• Nenhum resultado encontrado

1 Brasil, terra prometida

3.1 Aventura surrealista

3.1.2 As neovanguardas concretas

O processo de tomada do espaço cultural artístico de São Paulo pelas neovanguardas concretistas nas artes plásticas e na poesia foi marcado por embates e polêmicas.317 Nas artes plásticas o abstracionismo que encontrou terreno fértil no Brasil

2007. No mesmo ano é lançado no Rio de Janeiro o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil que - diferente do seu congênere paulista que tinha uma crítica próxima da revista Clima - possuía caráter mais vanguardista. REZENDE, Renato. SANTOS, Roberto Corrêa dos. COHN, Sérgio (org.). Sdjb: uma antologia. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2016.p.05-06.

316 Nos referimos aquilo que Napolitano chama de “longo modernismo”. Ele nos diz: “entre os anos 1920

e 1970 boa parte dos debates e projetos culturais brasileiros dialogaram com as equações e impasses gerados pelo Movimento modernista, revisando-o e calibrando-o com suas perspectivas ideológicas.” As “várias correntes ideológicas e movimentos conflitantes do período” dividiam “uma arena comum de problemas e pautas” deixadas “pelo teorema cultural modernista.” Um legado que ao longo dos anos setenta e oitenta sofreu um processo histórico de desagregação, perdendo “lastro histórico” em vista do “estilhaçamento e tribalização da vida cultural brasileira” (NAPOLITANO, Marcos. Coração Civil: A vida cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985). Ensaio histórico. São Paulo: Intermeios, 2017.p.197-198; 225-226). Sobre as contradições estético-ideológicas do modernismo entre 1920 e 1930 ver: LAFETÁ, João Luiz. 1930: A crítica e o Modernismo. São Paulo: Ed. 34, 2000.

317 Ver a esse respeito as reações de S. Milliet, L. G. Machado e M. Mendes contra as manifestações

concretistas: MILLIET, Sérgio. Duas Exposições. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 de agosto, 1952. In: BANDEIRA, João. (org.). Arte Concreta Paulista: Documentos. São Paulo: Cosac Naify, 2002, Idem. A propósito da Exposição concretista. O Estado de São Paulo, Suplemento Literário, São Paulo, p.12, 22 de Dezembro de 1956, MACHADO, Lourival Gomes. Ainda não é Amanhã. O Estado de São

Paulo. Suplemento Literário, São Paulo, p.12, 22 de Dezembro de 1956 e MENDES, Murilo. Perspectiva

de uma exposição, O Estado de São Paulo, 25 de dezembro, 1951. In: BANDEIRA, João. (org.). Arte

Concreta Paulista: Documentos. São Paulo: Cosac Naify, 2002. Havia também, claro, muitos

entusiastas. A esse respeito ver: ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Mário Pedrosa: itinerário crítico. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

foi a tendência mais austera318, o concretismo, que nasceu com a oposição entre “a

geração de 1951” e a “velha geração [modernista] de 1922”.319 Nas disputas por lugares

legitimados os neovanguardistas eram acusados pela crítica de “aventureiros” que tentavam “implantar oficialmente aquilo que chamam de arte abstrata.”320

Figura 1 - Cartaz da I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Antonio Maluf, 1951.

BARROS, Regina Teixeira de (org.). Antonio Maluf. São Paulo: Cosac Naify, 2002.p.13.

Combates que encontraram seu estado crítico na I Bienal de Artes de São Paulo de 1951.321 O evento marca a afirmação dos jovens artistas com várias vitórias: a

318 BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo:

Cosac Naify, 1999.p.13-14. Em diferentes graus é possível identificar apropriações de postulados de De

Stijl, Bauhaus, construtivismo soviético, mas fundamentalmente da arte concreta de Max Bill.

319 MARTINS, Ibiapaba. “Cadeiras e Trocadilhos no Clube dos Artistas: agitados e exaltados os debates

sobre a Primeira Bienal”. Correio Paulistano, São Paulo, dez. de 1951 apud AMARAL, Aracy. Arte

para quê? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. Subsídios para uma história social da arte

no Brasil. 3ª edição. São Paulo: Studio Nobel, 2003.p.255-259.

