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CAPÍTULO I REVISÃO DA LITERATURA

1. AS TÉCNICAS DE DANÇA

1.1 O CORPO DAS TÉCNICAS E AS TÉCNICAS DE CORPO

1.1.1 As origens americanas – entre a negação e a negociação

Depois de uma ampla afirmação deste corpo edílico promovido pela técnica de dança clássica e pelos ideais do ballet clássico, em oposição, insurge-se um conjunto de outras manifestações artísticas que ampliaram as visões do corpo e consequentemente das próprias obras artísticas, como refere Migdalek (2015) quando afirma que “The iconoclastic pioneers of modern dance revolted against and challenged many of established norms of the ballet form: they turned feet inward; they worked into the ground and not toward the heavens.” (p.89). As técnicas de dança emergem como uma preparação de um corpo expressivo, alusivo a cada prática artística. As “negações” ou oposições ao que o ballet clássico se proponha surgem como novas opções reflexo também de um conjunto de acontecimentos históricos, culturais e sociais que se espoletaram, fundamentalmente, pela necessidade de criar linguagens alternativas na apresentação e conceção das obras coreográficas. Mais uma vez, torna-se difícil redefinir épocas históricas e altamente fechadas, como acontece em outras áreas artísticas (música ou pintura), onde se consegue catalogar períodos histórico-culturais aliados a determinados artistas e respetivas obras. Ao invés de denominar quais os impulsionadores da era moderna, pós-moderna ou contemporânea, opta-se tal como Louppe (2012) refere, por considerar todos aqueles que surgem após o ballet clássico como contemporâneos, apesar de algumas vezes serem aliados a períodos histórico-artísticos, como define a literatura onde nos suportamos. Percebe-se assim que, neste período, entre o final do século XIX e meados do século XX, não foi constante a visão do corpo e, consequentemente, das técnicas de dança, surgindo

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Apesar das técnicas de dança poderem ser identificados pelas diferentes perspetivas de cada coreógrafo, encontram-se

diferentes formas de serem identificadas, no sentido em que as técnicas de dança podem, por um lado, ser catalogadas a partir do nome do seu mentor ou, por outro lado, pelo mero foco base de um trabalho específico do corpo no espaço e no tempo, como poderá ser constatado na sequência da sua apresentação.

abordagens complementarmente opostas aos ideais clássicos, bem como outras que surgem como uma negociação entre o que se fazia e o que se passou a fazer.

Esta “nova era” foi designada por Louppe (2012) por grande modernidade, comummente também designada por modern dance. Esta abarcou as carreiras de várias bailarinas americanas como Isadora Duncan (1877-1927) e Doris Humphrey (1895-1958), depois de ter sido antecedida por um período, no final do século XIX, impulsionado fundamentalmente pelos Ballets Russes de Sergei Diaghilev, onde a reação a abordagens artísticas diferentes das tradicionais não foram bem-recebidas. Esta “nova era” “(...) reenvia-nos para um quadro de criação em que o coreógrafo, bailarino e pensador, inventa não somente uma estética de espetáculo, mas um corpo, uma prática, uma teoria, uma linguagem motora.” (Louppe, 2012, p.46). Esta reação ajudou a inspirar uma espécie de dança de movimento livre através de dois acontecimentos. Um foi o sistema natural de gestos expressivos desenvolvido, no século XIX, pelo filósofo François Delsarte (1811- 1871), como uma alternativa para os “maneirismos artificiais” tão habituais nas apresentações da época. O outro foi um sistema de aprendizagem musical através do movimento do corpo, criado por Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950), que posteriormente o usou como método de treino para vários bailarinos e que procurou dar à dança o grande poder da comunicação. Durante o mesmo período, vários coreógrafos, como o russo Michel Fokine (1880-1942), também olharam para fontes similares, reagindo contra o século XIX, com esta nova maneira de ver a dança teatral. De forma a ilustrar e a clarificar as diferentes abordagens às várias técnicas de dança contemporânea e às diferentes visões de corpo, reflexo das ecléticas manifestações artísticas que surgiram em oposição ao ballet clássico, procurou-se encontrar um grupo de personalidades de relevo no âmbito técnico-artístico, de forma a criar uma linha condutora na evolução do corpo na dança e, consequentemente, no seu treino.

