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HOMEM ARMADO, MODERNO EM DIFERENTES ÉPOCAS

II.3 As armas de fogo .1 Introdução

II.3.9 As peças de Artilharia

No final do século XV, a intolerância religiosa ocasionou a expulsão dos judeus da próspera Espanha. Aos que desejavam permanecer era imposto que se convertessem ao cristianismo. A princípio, muitos seguiram para Portugal e pagaram oito cruzados por cabeça para ali poderem permanecer. Entre os judeus que chegavam a Portugal, muitos eram ferreiros, latoeiros, malheiros235

e armeiros, artesãos cuja permanência interessaria a qualquer nação. Aos artesãos, o rei de Portugal, D. João II, facilitava a permanência no território português, cobrando a cada um quatro cruzados, a metade do que era normalmente cobrado aos não artesãos236. Na época, os mulçumanos demonstravam ter uma relativa tolerância com osnão-mulçumanos, o que para os artesãos judeus significava uma forte razão para preferirem imigrar para os domínios dos árabes e lá oferecerem seus serviços aos sultões. Os artesãos estrangeiros que trabalhavam para os mulçumanos não eram todos imigrantes voluntários. Entre eles muitos eram cristãos que tinham sido capturados durante as batalhas. Esta era uma das formas como os sultões conseguiam os serviços de ferreiros, mineiros, carpinteiros, pedreiros, calafates, construtores navais, fundidores de canhões, entre outros, transferindo para os seus domínios as técnicas que os artesãos praticavam a serviço dos reis católicos. Em 1551, um viajante de nome Nicolas de Nicolay (1517-1583), Lord de Arfeuile, geógrafo a serviço do rei da França, ao chegar a Istambul ficou impressionado com a grande quantidade de trabalhadores cristãos que serviam ao sultão no arsenal e que ensinavam aos otomanos todos os saberes da moderna arte de fazer a guerra praticada na Europa237.

As modernas armas que outorgavam poder às nações eram produzidas por ferreiros e fundidores. Os saberes da metalurgia circulavam entre esses homens que os mantinham como um segredo ao qual apenas os mestres do ofício deveriam ter acesso. Para obter os benefícios dos saberes de um artesão, sempre seria necessário contratá-lo.

235 Malheiro era aquele que fabricava malhas para as cotas de malhas, uma proteção para o corpoque consiste em uma série de entrelaçamentos de pequenas argolas de metal.

236VITERBO, 1907, p.3,Apud:Goes, de Damião.Chronica de D. Manuel, parte I, cap. X.

237ÁGOSTON, 2009, p.44.Apud; Nicolaos de Nicolay, The Nauigations into Turkie [sic] (London, 1585), fol. 130v.

Em Portugal, os fundidores geralmente eram artesãos estrangeiros238. Como eram cobiçados por diversas nações, os reis procuravam mantê-los no território português através do fornecimento de privilégios, alguns normalmente somente concedidos aos fidalgos, como o direito de portar armas e andar montado em uma mula com sela e estribo239. Do século XV ao XVII, as marcas deixadas pelos mestres fundidores nos canhões portugueses demonstram que entre eles encontramos alemães, italianos e flamengos240. Nos domínios portugueses, a fundição de artilharia, em bronze, era efetuada não só em Lisboa, mas também em Goa, Cochim, Ormuz, Malaca, Macau e Nagasáqui. No entanto, no século XVIII, durante o reinado de D. João V, no lugar de fundirem as peças de artilharia nos arsenais portugueses, a opção foi comprá-las na Holanda, como demonstra o grande número de peças referentes a esse período, existente no Museu Militar de Lisboa241.

As primeiras peças de artilharia, os trons e as bombardas, tinham uma estrutura feita com lâminas de ferro forjado, geralmente alinhadas no sentido longitudinal da peça, unidas umas às outras por anéis metálicos ou por caldeamento na forja. A estrutura era frágil e podia romper quando submetida à elevada pressão dos gases produzidos durante a queima da pólvora, o que poderia causar graves acidentes. Inicialmente, as peças de ferro forjado foram feitas com tamanho pequeno, o que facilitava o transporte da arma, mas também foram feitas em tamanho grande242.

A evolução das técnicas de fundição fez surgir as peças de artilharia fundidas em bronze ou ferro. As de bronze não oxidavam como as de ferro,

238Veja anexo III.