320 MARTINS, Ibiapaba. Ruptura, brigam os artistas. Última Hora, 10 de dezembro, 1952. In:

BANDEIRA, João. (org.). Arte Concreta Paulista: Documentos. São Paulo: Cosac Naify, 2002.p.51.

escolha do cartaz da exposição criado por Antonio Maluf322 (Figura 1); a premiação do

carioca Ivan Serpa, por sua tela abstrato-geométrica, como artista jovem323; a

premiação, mesmo sob críticas, da famosa escultura Unidade Tripartida (1948) do principal ideólogo internacional do concretismo, o suíço Max Bill.324

Então, surge o Grupo Ruptura325 de artistas plásticos, liderado por Waldemar

Cordeiro que defendia a ideia de que “a linguagem da pintura se exprime com linhas e cores que são linhas e cores e não desejam ser nem pêras nem homens”.326 Os quadros

prescindiriam de interpretações que os tomam como representações de sentimentos.327

A arte não seria, segundo esse ponto de vista, simbólica, pois “Ela é o que é.”328 Essa

visão planificada - retiniana - da produção de imagens se mostra como defesa de uma visualidade supostamente autônoma e sem rastros destrutivos.329

Já o surgimento do movimento da poesia concreta se dá em meio a colaboração

uma história social da arte no Brasil. 3ª edição. São Paulo: Studio Nobel, 2003.p.229-266.

322 RESULTADO DO CONCURSO PARA A ESCOLHA DO CARTAZ DA 1ª BIENAL, Folha da

Manhã, 11 de julho, 1951. In: BANDEIRA, João. (org.). Arte Concreta Paulista: Documentos. São Paulo: Cosac Naify, 2002.p.38. Ver ainda: BARROS, Regina Teixeira de (org.). Antonio Maluf. São Paulo: Cosac Naify, 2002.

323 PEDROSA, Mário. A Bienal de cá para lá. In: Arte: Ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2015.p.484. 324 SILVA, Quirino. 1ª Bienal. Diário de S. Paulo, coluna Artes Plásticas, 28 de outubro, 1951. In:

BANDEIRA, João. (org.). Arte Concreta Paulista: Documentos. São Paulo: Cosac Naify, 2002.p.29.

325 Grupo formado por Geraldo de Barros, Waldemar Cordeiro, Luiz Sacilotto, Lothar Charoux, Kazmer

Féjer, Leopold Haar e Anatol de Wladyslaw.

326 CORDEIRO, Waldemar. Ainda o abstracionismo. Revista de Novíssimos, no 1, 1949. In:

BANDEIRA, João. (org.). Arte Concreta Paulista: Documentos. São Paulo: Cosac Naify, 2002.p.17.

327 CORDEIRO, Waldemar. Abstracionismo. A Nova Alegoria. Folha da Manhã, São Paulo, 1950. In:

CORDEIRO, Analívia. (org.). Waldemar Cordeiro: fantasia exata. São Paulo: Itaú Cultural, 2014.p.59.

328 Idem. Teoria e Prática do Concretismo Carioca, São Paulo, Datilografado para Revista AD

Arquitetura e Decoração, março-abril de 1957. In: CORDEIRO, Analívia. (org.). Waldemar Cordeiro: fantasia exata. São Paulo: Itaú Cultural, 2014.p.218.

329 O que equivale a ignorar que ver “é sempre uma operação de sujeito, portanto fendida, inquieta,

agitada, aberta. Todo olho traz consigo uma névoa, além das informações de que poderia num certo momento julgar-se detentor”: as imagens são dialéticas e o que vemos também nos olha. No jogo óptico e na construção dinâmica da linguagem plástica dos quadros haverá, incontrolavelmente, abertura e implicações irruptivas, inconscientes ou alegóricas. A busca da perfeição do olhar - suposta congruência entre planejamento e resultados - se confundia, entre os concretistas, com a tentativa de construção de formas geométricas que estivessem em consonância com o mundo moderno, técnico e industrial. Ver: DIDI-HUBERMAN, Georges. O que Vemos, O que nos Olha. São Paulo: Ed. 34, 2010.

interdisciplinar dos jovens intelectuais paulistas. O “poema concreto” estaria “para o não-concreto como a pintura concreta para a figurativa ou mesmo para a abstratização hedonista e a música concreto-eletrônica para a tradicional.”330 O PC (“Partido

Concreto”) lutava então pela “arte da industrialização inevitável, necessariamente sulista e paulista”.331

A poesia concreta nasce com os mencionados D. Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos332 em oposição a chamada Geração de 45.333 Em 1952 fundam o Grupo

Noigandres cujas produções encontraram lugar na revista de mesmo nome.334 Eles

passam a propor, com seu paideuma335, poemas que se caracterizariam “por uma

estruturação ótico-sonora irreversível e funcional e, por assim dizer, geradora da ideia, criando uma entidade todo-dinâmica, verbivocovisual”.336 Eles se posicionavam

330 CAMPOS, Haroldo de. Aspectos da poesia concreta. [1957]. In: Teoria da poesia concreta: textos

críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Ateliê, 2006.p.150. A música concreta terá seu manifesto publicado em 1963: COZZELLA, Damiano; DUPRAT, Rogério et al. Manifesto Música Nova. In: BASUALDO, Carlos. (org.) Tropicália: Uma Revolução na Cultura Brasileira. São Paulo: Cosac Naify, 2007.p.216-218.