Com Isadora Duncan, o corpo estandardizado pelo ballet clássico foi considerado antinatural. Entre os séculos XIX e XX, nos Estados Unidos da América, apelava-se ao corpo menos mecânico e mais orgânico, que se exprimia por movimentos contínuos, livres e ondulantes e que procurava que a sua técnica “penetrasse” o corpo, modelando o movimento através do funcionamento harmonioso com a natureza (Daly, 1995). Assim, constata-se que Duncan negava o artificialismo das poses do ballet e o constrangimento imposto pela indumentária e, por isso, dançava descalça. Esta considerava que o ballet era um inimigo da expressão das emoções pelas imposições antinaturais que impunha ao corpo e, então, destacava na sua prática os movimentos elementares do corpo humano, fluídos e leves. Inspirada pelas figuras gregas, utilizava as suas poses e frisos, em oposição aos desenhos espaciais retos e geométricos da técnica de dança clássica. Assim, os percursos utilizados centravam-se numa “descaracterização” geométrica das linhas e

formas, mantendo uma proximidade com a natureza através da graciosidade e dos padrões de respiração, assegurando que desta forma as emoções se expressavam naturalmente. (Butterworth, 2012; Fazenda, 2012). Para além disso, apoiava-se nas estruturas musicais clássicas para acompanhar a eloquência do seu movimento. Acreditava que a música era a expressão mais verdadeira da alma e, por isso, replicava-a na estrutura coreográfica, ou seja, não existia uma autonomia da dança em relação à música. Desta forma, os seus bailarinos representavam cenários imaginários simples, guiados e mediados pelo desenvolvimento harmónico(Foster, 2003)

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A técnica de Isadora Duncan pode não ter sido tão desenvolvida e sistematizada, em termos metodológicos e pedagógicos, como outras da geração seguinte o foram, no entanto, a coreógrafa tinha ideias claras no que respeita à forma como deveria preparar os bailarinos para as suas obras. Destaca-se, assim, a respiração como um princípio fundamental ao trabalho técnico. Por um lado, foi impulso para o seu intenso estudo sobre as consequências do movimento (ação-reação) nas diferentes formas de usar o tronco, por outro lado, sendo a motivação principal para a criação de movimento, desenvolveu diferentes padrões e ritmos que fortaleceram a musicalidade que tanto a caracteriza. À semelhança da técnica de dança clássica, a aula poderia incluir o trabalho na barra, o trabalho no centro e combinações de movimento que permitiam atravessar o espaço através de elementos como andares, corridas e saltos (Legg, 2011; Giguere, 2014). Se na perspetiva artística rompia com a visão do corpo na dança teatral, garantido uma fiabilidade naquilo que é o corpo na sua génese, na perspetiva da aula continuava a usar a barra como alicerce ao trabalho de corpo e mantinha a íntima relação com a estrutura musical, tão comum nas abordagens clássicas da dança, que surgem posteriormente como legado para José Limón (1908-1972).

Em meados dos anos 30, José Limón baseia-se nos princípios de movimento desenvolvidos por Doris Humphrey (idênticos aos de Isadora Duncan) e, por isso, a literatura designa esta técnica como Humphrey-Limón (Preston-Dunlop, 1995; Candy, 2006; Butterworth, 2012). A pesquisa e conceção artística surge a partir de eventos históricos ou outros temas que reflitam a experiência humana. Procurava, assim, expor as emoções humanas através de padrões de movimento naturais e livres (Lewis, 1999; Legg, 2011; Butterworth, 2012). A pesquisa de movimento surge a partir destes ideais, no entanto, centra-se no uso da gravidade através da queda e recuperação, ações de vaivém e balanceares (swings, rebound e rebounce) associados a outros princípios como suspensão, oposição, energia e sucessão. O uso do peso surge na sequência dos princípios apresentados anteriormente e podia ser vivenciado a pares, fortificando também esta relação e importância da entreajuda no grupo (Legg, 2011). À semelhança de Duncan, a respiração é um elemento central da sua técnica, consequência da aplicabilidade da gravidade no corpo através do isolamento das suas partes (Legg, 2011; Butterworth, 2012).

