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HOMEM ARMADO, MODERNO EM DIFERENTES ÉPOCAS

II.3 As armas de fogo .1 Introdução

II.3.3 Do fogo artificial à pólvora

O fogo não existe sem combustível e comburente. O oxigênio é o comburente que mantém as chamas acesas no ar. Na natureza não existe combustível que já possua no seu interior o oxigênio. Uma chama sempre dependerá de um fornecimento externo de comburente. No entanto, esse tipo de combustível foi criado artificialmente, e o fogo que dele provém é, por este motivo, denominado de fogo artificial112. Entre os diversos combustíveis, o enxofre sempre atraiu a atenção humana por ser uma pedra que pegava fogo. A mistura do enxofre com carvão e salitre fez surgir uma chama que queimava com vigor e que não se apagava com facilidade porque era um fogo artificial. No passado, provavelmente foram os alquimistas chineses que por tentativas e erros, revelaram as propriedades únicas desse combustível. As modificações na composição do fogo artificial acabaram por fazer surgir, em meados do século IX113, o que hoje identificamos como pólvora.

Na pólvora, o enxofre e o carvão agem principalmente como combustíveis, e o salitre como comburente. Atualmente, sabemos que a capacidade do salitre de fornecer oxigênio inicia apenas quando a temperatura

110PARTINGTON, 1999, p. 21.

111PARTINGTON, 1999, p. 22.

112KELLY, 2004, p.VIII.

está acima de 335°C. O início do processo da queima da mistura, a ignição, ocorre quando o enxofre é aquecido acima de 261°C. Após a ignição, a queima do carvão eleva a temperatura acima de 335°C, o que causa a liberação do oxigênio do salitre no meio da mistura e o surgimento de uma chama vigorosa acompanhada de um grande volume de gases114, os quais, aquecidos, se expandem rapidamente115. Com este tipo de fornecimento de oxigênio, o combustível queima muito rapidamente, o que corresponde a dizer que, assim, se obtém uma liberação de energia de elevada potência116. O aumento da proporção de salitre na mistura aumenta seu poder de deflagração117. Quando nas misturas a proporção de salitre é superior a 50%, a queima poderá produzir uma explosão118. Os chineses, em meados do século VII, já produziam uma mistura, um tipo de pólvora, que Needham classificou como um explosivo de baixa potência119porque era composta de 50,5% de salitre, 26.5% de enxofre e 23,0% de carvão. Com o passar do tempo, diversos povos passaram a fazer uso da pólvora e experimentaram proporções de salitre cada vez maiores, chegando a cerca de 80%, o que tornou a pólvora mais potente.

114A pólvora que queima sem emissão de fumaça apenas foi inventada em meados do século XIX, no entanto o seu estudo está além do escopo desta Tese. A pólvora à qual sempre iremos nos referir será apólvora negra, que assim foi denominada para ser diferenciada da pólvora que não emite fumaça.

115KELLY, 2004, pp.5-7.

116A potência é definida como a rapidez com que se troca certa quantidade de energia. A interação será tão mais potente quanto menor o intervalo de tempo no qual ocorreu a troca.

117A combustão, segundo PARTINGTON, poderá ocorrer de cinco formas diferentes. O primeiro tipo de combustão, a combustãolenta, é aquela verificada na queima de algumas substâncias como óleos, piche (betume) e o enxofre, e que foram utilizadas nas primeiras armas incendiárias que lançavam corpos em chamas presos às flechas. O segundo tipo, a combustão

rápida, ocorre nos destilados do petróleo ou na nafta, que eram utilizados como conteúdos de potes incendiários lançados por catapultas, ou como combustíveis do Fogo Grego. O terceiro tipo, a deflagração, é aquela verificada na pólvora com baixo conteúdo de nitrato, que é identificada como uma “proto-pólvora”. No quarto tipo, a explosão ocorre na pólvora com elevado teor de nitrato. A queima de toda pólvora com teor de salitre superior a 50% é classificada comoexplosão(BUCHANAN, 2006, p.4). O quinto e último, adetonação, ocorre na pólvora com aproximadamente 75% de salitre. Mas, atualmente a classificação de uma reação comodetonaçãoapenas se aplica à queima dos combustíveis orgânicos, usados na produção de granadas, bombas, minas e trabalhos de demolição, quando se verifica que o calor entre os reagentes não se propaga por condução, como ocorre na queima da pólvora, mas sim através de uma onda de choque que tem uma velocidade superior à do som (PARTINGTON, 1999, p.266).