331 PIGNATARI, Décio. Um radical inseguro. In: BELLUZZO, Ana Maria (org.). Waldemar Cordeiro, uma aventura da razão. São Paulo: MAC/USP, 1985.p.11-12. Um amplo grupo concretista em

colaboração tática foi se compôs com W. Cordeiro, Luiz Sacilotto, Kazmer Féjèr, Lothar Charoux, Geraldo de Barros, Leopoldo Haar e Anatol Wladyslaw, Maurício Nogueira, Judith Lauand, Hermelindo Fiaminghi, D. Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos.

332 Se juntaram posteriormente a eles: José Lino Grünewald, Wladimir Dias Pinto, José Paulo Paes,

Ronaldo Azeredo, Edgar Braga e Pedro Xisto.

333 CAMPOS, Haroldo de. Depoimentos de Oficina. São Paulo: Unimarco Editora, 2002.p.19. H.

Campos destaca tanto os nomes de São Paulo (Péricles Eugênio da Silva Ramos, Domingos Carvalho e Geraldo Vidigal) como do Rio de Janeiro (Ledo Ivo, Fernando Ferreira de Loanda e José Paulo Moreira da Fonseca).

334 CAMPOS, Haroldo de. Depoimentos de Oficina. São Paulo: Unimarco Editora, 2002.p.19. A busca

de uma linguagem própria envolvia a defesa de um lugar autorizado de discurso sobre a poesia brasileira. A palavra noigandres - retirada do livro Os Cantos de E. Pound, que por sua vez o havia colhido do trovador medieval Arnaut Daniel, decifrado depois como “flor cujo perfume afasta o tédio” - expressa, nesse sentido, um meio de distinção de grupo. Ver: FRANCHETTI, Paulo. Alguns Aspectos da Teoria

da Poesia Concreta. 4ª Ed. Campinas: Editora Unicamp, 2012.p.164.

335 Elenco de autores que representa a linha culturmorfológica precursora do poema concreto: E. Pound

(método ideogrâmico), J. Joyce (atomização da linguagem), e. e. cummings (sintaxe espacial axiada no fonema) e S. Mallarmé (subdivisão prismática das ideias).

336 CAMPOS, Augusto de. poesia concreta. [1955]. In: Teoria da poesia concreta: textos críticos e

“contra a poesia de expressão, subjetiva”, “por uma poesia de criação, objetiva” que “acaba com o símbolo, o mito”, “o mistério”.337

Nessa fase ortodoxa338 o Grupo Noigandres - atento a relação entre sua poesia

e a “fisiognomia da época (revolução industrial, técnicas de jornalismo e da propaganda, a cosmovisão oferecida pelas revoluções do pensamento científico e filosófico, a teoria da comunicação, etc.)” - propôs, a certa altura, o poema como objeto útil que “instiga um novo tipo de tipografia e propaganda e mesmo um novo tipo de jornalismo, além de outras aplicações possíveis (TV, cinema, etc.).”339

Assim, o poema concreto seria de cunho industrial em oposição ao artesanal:

337 PIGNATARI, Décio. nova poesia: concreta (manifesto) [1956]. In: Teoria da poesia concreta: textos

críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Ateliê, 2006.p.68-69.

338 Período em que a poesia concreta passa a ter caráter internacional com colaboração do boliviano-

suíço Eugen Gorimger (ligado a M. Bill e a Escola Superior da Forma de Ulm) engajado na feitura das poesias que chamava de konstellationen (BARROS, Lenora de. BANDEIRA, João. (orgs.). Grupo