Não apresenta uma linguagem muito codificada, pois “These concepts [referem-se aos princípios] form the basic vocabulary of the Limón style, and it is the dancer’s physical mastery of the vocabulary that makes the movement look expansive, effortless and free.” (Lewis, 1999, p. 36). Neste sentido, acreditava que ao definir um vocabulário de movimento deixaria de conferir a liberdade que a própria naturalidade do corpo e da própria técnica detinham. Curiosamente, constata-se que na técnica Limón é possível identificar alguns movimentos também utilizados por Merce Cunningham (1919-2009). Um dos exemplos é o que Cunningham definiu por curve (curvatura das costas) mas que Limón apenas o ilustrava a partir da sua ação natural (head bend). A utilização do espaço engloba o uso dos níveis – chão, centro e deslocações –, o que também é concomitante com a própria estrutura de aula. Esta assemelha-se à de Duncan no que respeita ao trabalho de centro e deslocações, mas apresenta também um desenvolvimento do trabalho ao nível do chão. Em termos musicais podem ser utilizados compassos variados, visto que na sua técnica, as variações rítmicas podem ser um aspeto relevante, reflexo do que propõe nas suas obras artísticas (Legg, 2011). Esta versatilidade musical poderá ter mais-valias e ser transversal a outras técnicas, visto que alternar a energia, o tempo e o ritmo pode ser adequado a qualquer prática de dança, desde a técnica de dança clássica até às técnicas mais vanguardistas (Diehl & Lampert, 2011; Legg, 2011). Esta relação com a música confere-lhe também um maior fraseamento do movimento (phrasing) que lhe permite pontuar e/ou agrupar movimentos dentro de uma mesma frase. O conceito de phrasing foi, anteriormente, invocado por Yvonne Rainer (1934- ), considerando que este “(...) presupposes an organic arch form, with a beginning, development, and climax in middle and end, arising from organic distribution of energy, often manifested in breathing and contraction-release.” (Cvejic, 2015, p.127). Na mesma perspetiva, Preston-Dunlop (1995) e Lewis (1999) referem que o fraseamento é a sucessão de dois ou mais movimentos consecutivos e que se relacionam com o processo de execução. Portanto, quando num exercício são articulados diferentes movimentos, todos têm o mesmo peso e são igualmente enfatizados, criando uma lógica nas sequências de movimento. Desta forma, surge com Limón a noção de motion, percebendo que é possível encontrar um encadeamento lógico e orgânico do movimento no espaço e no tempo (Preston-Dunlop, 1995). Deste modo, apelava a um corpo mais direcionado para as suas funções comuns, ao invés das propostas antinaturais do ballet clássico que entravam em conflito com os princípios da anatomia e mecânica do corpo. Importava-lhe trabalhar um corpo expressivo capaz de lidar com aquilo que o mantém vivo – a respiração e o uso consciente do peso do corpo que, aliado ao uso das qualidades de movimento, seriam promotores dos significados que pretendia dar às suas obras (Limón, 2001; Candy, 2006; Dunbar, 2009). Apesar disso, não deixava de utilizar um conjunto de princípios que provinham da técnica

de dança clássica, com garantias que a sua aplicabilidade não condicionava esta ação natural do corpo, característica tão presente nos ideais de Isadora Duncan. Não obstante, enquanto Duncan acreditava que a sua técnica preparava o corpo como um instrumento que se podia expressar livremente, Martha Graham (1884-1991) garantia que a sua técnica tinha potencialidades para preparar o corpo para este se expressar de acordo com as solicitações que lhe poderiam ser impostas (Sorgel, 2015). Apesar disso, também se debatia contra os propósitos do ballet clássico e seguia os ideais expressivos de Duncan. Martha Graham foi uma das figuras mais emblemáticas da dança americana no século XX e, apesar de negar muitas das abordagens clássicas, maioritariamente ligadas à prática artística, manteve-se enquadrada nos cânones da técnica de dança clássica, seja pelos pressupostos de aula (embora use o corpo ao nível do chão) ou por alguns pressupostos do treino do corpo. Considerava que a técnica integrava o corpo a partir de uma mente madura e, por isso, a considerava como uma prática de submissão e libertação, onde existiam exigências motoras para a sua expressão, nomeadamente flexibilidade, força e controlo (Foster, 2003; Butterworth, 2012). No decorrer da sua longa carreira, a técnica que desenvolveu parece não ter variado, a não ser no sentido de uma consolidação e sistematização. A este propósito, é importante referir que grande parte da aula da técnica de Graham se centra em exercícios executados no chão, aplicando os seus princípios chave de contraction e release, contribuindo assim para um desenvolvimento da zona dorsal das costas, que anteriormente era “imóvel” (Stodelle, 1984). A aula pode ser dividida em três grandes secções, nomeadamente o trabalho no chão, trabalho na vertical e deslocações e diagonais (onde se podem inserir exercícios como saltos, andares e articulações entre vários níveis espaciais de onde se pode destacar o princípio da fall and