118Em uma explosão ocorre uma abrupta ruptura do recipiente utilizado para confinar a substância que explode. Porém, nem toda explosão é causada por um explosivo. Um recipiente fechado onde se aquece certa quantidade de vapor d’água poderá vir a explodir, mas não poderemos dizer que o vapor d’água é um explosivo porque a energia liberada pela substância foi fornecida por uma fonte externa. No explosivo, a fonte de energia é intrínseca, surge da própria substância que explode (DAVIS, 1998, p.2).

A pólvora, a bússola e a imprensa são três invenções que tiveram um grande poder transformador sobre a civilização humana porque foram fontes de poder. No entanto, diferente da bússola e da imprensa, a pólvora somente poderia ser produzida por quem possuísse carvão vegetal, enxofre e salitre. Para que possamos entender porque, a partir do século XV, o Império Otomano120 se tornou uma grande ameaça à Europa, será necessário que façamos uma análise de onde e como eram produzidas as três substâncias principais que compõem a pólvora.

II.3.4 O carvão

No século XXI, quando em nossas casas um ferro de passar roupa funciona conectado à tomada de energia elétrica, muitos já ignoram que no início do século XX, na época de nossos pais ou avós, ainda era comum obter a energia necessária para aquecer um ferro de passar roupa através da queima do carvão. Nesta época, que não corresponde a um passado muito remoto, nas cidades o carvão era comprado nos armazéns ou nas carvoarias. Já na região rural, era comum que cada família o soubesse produzir utilizando pequenos pedaços de madeira. Atualmente, o saber produzir carvão faz parte de uma cultura popular que está praticamente perdida no passado.

Em 1540, Vannoccio Biringuccio descreveu algumas técnicas que na época se utilizavam para produzir carvão121, as quais permaneceram praticamente sem alteração até o final do século XVIII122.

Na produção do carvão, a madeira deverá ser sempre adequada ao uso que se pretenda dar a ele. Para a fabricação da pólvora, o carvão deverá ser feito de madeira macia, como a do salgueiro e da nogueira, cujas árvores

120O Império Otomano (1299-1922) foi fundado por Osman I, que entre os árabes seria o império de Uthmãn, de onde provém a denominação que recebeu no ocidente,otomano. Entre o século XVI e o XVII, passou a ser considerado uma das principais potências que ameaçavam a Europa, a qual chegou ao auge no século XVII, época em que governou Solimão, O Magnífico, cujos exércitos chegaram às portas de Viena.

121BIRINGUCCIO, 1966, p. 173-179.

deverão ser cortadas na primavera123 e deixadas para secar durante um período de 18 a 36 meses. Por sua vez, o melhor carvão para ser utilizado nos fornos de fundição será aquele que produz um fogo longo, poderoso e vivo, sem o qual não se conseguirá obter a fusão de alguns metais como o ferro. Neste caso, o carvão deverá ser feito da madeira de árvores grandes e duras, como o carvalho e a azinheira.

O forno onde se fazia o carvão poderia ser grande, construído acima do solo, ou pequeno, construído ao redor de uma pequena cavidade feita no solo. Os fornos pequenos podiam atender às necessidades domésticas ou mesmo às de um ferreiro que precisava de carvão para sua forja. No entanto, para que ele fosse produzido em maior quantidade, como aquela que era necessária às fundições ou fábricas de pólvora, melhor seria construir um forno grande.

Na construção de um forno grande (Figura II-26), primeiro se fixam ao solo quatro estacas verticais para lhe dar sustentação. Ao redor das estacas, os pedaços de madeira que serão transformados em carvão são pouco a pouco sobrepostos em camadas circulares, camada sobre camada. Ao final, quando foi terminada a construção da estrutura que se eleva apoiada nas quatro estacas, tudo se cobre com vegetação local, como ramos de samambaia. Por último, se faz com argamassa o revestimento do forno, deixando uma abertura no topo, entre as quatro estacas verticais de madeira124, e dez ou doze aberturas laterais para a entrada do ar e a saída da fumaça durante o cozimento125da madeira.