Noigandres. Arte Concreta Paulista. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.p.16-17). Frisamos, contudo, o

equívoco do retrato estanque da arte concreta. Basta acompanhar a fissura histórica de sua primeira fase para observar as crises sucessivas. Entre os poetas a fase “dogmática” foi seguida de revisão. Em 1961 há o engajamento com “o pulo conteudístico-semântico-participante”. Depois vemos a desintegração dos critérios de homogeneidade, evolução e autonomia que haviam presidido o movimento. A colaboração com os tropicalistas e a detonação dos meios de comunicação de massa reforçam a transformação. No fim da década de sessenta o concretismo já não existe mais como programa unificado. A formalização poética seria assediada incisivamente pelo corpo, acaso, destruição, desejo, dejeto e as lutas políticas. O mesmo ocorre com os pintores que passam a dialogar com a Pop Arte e o Novo Realismo. Entretanto, os muitos adversários intelectuais do concretismo se esforçaram por manter como estigmas as primeiras ideias do movimento. Sendo vistos frequentemente como positivistas, racionalistas, inflexíveis, aprioristas, cientificistas, etc. Ver: CAMPOS, Haroldo de. A Arte no Horizonte do Provável [1963]. In:

A Arte no Horizonte do Provável. São Paulo: Perspectiva, 1977, Idem. Poesia e Modernidade: Da Morte

do Verso à Constelação. O Poema Pós-utópico [1984]. In: Arco-Íris Branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997, CORDEIRO, Waldemar. Realismo “Musa da Vingança e da Tristeza”. São Paulo, Revista Habitat, maio de 1965. In: CORDEIRO, Analívia. (org.). Waldemar Cordeiro: fantasia exata. São Paulo: Itaú Cultural, 2014, AGUILAR, Gonzalo. Poesia Concreta Brasileira: As Vanguardas na Encruzilhada Modernista. São Paulo: Edusp, 2015, BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo: Cosac Naify, 1999 e STERZI, Eduardo. (org.). Céu do Futuro: cinco ensaios sobre Augusto de Campos. São Paulo: Marco, 2006.

339 CAMPOS, Haroldo de. Poesia concreta-linguagem-comunicação [1957]. In: Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Ateliê, 2006.p.123. PIGNATARI, Décio.

arte concreta: objeto e objetivo [1956]. In: Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos 1950- 1960. São Paulo: Ateliê, 2006.p.64 vai além e sugere que o ideograma concreto, “monocromo ou colorido, pode funcionar perfeitamente numa parede, interna ou externa.”

“produto tipo e não típico” com “linguagem minimizada e simplificada, crescentemente objetivada” e, em princípio, “de fácil comunicação”. Ela “coincide com o sentido da civilização progressivamente técnica”.340 Não fica difícil reconhecer a crença - não só

dos poetas, mas dos artistas concretos em geral - no desenvolvimento, no Brasil, do mundo industrial. Nesse momento específico, o concretismo estava ligado a teleologia que visava o novo homem do mundo técnico-urbano.341 A arte concreta entusiasmava-

se com o projeto político desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck, a construção de Brasília, a urbanização acelerada, etc.342

No “otimismo projetual” da “Arte da Era Jusceliniana” ressoava a ideia de que o “atraso” poderia ser superado pela vontade coletiva construtiva.343 Deixando

silenciado, sob pretensões utópicas, a violência capitalista com seus custos político (populista) e social (exploratório).344 A “mitologia de um país novo” levava a crer na

marcha em direção ao futuro: “queimar etapas, como se dizia, da indústria automobilística a arte abstrata.”345 Havia “na produção concreta brasileira uma ânsia de

superar o atraso tecnológico e o irracionalismo decorrente do subdesenvolvimento.”346.

Com efeito, o surrealismo era um dos alvos mais recorrentes das neovanguardas.347 No manifesto do Grupo Ruptura havia a recusa do surrealismo como

340 CAMPOS, Haroldo de. A temperatura informacional do texto [1960]. In: Teoria da poesia concreta:

textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Ateliê, 2006.p.193.

341 CORDEIRO, Waldemar. Arte Industrial. AD Arte e Decoração, São Paulo, fevereiro de 1958. In:

CORDEIRO, Analívia. (org.). Waldemar Cordeiro: fantasia exata. São Paulo: Itaú Cultural, 2014.p.227-228.

342 AMARAL, Aracy. Da produção concreta a expressão neoconcreta. In: Textos do Trópico de Capricórnio. Artigos e Ensaios. Volume 1: Modernismo, arte moderna e compromisso com o lugar. São

Paulo: Ed. 34, 2006.p.208.

343 CAMPOS, Haroldo de. Poesia e Modernidade: Da Morte do Verso à Constelação. O Poema Pós-

utópico [1984]. In: Arco-Íris Branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.p.267.