recovery). Existe, assim, uma antítese entre a extensão do corpo, por instantes “sem peso”,

e a compensação do mesmo. Dentro de cada secção, cada exercício é executado mais do que uma vez antes de se mudar para outras posições ou exercício à semelhança do que acontece na técnica de dança clássica.

Mesmo para o espectador menos informado, é evidente que Graham usa uma linguagem típica e completamente original. Existem, como já foi referido, elementos da dança clássica, embora reformulados (Preston-Dunlop, 1995; Thomas, 2003; Smith- Autard, 2010). Por exemplo, Graham utiliza a attitude6 da técnica de dança clássica, mas

quase nunca é projetada para trás e sim para a lateral ou para a frente. Encontram-se também, na sua técnica, movimentos de cabeça que remetem para os rituais hindus, que tanto a inspiraram artisticamente e que também deram origem a um coeso vocabulário de

6Entenda-se por attitude, uma pose estática onde a perna de trabalho está fletida e um braço ou ambos em extensão para cima, enquanto que a perna de base se encontra alinhada sobre o eixo vertical. Os braços e as pernas projetam-se em três dimensões.

movimento e uma linguagem corporal original. Graham coloca o gesto fundamental ao nível da região dorsal das costas, enfatizando a ideia de que viver é respirar, dilatar a caixa torácica e depois comprimi-la. Assim, toda a sua filosofia para o movimento assenta nos princípios da contraction e release, que ilustram a ação de contrair os músculos e soltar a energia muscular através da respiração (Freedman, 1998;Franco, 2012). Portanto, a sua técnica é baseada na respiração, uma função vital e básica do corpo humano e, por isso, refere que “I have based everything that I have done on the pulsation of life, which is, to me, the pulsation of breath. Every time you breathe life in or expel it, it is a release or a contraction.” (Graham, 1991, p.46). Se a zona dorsal é o epicentro do movimento, este estende-se a todo o tronco e de forma bem visível no abdómen, tal como Freedman (1998) tão bem ilustra:

In a contraction, her dancers drew their torsos into a gut-clenching grip, tightening, or contracting, the stomach muscles and pushing the pelvis forward. In release, their bodies returned to a normal state. The action that triggered the contraction and release of muscles was breathing. Squeezing out the breath was a contraction. Taking in the breath was a release. (p.56)

Graham retoma um outro princípio comum às tendências da grande modernidade: a força do gesto acontece em função da força da emoção. Reage bruscamente à pulsão emotiva, por vezes de forma convulsiva, cortada com grandes pausas que promovem momentos proporcionais à exposição de emoção, impondo constantes mudanças de eixo (tilts). Volta a descobrir gestos de rituais primitivos, apesar de reinventados, como exercícios com os joelhos muito flexionados, típico das culturas mediterrânicas e orientais antigas. Graham (1991) afirma que o seu interesse pela cultura oriental provém da sua experiência interpessoal com as suas comunidades e com filosofias que se debruçam sobre as emoções e o seu automático contágio para com os outros, ou seja, são também experiências aliadas a uma prática cultural, que espoletam o seu pensamento técnico- artístico. Todo o corpo é potência para o movimento, pois a sua unidade é significante, apesar de se afirmar não só pelo uso da respiração, mas também pelo uso e desafio da gravidade que atrai o bailarino para o chão. Neste sentido, Freedman (1998) afirma que “She invented a series of falls in which the dancer, on bent knees, sinks slowly backward in a spiral motion, with nothing break the fall, then recovers by reversing the process and spiraling forward and upward to stand erect.” (p.58), garantindo assim que estes princípios se relacionam com um inevitável interesse pelo mundo envolvente e, consequentemente, com o seu legado técnico e artístico. O seu percurso veiculado pela prática artística levou- a a um trabalho com um amplo grupo de profissionais que, mais tarde, ampliou e