239VITERBO, 1901.

240VITERBO, 1901.

241VITERBO, 1901, p.7.

242As bombardas do século XV eram peças construídas por uma série de aduelas de ferro forjado (wrought iron), unidas à maneira de um barril e reforçadas com cintas. Esta técnica de construção ainda era utilizada no princípio do século XVI para construir grandes peças de artilharia conhecidas como espalhafatos, que lançavam balas redondas de pedra de 150 arráteis (68,8 kg). Dois grandes espalhafatos foram construídos provavelmente em 1520, em Cochin, por Fernando Annes, que os denominou de Maria e Heitor. A Maria ainda estava em Goa em 1961, guarnecendo uma das torres da fortaleza de São Pedro e assestada para Banastarim, como testemunhou o general português Henrique Pereira do Valle. O Heitor se encontra no Museu Militar de Lisboa. A técnica de construção empregada nessas duas grandes armas foi ultrapassada pela fundição das peças de bronze nos primeiros anos do século XVI. Em 1510, na luta pela tomada de Goa, os portugueses foram combatidos com o uso de um falcão e de um espalhafato, demonstrando que na Índia já existia o emprego de artilharia antes da chegada dos europeus (VALLE, 1963).

eram mais duráveis e seguras, porém muito mais caras, um verdadeiro símbolo de poder. Podiam ser fundidas em diversos tamanhos. As maiores pesavam várias toneladas, o que as tornava armamentos de posição fixa que geralmente eram utilizados nos parapeitos dos navios e fortalezas. As que tinham tamanhos menores podiam ser transportadas para o campo de batalha e deram mobilidade à Artilharia. Como eram armas que poderiam ser utilizadas tanto para a defesa como para o ataque, o engenheiro-mor de Portugal, Manuel de Azevedo Fortes, assim as definiu no início do século XVIII:

A peça de artilharia é um instrumento, ou máquina de bronze, ou de ferro, com a qual por meio de pólvora se atirarão balas para ofender os inimigos nos exércitos, arruinando-lhes suas trincheiras, e para arruinar nas Praças as defesas, ou parapeitos, com que se cobrem, e para derrubar as muralhas, e abrir brechas243.

A definição de Fortes não evidencia a capacidade de matar que teria uma peça de artilharia, mas sim a de agir como ferramenta, uma máquina, capaz de arruinar os equipamentos de defesa do exército inimigo.

As diversas peças de artilharia, não importando o seu gênero, tinham uma mesma composição básica (Figura II-40). Cada uma das partes, assim como os elementos particulares que as compõem, foi descrita por Fortes começando de onde o artilheiro se põe para dar fogo244:

1. Cascavel: é aquela parte da peça, com o feitio de um pomo, em que a peça tem o seu princípio e, alguns, no lugar da bola ou pomo, lhe põem um golfinho, ou uma cabeça de serpente (letra A).

2. Culatra:é a parte que vai da cascavel até o fogão (letra B).

3. Reforços da Peça: Reforço da culatra (CC); Reforço dos munhões (CD) e reforço da bolada (DE).

4. Moldura da Culatra: aquela que cinge a mesma culatra (F).

243FORTES, 1993b, p. 456.

5. Ouvido ou Fogão da Peça: é o furo onde a peça se escorva245 para lhe dar fogo (G) – alguns enfeitam este lugar com uma concha.

6. Colarinho da Culatra: pequena moldura que se acha diante do fogão (H).

7. Moldura do Primeiro Reforço da Culatra: local onde termina o primeiro reforço (I).

8. Munhões: duas porções de metal, cilíndricas, que saem dos lados da peça em forma de eixo, que servem para sustentar a peça sobre o reparo. Os munhões possibilitam também manter as peças em equilíbrio, possibilitando que se abaixe ou levante a peça quando for necessário. Os munhões servem também para suportar o repuxo que sofre a peça quando atira (L). 9. Azas: servem para se suspender a peça quando são

colocadas a cavalgar na sua carreta, ou reparo. Essas asas se representam por cobras e, mais ordinariamente, por golfinhos (M).

10. Moldura do Segundo Reforço dos Munhões(N). 11. Colarinho da Bolada(O).

12. Colarinho da Garganta(P).

13. Bolada: se estende do colarinho até a garganta (OP). 14. Garganta da Peça: é a parte mais estreita entre o

colarinho e o bocal da peça (Q).