123Atualmente se sabe que a melhor qualidade do carvão obtido das madeiras cortadas na primavera se deve ao menor conteúdo de substâncias inorgânicas na seiva das árvores (ÁGOSTON, 2009, p.9).

124A composição da argamassa não foi fornecida por Biringuccio. No entanto, esta poderá ser feita de água adicionada à mistura de cal e terra argilosa, uma composição que ainda hoje é utilizada no Brasil para revestir os fornos artesanais (SANTOS, 2007, p.48).

125A palavra cozimento será utilizada porque, durante a preparação do carvão, não se deixa queimar a madeira, como faríamos em uma simples fogueira.

Se representarmos as duas reações de forma ideal, a partir da celulose, C12H22O11, podemos escrever:

combustão da madeira: C12H22O11(s) + 12O2(g) → 12CO2(g) + 11H2O(g)

(atmosfera rica em oxigênio)

redução da madeira a carvão: C12H22O11(s) → 12C(s) + 11H2O(g)

Figura II-26:Um forno grande para carvão.A figura nos mostra, à direita, a estrutura construída com o empilhamento dos pedaços de madeira que serão transformados em carvão. No lado esquerdo da figura, podemos observar como ficará o forno na sua forma final, após toda a estrutura ter sido revestida com argamassa (Fonte: BIRINGUCCIO, 1966, p.177, Figura II- 23.).

Com o forno construído, será o momento de pôr o fogo no seu interior. Para isso, primeiro se põe fogo nos pequenos pedaços de galhos e folhas secas que foram propositadamente deixados na base do forno, no espaço entre as quatro estacas de sustentação. Após o fogo ter sido iniciado e se espalhado, o buraco localizado no topo do forno deverá ser fechado com argamassa. Durante seis ou oito dias, será observado que através das aberturas laterais do forno há uma forte exalação de fumaça. Quando não mais sair fumaça por essas aberturas, é sinal de que o cozimento deve ter chegado ao fim126. Este é o momento em que todas as aberturas laterais deverão ser fechadas para que o fogo “morra asfixiado”127. Com o fogo extinto, o revestimento da estrutura poderá ser rompido para que se possa retirar o carvão sem cinzas, e principalmente sem a umidade que o desqualificaria. O carvão é uma substância higroscópica e deve ser armazenado em lugares secos, ou ser usado tão logo tenha sido retirado do forno. O melhor carvão que se usa nos fornos de fundição, ensina Biringuccio, deverá na colisão de seus pedaços produzirem o mesmo som que se obtém na colisão de pedaços de vidro128.

126Neste momento, haverá a exalação de umafumaça de cor azulada(SANTOS, 2007, p.48).

127O fogo é tratado por Biringuccio com um ser vivo que poderá ser morto por asfixia.

Figura II-27:Construção de um pequeno forno para produzir carvão em uma cavidade circular aberta no solo (Fonte: BIRINGUCCIO, 1966, p.177, figura II- 23.).

O segundo forno para produzir carvão, descrito na Pirotechnia129, é o pequeno forno construído em uma abertura circular feita no solo, que deverá ter uma profundidade igual ao diâmetro (Figura II- 27). A madeira que se deseja transformar em carvão no forno deverá ser cortada em pequenos pedaços e assentada em círculos ao redor das paredes da cavidade, deixando na região central um espaço vazio que será preenchido com gravetos e folhas secas que servirão para iniciar o fogo. Quando toda a madeira já estiver arrumada, tudo será coberto com vegetação local, como os ramos de samambaia, e que, por sua vez, também será coberta com terra, deixando aberto um orifício central que permita lançar o fogo para o interior do forno. Neste tipo de forno, o cozimento prosseguirá apenas por um período de oito a dez horas, após o qual deveremos “asfixiar o fogo” e retirar o carvão do interior da cavidade.

O aumento crescente na produção de pólvora na Eurásia fez crescer a produção de carvão, o que provocou, em algumas florestas, a extinção de árvores de madeira macia e fez com que algumas nações adotassem medidas que visavam à proteção dessas árvores nas florestas. No Oriente Médio, entre novembro de 1701 e 1703, quando as casas de pólvora existentes somente em Istambul consumiram 14,6 toneladas de carvão, os otomanos passaram a

proteger as florestas de salgueiros e proibiram sua extração nas florestas próximas das carvoarias130.

