena de afogamento, no capítulo cinco do romance de Wells. Preso oitocentos anos à frente da época em que vivia por ter perdido a sua máquina do tempo, o protagonista se detém em observar o modo de vida dos Elois. Uma tarde, sentado diante de um rio, percebe que um daqueles seres, que descreve como tendo características físicas infantis está se afogando e que os demais não dão muita importância.

A Eloi que se afogava era Weena. O Viajante do Tempo se joga no rio para tentar salvá-la. Salva por ele, Weena começa a segui-lo por toda a parte:

De tarde eu conheci a minha pequena mulher, como creio que era, enquanto eu voltava para o centro de minha exploração, e ela me recebeu com gritos de alegria e me presenteou com uma grande guirlanda de flores – evidentemente feita apenas para mim. [...] Trocamos flores, e ela beijou minhas mãos. Eu fiz o mesmo com as dela. Então tentei falar, e descobri que seu nome era Weena, que, embora eu não fizesse ideia do que queria dizer, de alguma forma, parecia bastante apropriado. Esse foi o início de uma amizade estranha que durou uma semana, e terminou, como logo contarei. [...] Ela era exatamente como uma criança. Ela queria estar comigo sempre. Tentou me acompanhar a todos os lugares. (WELLS, 2015 p.14-15 tradução PRO.SOM)

que ela desaparece em um dos confrontos do personagem com a raça dos Morlocks. Na interação entre ambos, percebemos que o protagonista usa determinados termos para descrevê-la, que parecem infantilizar a personagem. Na citação acima, Weena é a “pequena mulher”, que “exatamente como uma criança”. Ainda que sua descrição sobre a raça Eloi tenha o mesmo tom, já que O Viajante do Tempo caracteriza aquelas criaturas como franzinas e frágeis, a descrição da única mulher que interage por mais tempo com o protagonista, tida como “pequena” e que mais parecia uma criança, nos parece relacionada com a visão que se tinha da mulher durante a Era Vitoriana.

Então, na Época Vitoriana, os papéis de gênero eram expressamente demarcados. O mundo das mulheres, ou o mundo da feminilidade, correspondia ao mundo doméstico. Cabia às mulheres protegerem o lar, preparando a próxima geração para o trabalho que lhe coubesse. Afinal, apesar de serem consideradas fisicamente mais fracas que os homens, segundo o pensamento da época, também eram moralmente superiores. Era obrigação das mulheres manter o espaço doméstico em harmonia para receber o marido, ao fim de um dia de trabalho no espaço público, que era considerado moralmente inferior (HUGHES, 2014).

Ainda segundo Hughes (2014), essa demarcação dos papéis de gênero estava baseada na crença de que às mulheres cabia os cuidados do lar porque suas mentes eram limitadas pelo corpo. O trabalho fora de casa, ou qualquer atividade intelectual, seguindo aquela crença, poderia causar danos à estrutura mental da mulher porque achava-se que ela não tinha capacidade para aquele tipo de atividade. A oportunidade de uma educação superior para as mulheres demonstrou exatamente o contrário.

O desenvolvimento industrial da Era Vitoriana também contribuiu para que as mulheres passassem a deixar o lar e fossem trabalhar em fábricas ou no comércio. Como consequência, a ideologia do lar passou a ser abalada e uma nova força parecia estar agora associada à figura feminina (ROSENBERG, 1982).

As expectativas sociais sobre as mulheres da Era Vitoriana nos ajudam a compreender algumas características de Weena na trama do romance de Wells. Apesar de descrevê-la como destemida - “Foi dela, inclusive, que aprendi que o medo ainda não havia deixado o mundo. Ela era destemida o suficiente à luz do dia e tinha a mais estranha confiança em mim” (WELLS 2015 p.14-15 tradução PRO.SOM), Weena é tutorada pelo protagonista a maior parte do tempo que o acompanha. Logo, nessa descrição há um misto de força e fraqueza, como se pode perceber.