reformulou as suas práticas ao nível técnico e artístico, como foi o exemplo de Merce Cunningham.

Cunningham surge como um marco na forma de ver e apresentar a dança ao nível do espetáculo. Esta mudança de rumo mantém o princípio de executar e apresentar o movimento, mas retira-lhe a expressividade, conservando, no entanto, o estereótipo virtuoso do bailarino tão característico da técnica de dança clássica. Ao contrário de Graham, que expressava “dramaticamente” as mais íntimas realidades humanas através de temas históricos e mitológicos da Grécia antiga, o corpo de Cunningham expressa puramente a forma como se move. Daí este corpo poder ser assemelhado a “uma máquina de movimento” ou a “uma marioneta”, apesar de manifestar a sua origem biológica pelo cansaço e suor conferido pelas múltiplas variações de movimento (Foster, 1986; Sorgel, 2015). Para além disso, altera radicalmente a questão hierárquica, propondo uma maior democracia entre todos os responsáveis pela construção da obra artística. Foster (1986) refere que Graham distinguia-se de Cunningham fundamentalmente por esta democracia implementada nas obras. Esta centra-se, fundamentalmente, na construção coreográfica que enfatiza o papel de todos os bailarinos de igual forma, bem como a apresentação tridimensional do corpo, valorizando-o como um todo. Esta nova conceção hierárquica do corpo trouxe também uma nova visão do espetáculo por parte do espectador. O caos organizado criado por Cunningham destabilizava o olhar do espectador habituado às comuns sincronias em grupo para uma mesma perspetiva, ou seja, fazia com que nenhum lugar numa plateia fosse privilegiado (Banes & Carroll, 2006; Fazenda, 2012). Aqui todos os corpos passam a ter a mesma importância, onde o género se dilui entre outros elementos do espetáculo. O seu objetivo seria, por um lado, dar a mesma importância ao bailarino que se encontrasse à frente do palco e ao que estivesse no fundo do mesmo e, por outro lado, conferir ao espectador mais possibilidades de interpretação das suas peças. Isto fez com que cada espectador pudesse retirar uma interpretação “única” de cada peça de Cunningham. Este tipo de leitura, pelo espectador,surge em oposição a Graham que era adepta da “centralização” em determinados personagens, fruto também da narrativa impressa nas suas obras.

Muito próximo do vocabulário da técnica de dança clássica, Cunningham incluiu na sua técnica uma maior importância a nível das costas (à semelhança de Graham), mas atribui-lhe uma nova configuração e vocabulário. Para se referir aos movimentos de alongamento, contração e torção do tronco, denomina-os como curve e arch. Os braços funcionavam como o prolongamento das costas, logo não adaptavam formas exatas, ao contrário da técnica de dança clássica onde existia um arredondamento dos braços a partir das articulações do cotovelo e do pulso e uma adoção de elementos “decorativos”. O corpo é dividido em duas partes: o tronco e as costas fortes e controladas e as pernas (e os pés)

com um trabalho rigoroso e veloz(mas sem grandes amplitudes). Já os braços interagem, mas com oposição do movimento das pernas, promovendo assim um complexo trabalho de coordenação motora (Preston-Dunlop, 1995, Morgenroth, 2004; Butterworth, 2012). Neste sentido, Cunningham & Lesschaeve (1991) afirmam:

I told you I was interested in the beginning in the idea of using both the back and the legs. I thought that in the modern dance, they use the torso, the back a great deal, the legs not so much. In the ballet, on the other hand, they used the legs a great deal, the arms too, in the great Russian School, and the back not so much, though the back obviously sustains the legs and arms. (p.59)