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CAPÍTULO I REVISÃO DA LITERATURA

1. AS TÉCNICAS DE DANÇA

1.6 O ENSINO APRENDIZAGEM DA DANÇA

1.6.1 O equilíbrio entre a motricidade e o comportamento

O ensino-aprendizagem da dança, tal como de outras atividades físicas, foca-se em dois conceitos chave: motricidade e comportamento. A motricidade diz respeito à qualidade inerente e transversal a todos os seres humanos. Esta permite-lhes a produção do movimento, resultado de um conjunto de processos sensoriais, metabólicos e neurais. Pode ser considerado um conceito abrangente, pois inclui várias formas de expressão motora e diversos níveis de regulação. O seu papel na formação profissional e científica advém do facto de os movimentos poderem ser observáveis e conseguirem ser descritos cientificamente através do conhecimento das suas formas de ação e da sua transformação através da maturação, treino, aprendizagem, modelação social, etc. (Barreiros & Cordovil, 2014). O comportamento é uma componente da motricidade, dotado de significados e moldável por diversos fatores. Este pode ser ajustado e modificado pelas fases de

desenvolvimento humano e adaptado pelo contexto sociocultural. Logo, abrange uma dimensão que vai além da a estrita noção do movimento (Barreiros e Cordovil, 2014). Daí ser redutor a criação de programas curriculares que ponderam fundamentalmente o desenvolvimento motor ao longo das fases de desenvolvimento humano e faixas etárias, sem equacionar o comportamento humano.

Contudo, estando a dança relacionada com o desenvolvimento motor, o ensino- aprendizagem deve ser ponderado entre as faixas etárias dos alunos e as suas habilidades motoras. Estas podem ser classificadas como habilidades básicas e específicas, que, para atingirem um domínio completo, devem percorrer um processo longo e contínuo através de experiências motoras que envolvam as habilidades básicas (que podem ser relacionadas com a análise sistematizada proposta por Laban) e as diferentes formas de serem combinadas (habilidades especializadas). Assim, consideram-se as habilidades motoras como tarefas motoras inatas ou aprendidas ao longo das fases de desenvolvimento humano, e que naturalmente aumentam com o crescimento físico, estabilizam com a idade adulta e retrocedem com o envelhecimento. Estas são dependentes, no seu desenvolvimento, sobretudo a partir do treino. Já as capacidades motoras são qualidades físicas individuais, potenciadas pela genética de cada corpo, que podem ser atingidas ou não. Estas podem ser divididas em capacidades condicionais11, onde se insere a velocidade, resistência, força, flexibilidade e as capacidades coordenativas12, onde se destacam, particularmente, o equilíbrio, o ritmo, a reação, a orientação espacial, a diferenciação e a combinação que devem ser desenvolvidas a partir do treino, tendo em conta as fases de desenvolvimento (Marques, 1989; Barbanti, 1996; Weineck, 2005; Xarez, 2012). Neste sentido, torna-se importante falar de consciência

11 As capacidades condicionais são determinadas pelos processos energéticos e metabólicos. Logo, são condicionadas pela energia disponível nos músculos e pelos mecanismos que regulam a sua distribuição. Neste grupo insere-se a velocidade, que pode ser definida como a capacidade de executar ações motoras, simples ou complexas, num curto espaço de tempo; a resistência, que é a capacidade de manter a atividade física por períodos prolongados, com objetivo de retardar a fadiga; a força, que pode ser definida como a capacidade de vencer a resistência, podendo estar relacionada com o tempo ou não; a flexibilidade é a capacidade de executar os movimentos com grande amplitude articular (Marques, 1989; Barbanti, 1996; Weineck 2005; Xarez, 2012).

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As capacidades coordenativas são determinadas pelos processos de organização, controlo e regulação do movimento.

Estas são condicionadas pela capacidade de elaboração das informações por parte dos responsáveis pela formação e realização do movimento. Assim, a coordenação é uma componente da condição física a par com as capacidades condicionais (Xarez, 2012). É a capacidade de organização do corpo e de adaptação a um contexto de forma individual e em grupo. No primeiro caso, a coordenação motora desenvolve a capacidade de o indivíduo se moldar e usar em simultâneo e em diferentes direções, várias partes do corpo. O segundo caso está relacionado com a capacidade do corpo se adaptar a diferentes tipos de espaços, ajustando-se às diferentes áreas, mantendo a mesma relação os seus pares, o espaço e dinâmicas (Kassing & Jay, 2003). Integram então capacidades como o equilíbrio (estático ou dinâmico) designado como a capacidade necessária à conservação e recuperação de uma posição corporal estável, mesmo aquando de condições menos favoráveis; o ritmo que pode ser definido como é a capacidade de compreender estruturas temporais e dinâmicas do movimento, imprimindo no movimento um certa cadência; a reação, ou seja, a capacidade de responder com prontidão a um estímulo, analisando-a, dando-lhe um resposta motora adequada e a orientação espaço temporal definida como capacidade de determinar ou modificar as posições do corpo no espaço e no tempo; a diferenciação é a capacidade de diferenciação cinestésica que permite dosear as capacidades condicionais como a força, flexibilidade e velocidade. Por fim, a combinação é a capacidade de encadear ou combinar diferentes movimentos, numa única sequência que pode acontecer de modo síncrono ou assíncrono com dinâmicas diferentes (Marques, 1989; Barbanti, 1996; Weineck, 2005).