Em outro momento, na cena em que ela o acompanha em uma caminhada em busca de um local seguro antes do entardecer, quando ambos avistam os Morlocks, ao longe, o

protagonista precisa acalmar Weena antes de prosseguirem: “[...] Weena ficou exausta e apavorada. Eu a peguei nos braços, conversamos e eu a tranquilizei. Então, à medida que escurecia, ela me abraçou e, fechando os olhos, apertou o rosto contra o meu ombro. ” (WELLS 2015 p.19 tradução PRO.SOM). É possível entender o pavor da personagem, considerando que, na Era Dourada, os Morlocks são os predadores dos Elois e atenção do protagonista e, também, de proteção.

Estava muito escuro, e Weena se agarrou em mim, convulsivamente mas, enquanto meus olhos se acostumavam com a escuridão, ainda havia luz suficiente para evitar que eu me batesse nos troncos das árvores. Mas, em geral, estava tudo escuro, exceto aqui e ali, quando dava para ver a luz do céu, lá longe. Não risquei nenhum dos fósforos porque minhas mãos não estavam livres. No meu braço esquerdo, carregava a minha pequena Weena, no direito, uma barra de ferro. (WELLS 2015, p. 23 tradução PRO.SOM)

Ela precisa ser carregada pelo protagonista na cena em que os Morlocks os perseguem. E, quando ele finalmente a coloca no chão, Weena permanece agarrada a ele: “Olhei para Weena. Ela estava deitada, agarrada no meu pé e imóvel, o rosto virado para o chão” (WELLS, 2015 p.24 tradução PRO.SOM). Weena, por fim, desaparece durante a luta, já que O Viajante do Tempo não é capaz de lutar contra os Morlocks, ao tentar protegê-la.

Ora, ao analisarmos a adaptação do romance de Wells para a peça radiofônica, percebemos que o roteiro para audiolivro rompe com essa representação de mulher. Vejamos como o tratamento dado às personagens femininas no roteiro para audiolivro.

Ressaltemos que, na peça radiofônica, temos três personagens mulheres que se destacam na trama. A primeira é a protagonista Júlia, cientista responsável pela construção da máquina. A segunda, sua assistente, Alice, que a ajuda a construir a máquina e a realizar testes para o funcionamento da mesma. A terceira personagem é a rainha dos Morlocks, apresentada apenas quando Júlia viaja para o futuro e encontra a raça humana dividida entre Eloi e Morlock. Ao perder a máquina do tempo, Júlia acaba se deparando com o refúgio subterrâneo dos Morlocks, onde é recebida pela rainha. Assim como a assistente de Júlia, Alice, a rainha dos Morlocks, que não tem um nome, também não existe no romance de Wells. Quanto à rainha dos Morlocks, ela se assemelha à protagonista já que também é uma pesquisadora. A rainha dos Morlocks consegue se comunicar com Júlia, em sua própria língua, o português, por tê-la aprendido através de livros antigos herdados pela raça dos Elois.

Ao adentrar aqueles domínios, a protagonista descobre que, além dos Elois que, aparentemente, não têm curiosidade sobre nada, e perdem o interesse muito facilmente,

mesmo em Júlia, existe uma raça que ainda busca adquirir conhecimentos, como a protagonista percebe ao se deparar com eles:

RAINHA: Imagino que esteja apreensiva. Não se preocupe com isso, já estamos chegando. O caminho é mais fácil do que parece… Veja, vamos entrar agora na antessala da biblioteca, que chamamos também de Sala de Máquinas.

JÚLIA: Sala de máquinas? Por que esse nome?

RAINHA: Somos um povo muito curioso. Talvez você possa nos entender. Sempre que encontramos alguma maquinaria interessante do lado de cima, trazemos para esta sala. Também guardamos aqui as máquinas que inventamos… que não são tão interessantes. Veja, a sala é bem aqui!

A PARTIR DAQUI, OS SONS DEVEM DAR A IMPRESSÃO DE UM LUGAR