II.3.5 O enxofre

O enxofre é encontrado nos solos sulfurosos das regiões vulcânicas, de onde precisa ser extraído. A Sicília e a Macedônia foram importantes fornecedores desse elemento para a Europa, enquanto para os otomanos eram as terras vizinhas ao Mar Morto que lhes forneciam o enxofre necessário131. A necessidade de enxofre nas fábricas de pólvora fez com que os otomanos, no início do século XVI, utilizassem o artifício de liberar do pagamento das pesadas taxas criadas para cobrir as despesas devidas às guerras todos os povoados que conseguiam, com o trabalho de seus habitantes, produzir grande quantidade de enxofre por ano132.

II.3.6 O salitre

O salitre é o mais importante dos ingredientes da pólvora em termos de proporção e função133. Nas primeiras pólvoras, o salitre era composto de nitratos de cálcio, sódio e potássio. Entre os três tipos de nitrato, o de potássio é o mais ativo e o melhor. O de sódio é considerado o mais higroscópico, e o de cálcio, o pior dos três134. No entanto, no passado, os nitratos eram apenas reconhecidos como salitres. Não se reconheciam diferentes nitratos e muito

130ÁGOSTON, 2009, p.103.

131ÁGOSTON, 2009, p.100-102.

132ÁGOSTON, 2009, p.100.

133BUCCHANAN, 2006.p.67.

134Os nitratos de potássio, sódio e cálcio eram o três tipos de nitratos utilizados na preparação da pólvora. No entanto, o nitrato de potássio era o melhor. O nitrato de sódio, que é o mais higroscópico, e o de cálcio, quando estavam presentes na composição da pólvora a enfraqueciam. No passado, quando se iniciou a produção da pólvora, não era possível reconhecer a existência dos três diferentes tipos de nitratos, e apenas se denominava genericamente de sal os cristais do pó branco (HOWARD, 2006, pp. 24-25).

menos suas diferentes propriedades. No século XVI, o salitre era apenas descrito como uma terra seca que, se fosse retida por um algum tempo, na boca teria um sabor acre e salgado135. Na Índia, o produtor rural de salitre reconhecia o bom salitre pela cor e sabor136.

As condições climáticas em certas regiões da Índia, da Arábia e da China apresentam uma suficiente distinção entre as estações de chuvas e de seca, o que permite a formação de grandes depósitos naturais de salitre. Os depósitos da Índia eram considerados os melhores para a produção da pólvora137.

A Europa era deficiente do principal ingrediente da pólvora. O salitre apenas existia em poucos depósitos naturais, e os mais notáveis estavam na Espanha, Hungria, Polônia-Lituânia e Rússia. No entanto, por ser contaminado pelo nitrato de cálcio e possuindo apenas um pequeno percentual de nitrato de potássio, não poderia ser utilizado sem antes ter passado por algum processo de purificação. A partir do século XIV, com o uso crescente das armas de fogo, as principais potências militares da Europa passaram a importar o salitre.

Na natureza, o salitre é produzido por colônias de bactérias nitrosomonas e nitrobacter que transformam os detritos orgânicos em nitratos. Os europeus, desesperados pela necessidade do escasso salitre, procuravam obtê-lo em qualquer lugar onde ele havia se acumulado, como nas paredes das casas ou nos solos adubados (Figura II-28). A produção artificial de salitre seria fundamental para as principais potências militares da Europa138.

135AGRICOLA, 1950, p. 561.

136BUCCHANAN, 2006, p.68.

137Em 1793, na região de Bengala, no nordeste da Índia, o salitre era abundante e de baixo custo. Nesta região, sob o domínio da Inglaterra, o salitre se tornou um importante“commodity of empire”(BUCCHANAN, 2006, p.67).

Figura II-28:Na Europa, o escasso salitre era recolhido em qualquer lugar em que estivesse acumulado, como nas paredes das casas(Fonte: BUCCHANAN, 2006, p.70. Apud:Guttmann, Oscar. Monumenta Pulveris Pyrii- reproductions of ancient picturies concerning the history of gunpowder, with explanatory notes, London: Artists Press, 1906).