15. Bocal da Peça: é a parte de metal mais levantado que circunda a boca da peça como guarnição. Alpoim complementa seu mestre Fortes informando246 que é nesta parte da peça que se encontra a joia247(QS).

16. Moldura do Bocal(R).

17. Alma, Cana da Peçaou Oco da Peça: é o vazio cilíndrico que existe desde o fogão (G) até a boca da peça (S).

245A palavra escorva tem origem no italiano antigo e se refere ao dispositivo com que se dá início à explosão de uma carga principal. Por exemplo, nas bocas de fogo, a carga principal estava localizada em uma câmara que se comunicava com a parte externa da arma através do orifício cuja extremidade se denominava deouvido. A carga principal seria detonada através de um cordel detonante, rastilho, levado até o interior da peça através do orifício do ouvido

(FERREIRA, 2004). No lugar do cordel detonante também poderia ser usada pólvora negra em grãos muito finos,polvorim, e era derramada no interior da peça através do orifício do ouvido, o qual se iniciava nofogãoda peça de artilharia.

246ALPOIM, 1744, p.66.

247As jóiassão os mais altos pontos das faixas altas da culatra e do bocal e servem para por eles se fazerem as pontarias (ALPOIM, 1744, p.168).

Figura II-40:Composição de uma peça de Artilharia (Fonte: Fortes, 1729). Como existia uma grande variedade de peças de artilharia nos navios e nas fortalezas portuguesas, para organizá-las Fortes propõe que deveriam ser classificadas em três gêneros: Colubrinas, canhões e canhões pedreiros. Cada um dos três gêneros admite diferenças. Para diferenciarmos os três gêneros de peças de artilharia, deveremos comparar o comprimento da arma, L, com o diâmetro da boca da arma, ø.

UmaColubrina terá o comprimento igual a 32 vezes o diâmetro da boca, isto é, 32.

L Mas também existirão as Colubrinas bastardas, 26

L . Uma

Colubrina, após ter sido reconhecida, poderá ser de diferentes espécies, conforme o calibre de suas balas, o qual é dado pela massa da bala empregada no armamento, medida emlibra(Tabela II-3)248.

248 A unidade de massa a que os portugueses davam preferência era o arrátel, que seria o equivalente à libra. Porém, em Portugal, a libra tinha 459 gramas, enquanto na Inglaterra apenas 453 gramas. EmO Engenheiro Português, tomo 2, Fortes utilizou alibracomo unidade de massa para diferenciar as peças de artilharia. Portanto, fica evidente que entre as diferentes nações da Europa as balas esféricas de ferro de mesmo calibre poderiam possuir diâmetros diferentes.

Tabela II-3:Classificação das Colubrinas

COLUBRINAS

Balas de 1 a 4 libras. Falconete ou Oitavo de Colubrina

Balas de 4 a 6 libras. Sagre ou Quarto de Colubrina

Balas de 6 a 12 libras. Meia Colubrina

Balas de 12 a 25 libras. Colubrina inteira ou Legítima

Ocanhãoé a boca de fogo em que = 18, e atira geralmente balas com massa de 25 a 48 libras. Existem exceções, e alguns chegam a atirar até balas de 100 libras. Como ocorreu com aColubrina, a razão e a massa da bala em libra definem a espécie do canhão (Tabela II-4).

Tabela II-4:Classificação dos canhões.

CANHÃO L MASSA DA BALA (libra) CANHÃO 18 L 25 < m < 100 MEIO CANHÃO 18 20 L 16 < m < 25 TERÇO DE CANHÃO 17 18 L 10 < m < 13 QUARTO DE CANHÃO249 24 26 L 7 < m < 10

Os Pedreiros são assim chamados porque atiram pedras, cadeias de ferro, canos de pistolas e outras mitralhas250. Em 1729, quando Fortes editava o segundo tomo do Engenheiro Português, esta arma já estava em desuso, principalmente os antigos pedreiros que atiravam balas de 80 a 100 libras.

249OQuarto de Canhãose assemelha àColubrina Bastarda, por esta razão são reconhecidos comoacolubrinados.AsColubrinas Bastardasatiram balas de 7 a 25 libras, enquanto oQuarto de Canhãoatira balas menores, de 7 a 10 libras.