344 SCHWARZ, Roberto. Fim de Século. In: Sequências Brasileiras: ensaios. São Paulo: Companhia

das Letras, 2014 e HOLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde (1960-70). São Paulo: Brasiliense, 1981.p.41-43.

345ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Mário Pedrosa: itinerário crítico. São Paulo: Cosac Naify,

2004.p.117, 123, 127 e 155-156.

346 BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo:

Cosac Naify, 1999.p.44.

opção plástica.348 Contudo, W. Cordeiro já havia realizado uma crítica intransigente.

Nas suas “considerações” sobre as “formas reunidas na exposição do segundo acervo do Museu de Arte Moderna” de São Paulo ele afirmava:

Mas, quando chega o momento do sonho, do pesadelo, do processo automático do pensamento, da obsessão, da morbidez luxuriosa, deixa-se o domínio do homem para descer na “bolgia” do surrealismo. E, nas imagens de Max Ernst, nas manchas patológicas de André Masson, no boneco de Picabia, nos cenários de Cristofanetti, no intimismo de Chagall, nos volumes osseos de Tanguy, no fantasma de Picasso, e, vindo de outro fundamento, da produção dechirichiana, e ainda na obra de Miró - de maneira diferente por certa formulação plástica - o surrealismo se identifica sempre com a esterilidade e o cinismo da representação naturalista. Por sua determinação, e, de fato, alheio a toda formação moral e estética, o surrealismo torna-se uma união extrínseca, convencional, arbitrária, uma imagem supérflua e fastidiosa.349

Após essa condenação o texto se encerra com um elogio a Piet Mondrian, artista que teria condensado os problemas plásticos modernos. Obviamente, o racionalismo do primeiro concretismo era em tudo contrário a qualquer formulação surrealista.

Entre os poetas a recusa pode ser caraterizada como contínua, sistemática e implacável. Diante disso, podemos citar o que H. de Campos nos diz em 1957:

Evidentemente, a poesia concreta repudia o irracionalismo surrealista, o automatismo psíquico, o caos individualista e indisciplinado, que não conduz a qualquer tipo de estrutura e permite - como já disse alguém, uma espécie de “comunismo do gênio”. O

Paulo: Edusp, 2015.p.60-61.

348 CORDEIRO, W. Ruptura. [Manifesto do Grupo Ruptura distribuído em sua exposição no Museu de

Arte Moderna de São Paulo, 1952]. In: BANDEIRA, João. (org.). Arte Concreta Paulista: Documentos. São Paulo: Cosac Naify, 2002.p.46. O movimento neoconcreto, liderado por F. Gullar e nascido no Rio de Janeiro ao estabelecer severas críticas ao concretismo paulista, também marcava oposição ao “irracionalismo” dadaísta e surrealista. Ver: GULLAR, Ferreira. Manifesto neoconcreto. In: Catálogo

da 1º exposição neoconcreta. Fac-similar da edição 1959. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

349 CORDEIRO, Waldemar. Apreciação crítica do segundo acervo do Museus de Arte Moderna. Folha da

Manhã, São Paulo, 19 de janeiro de 1950. In: CORDEIRO, Analívia. (org.). Waldemar Cordeiro: fantasia exata. São Paulo: Itaú Cultural, 2014.p.63-64.

poema concreto não se nutre nos limbos do inconsciente, nem lhe é lícita essa patinação descontrolada por pistas oníricas de palavras ligadas ao sabor de um subjetivismo arbitrário e inconsequente. Do mesmo modo, a poesia concreta rejeita a poesia discursiva, o jogo oratório de conceitos, o poema narrativo, com ordem sintática semelhante à do discurso lógico. O poema concreto é submetido a uma consciência rigorosamente organizadora, que o vigia em suas partes e no todo, controlando minuciosamente o campo de possibilidades aberto ao leitor.350

Do mesmo modo que a plástica onírica estaria, na visão dos pintores concretos, em descompasso com a evolução das formas modernas, para o Grupo Noigandres a literatura surrealista seria uma resposta insuficiente para o fim da lógica versificadora anunciada por eles.351

Assim, no dia 15 de dezembro de 1966, foi comunicado pela imprensa aos interessados que, dois dias depois, haveria um debate, no Teatro de Rua da Rua Augusta, sobre “A Atualidade e validez do Surrealismo”.352 Com isso, surrealistas e concretistas

estariam presentes na discussão confrontando suas visões. Se levarmos em consideração tanto as desqualificações dos surrealismos realizadas pelos neovanguardistas quanto a denúncia daqueles do formalismo cientificista imperante em São Paulo podemos entrever a possível aridez do encontro.