corporal, que pode ser definida como “(...) the synchronization of your movement intention, the sensations arising from your body, and what you are seeing.” (Franklin, 2014, pp.11). Assim, considera-se que a consciência corporal não é apenas precisão em termos anatómicos, mas também a capacidade de sentir o estado geral do corpo ou ser atento aos limites do corpo e ao tamanho dos membros. Neste sentido, é importante referir que, em dança, é fundamental lidar com três tipos de sensações, nomeadamente exterocetivas, interoceptivas e propriocetivas. O primeiro inclui as que provêm de sentidos como a visão, o tato e a audição; o segundo inclui as sensações interiores provenientes da temperatura, dor, respiração e órgãos e a última inclui as sensações que envolvem o movimento, a mudança de posição das articulações, tensão muscular, gravidade, a noção de energia (Gibbons, 2007; Franklin, 2014). É a articulação entre estes três tipos de sensações que espoletará as capacidades fundamentais da prática de dança enquanto expressão artística, nomeadamente a interpretação, musicalidade e a expressividade. Ter noção de si próprio (interna e externa), dos outros sujeitos ou objetos e do espaço envolvente confere a cada agente um conjunto de estímulos fundamentais, para o entendimento daquilo que é a prática estética e artística, que se integram numa dimensão somática do movimento (Montero, 2016; Barlow, 2017).

Para além destas, e a par do conceito de comportamento, há que ponderar as capacidades cognitivas e afetivas/relacionais que têm um peso fundamental no ensino- aprendizagem da dança. Os domínios cognitivos enfatizam as capacidades intelectuais de quem aprende que, a par com as capacidades motoras, desenvolvem a aprendizagem da dança ao nível físico e intelectual. Para tal, Kassing & Jay (2003) apresentam seis níveis de desenvolvimento destas capacidades. Numa primeira fase, o foco está na identificação, sendo o pilar basilar. Num primeiro patamar importa conhecer as especificidades, em particular, de factos e da terminologia, seguindo para o conhecimento de métodos e procedimentos e, por fim, o de teorias e princípios. Numa segunda fase, existe o foco na compreensão, aplicação, análise, sistematização e avaliação desses conhecimentos. Os domínios afetivos relacionam-se com o comportamento, atitudes, valores, apreciações e as particularidades sociais, que levam o aluno a criar os seus valores sobre determinada matéria. A este propósito, a autora refere que o treino em dança se foca fundamentalmente no desenvolvimento das capacidades físicas dos alunos, no entanto, é este domínio que lhes dará as capacidades de comunicação com os seus pares, pois são essas que irão desenvolver a presença, sensibilidade, cooperação e as atitudes e comportamentos necessários a ter no contexto profissional. Mais uma vez, Kassing & Jay (2003) dividem estes domínios em cinco níveis, nomeadamente em recetividade, resposta, valorização, organização e caracterização dos valores mais complexos. O primeiro refere-se à disposição para receber, controlar e selecionar de forma atenta as informações, a

disposição e satisfação em encontrar a resposta; o segundo engloba a aceitação, o entendimento e o compromisso com os valores que estão inerentes a determinada matéria ou tradição; o terceiro inclui a aprendizagem da conceptualização desses valores e a organização sistemática dos mesmos; e o último distingue-se pela compreensão do equilíbrio entre as regras e as características dos valores e a personalidade desenvolvida dentro desse sistema. Estes níveis podem atravessar outros como o interesse, apreciação, atitudes e valores e a adaptação. É o encadeamento entre todos estes níveis que contribui para o desenvolvimento social e maturidade na aprendizagem de aulas de dança. Estes, que podem ser transversais à prática profissional, desenvolverão o respeito individual e em grupo (colegas e professores) (Kassing & Jay, 2003). São também estes que desenvolvem a sensibilidade artística, promotora do desenvolvimento de capacidades como a musicalidade e a interpretação.