Devido ao seu pequeno comprimento, que facilitava o manejo da peça, ainda eram utilizados em alguns navios. Nas Praças podiam ter bom uso nos flancos baixos dos baluartes. Os Pedreiros eram encontrados em três formas diferentes: Inteiro; Meio; Quarto (Tabela II-5).

Tabela II-5:Classificação dos Pedreiros.

PEDREIROS TIPO DE PEDREIRO L MASSA DA BALA (libra) INTEIRO 12 14 L 19 < m < 40 MEIO 12 14 L 10 < m < 18 QUARTO 12 14 L 4 < m < 10

O canhão251era uma peça que podia ser diferenciada através de marcas impressas no seu corpo: números informavam seu peso; brasões identificavam o proprietário; e nas grandes peças também se encontrava o nome do mestre que o fez. Como uma verdadeira obra de arte, o canhão recebia o nome do seu criador. Cada canhão era único, não existiam dois iguais. Entretanto, para que possamos entender melhor porque eram únicos, precisamos saber um pouco sobre o processo da sua fabricação.

Como já foi dito acima, as primeiras bocas de fogo eram feitas de ferro forjado. Era um processo complicado pelo qual a peça de artilharia era montada com lâminas de ferro forjadas a quente. Porém, entre 1460 e 1545, as bocas de fogo passaram a ser feitas com metal fundido, utilizando uma técnica muito semelhante à que hoje é conhecida como da cera perdida. Esta técnica de fabricar canhões praticamente se manteve inalterada por três séculos.

O fundidor de canhões geralmente era um mestre que orgulhosamente deixava seu nome marcado em cada uma das grandes peças que fundia. Quando o canhão era de pequeno calibre, não possuía a identificação do

251Para simplificar, iremos de agora em diante denominar de canhão todas as peças de artilharia.

fundidor porque era feito pelos subordinados ao mestre, seus aprendizes. Além do nome do fundidor e o brasão252 do proprietário, também era comum deixar marcada sobre a peça a sua massa, considerada na época como a medida do peso da peça, uma importante informação para os canhões marítimos, os quais precisavam ser corretamente distribuídos para não prejudicarem a estabilidade dos navios. A massa da peça era informada através de três números, escritos em sequência e precedidos do sinal de mais, para adicionar, ou de menos, para subtrair. A massa final seria o resultado de operações de somar e subtrair as quantidades em três unidades de massa diferentes: quintaes, arrobas e

arráteis. Por exemplo, um canhão poderia ter a massa: +36; -1; -16. O primeiro número correspondia ao número de quintaes, o segundo ao de arrobas, e o terceiro ao de arráteis. Logo, a massa do canhão seria de +36 quintaes-1arroba e -16 arráteis. Para o leitor moderno, seria mais fácil considerar a massa do canhão em quilogramas, pelo que, em correspondência às antigas unidades de massa portuguesas, teríamos253:

+(36).58,758kg – (1) 14,690kg – (16) 0,46 kg = 2.093 kg. Os canhões eram peças cujo peso poderia ser de algumas toneladas.

A fundição das peças de artilharia exigia que, em primeiro lugar, se fizessem os moldes para que finalmente no seu interior fosse vertido o metal derretido, ferro ou bronze. Um molde de uma peça de artilharia geralmente era composto de três partes. A primeira parte, a principal, daria forma à maior parte da superfície externa da peça, com exceção da culatra, que seria moldada pela segunda parte do molde. A terceira parte moldaria a cavidade interna da peça, a alma. O trabalho de um fundidor começava com a confecção da matriz, o molde que moldará o molde final. Assim sendo, primeiro o mestre fundidor deveria preparar a matriz e, por último, o molde. As matrizes poderiam ser feitas de madeira ou argila porque assim mais facilmente seriam retiradas do interior dos moldes.

A matriz da primeira parte do molde de uma peça de artilharia,se feita de madeira, acabava por parecer uma grande peça de artilharia torneada na

252O preço de um canhão praticamente o tornava um símbolo de poder.

madeira. Para tornear a grande tora da qual se faria a matriz, o artesão deveria mantê-la apoiada na posição horizontal sobre dois cavaletes (Figura II-41, primeiro plano), pois assim poderia girá-la com maior facilidade enquanto lhe dava forma com as ferramentas. A matriz do primeiro molde deveria ganhar, durante o torneamento, a forma externa da superfície da peça de artilharia.