Em 1556, Agrícola, em sua obra de Re Metallica, descreveu uma técnica de produção artificial de salitre139, a qual somente seria viável onde houvesse uma grande quantidade de terra com material orgânico em decomposição (Figura II-29). Isso obrigou as nações a passarem a ter uma nova categoria de trabalhadores – os coletores –, que tinham autorização para raspar todos os locais das casas e celeiros onde existissem depósitos de nitratos, assim como recolher nas fazendas todo o estrume necessário para a produção de salitre. A coleta do estrume causou muito descontentamento nas populações rurais onde este era necessário para fertilizar os campos140. Apesar dos esforços desenvolvidos em diversas nações da Europa, a produção artificial de salitre geralmente não foi capaz de suprir as necessidades das fábricas de pólvora de nações em guerra. Para cada tiro de canhão seriam necessários, em média, 7kg de salitre. O salitre na Europa se tornou mais importante que o dinheiro, porque este poderia ser emprestado, mas não aquele.

Uma nação que não possuísse reservas suficientes de salitre não poderia manter por muito tempo suas armas de fogo em ação. A produção

139AGRICOLA, 1950, pp. 561-563.

artificial de salitre consumia uma grande quantidade de matéria prima, como o esterco que, além de produzir danos à produção agrícola, nunca poderia ser obtido em quantidade suficiente nas nações que tinham pequena população e pequeno território, como Veneza. No século XVI, os oficiais encarregados da Artilharia de Veneza já estimavam que todo o estoque de pólvora dos seus arsenais poderia ser consumido durante a guerra em apenas duas semanas, de onde se conclui que, para essas nações, seria mais conveniente optarem por investimentos em sistemas de defesa ou assumirem uma posição de neutralidade durante os conflitos militares141.

Figura II-29:Produção de salitre na Europa Central (Fonte: BUCCHANAN, Brenda J.Saltpetre: A Commodity of Empire. In:Gunpowders, Explosives and the State – A Technological History. Edited by Brenda J. Buchanan, University of Bath (UK), 2006, p.73. Apud: Lazarus Ercker’sTreatiseof 1580, GuttmannMonumenta(1906)).

Em 1487, o rei de Portugal enviou até a Etiópia, através do Mediterrâneo e depois por terra, dois viajantes-espiões: Afonso de Paiva e Pêro da Covilhã,

141O chefe da artilharia em Veneza, em 1565, estimava que 250 toneladas de pólvora fossem necessárias para manter uma batalha durante cinco dias utilizando 50 canhões, considerando que estes consomem 10kg de pólvora em cada tiro, e atiram com uma frequência de 50 a 60 tiros por dia. Cada canhão na artilharia terá um consumo médio de 600kg por dia. Em 1571, um cálculo da mesma natureza estimou que, com o salitre existente nos arsenais, pudessem ser fabricadas 280 toneladas de pólvora, que seriam consumidas em 12 dias (PANCIERA, 2006, p.114).

que deveriam obter informações sobre o reino cristão de Preste João, uma lenda que circulava na época em Portugal. Provavelmente este era o objetivo proclamado da missão, não o verdadeiro objetivo, o qual poderia ser a observação do comércio de especiarias na região. Afonso de Paiva desapareceu durante a viagem, mas Pêro da Covilhã estendeu a sua viagem além da costa oriental da África e alcançou a Índia e a Pérsia. A partir do Cairo, enviou um grande número de informações a D. João II, sobre as quais não se sabe se foram lidas pelo rei e até que ponto motivaram a expedição que deveria descobrir um caminho marítimo para as Índias142.

O domínio cada vez maior dos turcos otomanos sobre as rotas comerciais com o Oriente através do Mediterrâneo criou a necessidade de buscar um novo caminho marítimo para as Índias. O mar Índico poderia ser alcançado através do oceano Atlântico? Os navegantes portugueses no final do século XV conseguiram dar uma resposta positiva a esta questão. Mas, para isso, foi necessário considerar uma nova geometria para a superfície da Terra: torná-la definitivamente esférica. Os bravos navegantes portugueses precisaram vencer o medo de cair no possível abismo existente na periferia de um mundo plano e seguir sempre em frente, continuando a navegação costeira para o sul ao longo do litoral da África Ocidental. Nas grandes navegações, em média, morriam 75% da tripulação em cada viagem. Um fato terrível que deixou muitas mães nos portos perdidas em lágrimas à procura de seus filhos. A arte de navegar em mares nunca dantes navegados se aprendeu com suor e