Figura II-41:A figura nos mostra um artesão, no primeiro plano, utilizando o apoio de dois cavaletes para colocar em rotação a matriz do primeiro molde de uma peça de artilharia que poderia ser feita de madeira ou argila (Fonte: BIRINGUCCIO, 1966, figura II- 29, p.235).

No caso de o artesão pretender fazer a matriz da primeira parte do molde em argila, também será necessária uma grande tora de madeira cilíndrica de comprimento superior ao da peça de artilharia apoiada sobe cavaletes, como aquela que está representada no segundo plano da Figura II-41. Ao redor da tora se enrolava uma corda que será sobreposta por uma camada espessa de argila. Como auxílio de formas de madeira, sempre girando a tora ao longo do seu eixo longitudinal, o artesão modelava na argila a forma que queria dar à parte externa da peça de artilharia. Para finalizar, o artesão revestia a matriz com o desmoldante254.

Com a matriz pronta, feita de madeira ou argila, o artesão fazia a primeira parte do molde utilizando uma argila que deveria ter a qualidade de não encolher ou quebrar facilmente quando submetida ao calor do fogo durante o cozimento. Com uma espessa camada deste tipo de argila, a matriz deveria ser coberta. Para dar mais resistência mecânica ao molde, a espessa camada de argila deveria ser reforçada por cintas de ferro. Para finalizar a confecção do

254ANDRADA e CASTRO (1993, p.63) descreveram esta técnica. No entanto, nada informaram sobre a natureza de tal desmoldante.

molde, a grande massa de argila que envolvia a matriz deveria ser cozida para endurecer. Para que a primeira parte do molde pudesse surgir diante dos olhos do artesão, a matriz deveria ser retirada do interior do molde, o que se fazia pondo fogo na matriz quando esta era feita de madeira e, no caso de ser feita de argila, simplesmente se tracionava a corda que inicialmente tinha sido enrolada ao redor da tora de madeira, um procedimento que resultaria na fragmentação da matriz de argila. Com a retirada da matriz surgia o molde, uma peça única, considerando que sua matriz tinha sido destruída.

A segunda parte do molde, aquela que dará forma à culatra, geralmente tinha esculturas que ali eram feitas para embelezar a peça de artilharia. Neste caso, a preparação da matriz, em madeira ou argila, exigia que o artesão tivesse a habilidade de um escultor, como afirmou Biringuccio255. Com a matriz pronta se preparava a segunda parte do molde, o da culatra, o qual deverá ter um ressalto de peça macho para que fique firmemente encaixado na primeira parte do molde.

Como já foi dito, a terceira parte do molde deverá ter a forma da cavidade interna da peça, a alma, que na sua parte mais interna corresponde à câmara, local onde será depositada a carga de pólvora. As câmaras poderiam ter diversas formas, o que faria diferir a forma que se daria à extremidade do molde da alma (Figura II-42), que geralmente era modelado sobre uma grossa camada de argila que era depositada sobre uma haste como aquela que está mostrada na parte inferior da Figura II-42, sob os diversos tipos de moldes de alma.

Figura II-42:A figura mostra quatro moldes de alma com diferentes formatos de câmara nas extremidades. Na parte inferior da figura, abaixo dos moldes, observamos uma haste ao redor da qual se deveria fixar argila e torneá-la, sempre que se desejasse fazer um novo molde de alma (Fonte: BIRINGUCCIO, 1966, figura II- 30, p. 242).

Com a finalização da confecção dos três moldes da peça de artilharia, o conjunto deverá ser montado na posição vertical e próximo do forno de fundição (Figura II- 43).

Figura II-43:Molde da peça de artilharia na posição vertical: Primeiro molde (A), Segundo Molde (B), e Terceiro Molde (C). O Terceiro Molde deve ser mantido fixo e perfeitamente centralizado na cavidade oca da peça com o auxílio de dois anéis (D e E), os quais servem para fixar a alma às paredes do molde da peça de artilharia. A cavidade dos munhões é fechada por uma peça de argila (F). O metal será vertido no molde através da boca de alimentação (G) do molde. O molde para resistir ao calor e à pressão produzida pelo líquido de metal fundido deverá estar envolvido por uma forte armadura de ferro (Fonte: BIRINGUCCIO, 1966, Apêndice A, p.452).

Uma peça de artilharia poderia ser desqualificada se o seu eixo de simetria não coincidisse com o eixo de simetria da alma. Neste caso, seria